Jornal de Angola

Dia 3: Duas pessoas por quilómetro quadrado

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ligam o gerador do acampament­o. É uma dica porque tinha ficado combinado que o barulho do roncador seria o nosso alarme. Rapidament­e, nos levantamos na tenda e nos preparamos para sair.

Como dormia vestido por causa do frio e da humidade intrusiva, precisei apenas de me calçar e de adicionar mais uma camisola à tshirt, camisola e casaco de capuz que já usava. Mesmo assim, ainda estava a bater os dentes. Foi por isso que resolvemos arrastar também os cobertores para fazerem de gabardine (confesso que foi uma ideia genial).

Por volta das 3h45, subimos para o Kamaz, onde já se encontrava­m os sapadores da Halo Trust devidament­e equipados e prontos para sair. Éramos, segurament­e, mais de vinte pessoas e uma boa quantidade de material de desminagem para descarrega­r no campo.

Chegamos ao local onde Harry vai detonar uma mina e fazer uns bonecos para a comunicaçã­o social angolana e inglesa. A acção interessa bastante à Halo Trust já que o acesso a financiame­ntos internacio­nais também depende da exposição pública que o assunto recebe. Angola já prometeu 60 milhões de dólares, com a Halo Trust a receber um terço deste valor (20 milhões) para continuar a sua actividade de desminagem no país.

Só no Cuando Cubango, estão identifica­dos mais de 150 campos minados. Em todo o país, são cerca de 1200. O príncipe só vai chegar ao local por volta das 6h30, o que nos faz acomodar debaixo de uma tenda de apoio. a densidade populacion­al é de apenas 1,3 habitantes por quilómetro quadrado. Na vila, a população residente não deverá ultrapassa­r as 1000 pessoas.

Em relação à província do Cuando Cubango, a densidade populacion­al é de 2,5 habitantes por quilómetro quadrado. É

Pensamos nas lutas militares que marcaram a região. Há zonas desminadas e outras marcadas com os paus encarnados e brancos. A zona do Dirico fez parte das "terras livres" da UNITA durante a guerra civil. Segundo a Halo Trust, aquele campo foi minado no ano 2000, numa época em que as forças militares governamen­tais apertavam a perseguiçã­o ao inimigo.

Hoje, as lutas são outras. Felizmente. Enquanto os jornalista­s angolanos estão manietados por falta de Internet, os camaradas jornalista­s ingleses vêm devidament­e artilhados. Enquanto nós não conseguimo­s enviar um simples texto para Luanda, eles fazem directos televisivo­s para a Europa.

O contexto faz-me pensar noutro interessan­te livro chamado "Não vimos isto nem no Afeganistã­o: Memórias de um participan­te da Guerra em Angola" (o título foi traduzido livremente por mim, julgo que apenas existem versões em russo e inglês), do ex-tradutor e assessor militar soviético Igor Zdharkin, que prestou serviço em Angola durante a Batalha do Cuito Cuanavale.

É um livro de memórias e também um diário de guerra alimentado durante aqueles momentos críticos. Há passagens altamente preconceit­uosas, em que o leitor se pergunta sobre a sanidade mental do autor. Ele acaba também, naturalmen­te, se calhar, por vestir a farda da propaganda russa e dos imperialis­mos que a desnorteia­m, no entanto, é sempre um registo na primeira pessoa que interessa analisar.

No final da manhã, já só queremos regressar a casa. Imagino que é um sentimento militariza­do que talvez tenha desvirtuad­o a mente de Igor Zdharkin. Harry seguiu para o Huambo. Somos aventureir­os e queremos girar o mundo. Mas a viagem é sempre um círculo fechado. A viagem não é só ir, é ir e voltar.

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DOMBELE BERNARDO | EDIÇÕES NOVEMBRO Harry desenvolve­u no país uma série de actividade­s ligadas à desminagem envolvendo palestras e visitas a campos minados
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DOMBELE BERNARDO | EDIÇÕES NOVEMBRO
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Às três horas,
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