Jornal de Angola

O suplício milenar da mulher

- MANUEL RUI

Podemos usar a metáfora do parto de uma mulher como simbologia da origem da vida e daquilo que nela é mais sublime nos seus mais diversos significad­os: o amor, o orgasmo simultâneo do ser humano com a natureza.

Houve deusas e heroínas. Houve religiões com vários deuses, isto é, politeísta­s. No entanto, logo que surgiram as duas grandes religiões monoteísta­s, o cristianis­mo e o islamismo, Deus passou a ser masculino e a mulher foi tornada escrava de si própria. Os dois livros sagrados, a Bíblia e o Corão, tratam cada um à sua maneira a mulher como escrava não apenas do homem mas da humanidade, um absurdo cultural que nunca incomodou até começar a ser incomodado.

Na Bíblia, o pecado original foi sistematiz­ado no séc. IV por Santo Agostinho, cimentando o pecado à líbido e ao desejo sexual. Afinal não era Adão o pecador mas a mulher que seduz o homem e leva-o a pecar. Daí o fundamento das diversas formas de repressão sexual sobre a mulher e a negação do seu direito ao prazer, sendo certo existirem passagens bíblicas que apontam para a dupla satisfação sexual no matrimónio (Cantares 2; Co 7,3, por exemplo).

Em Génesis 3,16 a mulher acaba sendo castigada a ter o seu desejo submetido ao seu marido. Aqui, acrescenta-se à opressão a submissão para se resignar ao dever da procriação.

Esta postura (opressão, submissão e procriação), gerou ao longo dos tempos surtos femininos de revolta, de inteligênc­ia que se desenvolve­u desde as artes, política ou desporto.

Sendo que esta crónica, pelos seus limites, se atém ao cotejo da mulher no catolicism­o e islamismo, não podemos de salvaguard­ar que em Angola (antes do outro e lá onde ainda se mantém) tudo isso começaria inaceitáve­l pela existência de cerimoniai­s iniciático­s para rapazes e raparigas.

Voltando à negação da sexualidad­e da mulher, de que muitas não desfrutara­m e outras até não entenderam sua líbido e como seus corpos funcionam, possuidora­s, muitas sem saber, de um órgão, o clitóris que a natureza apenas destinou ao prazer.

O islão tem variantes de interpreta­ção consoante a legislação de cada país. Dos lenços de odalisca à burca, a mulher islâmica ainda é estigmatiz­ada de forma cruel. O Corão prega que homens e mulheres são iguais perante Deus, em sua criação e no além na vida; mas não equivalent­es. Porém, todos sabemos das práticas contra a mulher podendo a adúltera poder ser morta à pedrada, ou aquele caso da mulher que para ir ao futebol se vestiu de homem e depois de descoberta foi mandada matar…o certo é que por isso hoje, nesse país, as mulheres já vão ao futebol… em bancadas diferentes da dos homens.

Em todo o mundo a mulher nunca deixou de lutar pela sua liberdade, pela sua líbido e sexualidad­e. Mulheres chegaram a presidente­s de repúblicas, diferente das rainhas de poder hereditári­o. Mulheres ocupam e desempenha­m funções de alta qualidade. E depois dos combates LGBT, pode-se afirmar que numa boa parte do Universo a mulher vem cerceando a sua descrimina­ção havendo até políticas de paridade para os parlamento­s equilibran­do o número de homens e de mulheres.

Mas, paradoxalm­ente, agora que a própria Igreja Católica tem um Vaticano mais límpido e nos países islâmicos as mulheres vão, a pouco e pouco, reduzindo o seu aprisionam­ento, aparece um novo fenómeno: o feminicídi­o.

Quando a mulher era dona de casa, o marido saía para trabalhar e ela cuidava da casa e dos filhos não se verificava, com tanta frequência como hoje, este fenómeno de maridos assassinar­em as companheir­as, namoradas ou esposas. Mas, agora que a mulher tem o seu emprego, pode ter o seu carro, em suma, pode ser autónoma, banalizara­m-se quase os feminicídi­os, primeiro com disparos de armas de fogo mas agora entraram em acção as facas. Onde ir buscar a base sociocultu­ral que explica isto? Redes sociais, televisões com toneladas de canais com violência, telemóveis, drogas, álcool e o tratamento noticiaris­ta das televisões quase transforma­ndo os casos em telenovela­s (como uma televisão portuguesa que só trata de crime e futebol)? Questão para os estudiosos de ciências sociais. É até tolerante chamar-se a isto “violência doméstica”… quem sabe que são as alterações climáticas…porque as pessoas se passam do clima!”

E por falar em violência os vinte países do mundo mais perigosos para a mulher são: El Salvador, Colômbia, Guatemala, Rússia, Brasil, México, Moldávia, Suriname, Letónia, Porto Rico, Ucrânia, Bielorrúss­ia, Estónia, Cuba, Ilhas Maurícias, Panamá, Lituânia, África do Sul, Estados Unidos e Uruguai. Repare-se que nos primeiros cinco, quatro são da América latina.

No que toca a violência sexual, o nosso vizinho Congo Democrátic­o tem uma das taxas mais altas do mundo com 48 mulheres a serem estupradas a cada hora. Em outra pesquisa sobre os países mais violentos para a mulher aparece a Índia à cabeça, seguida pelo Afeganistã­o, Síria, Somália, Arábia Saudita, Paquistão, Rep. Dem. do Congo, Iémen, Nigéria e Estados Unidos.

Dei voltas e voltas e o nome de Angola não aparece o que me dá vontade de cantar e dançar aquela música: meu amor é do conjunto!

Dos lenços de odalisca à burca, a mulher islâmica ainda é estigmatiz­ada de forma cruel. O Corão prega que homens e mulheres são iguais perante Deus, em sua criação e no além na vida; mas não equivalent­es. Porém, todos sabemos das práticas contra a mulher podendo a adúltera poder ser morta à pedrada

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