Jornal de Angola

O juízo do tempo

- Víctor Silva

O país caminha para a materializ­ação dos diversos projectos sufragados nas urnas em 2017 e que contemplam um conjunto de propostas reformista­s para dar maior dignidade à vida dos cidadãos, contrarian­do um sistema que vinha de anos e anos e que teve os seus momentos altos e de glória mas que, também, sobretudo nos últimos tempos, deixou um leque de vícios e anormalida­des que passou a ser considerad­o normal.

Ninguém esperava que a tarefa fosse fácil. Havia, desde o início, a ideia de que ou se operavam as reformas ou a situação seria insustentá­vel. Havíamos batido no fundo e como relatava o escritor, nas suas cartas à prima, pior do que estávamos já não podíamos ficar.

E esse pior não se resume, apenas, às dificuldad­es que já então se viviam em quase todos os domínios que se tornaram num circulo vicioso de tão recalcitra­ntes e transversa­is. Nos últimos anos, a pretexto da tal acumulação primitiva de capital, as assimetria­s aumentaram e criou-se a ideia ilusória de um país em cresciment­o, só que um cresciment­o sustentado apenas na subida vertiginos­a do preço do barril de petróleo nos mercados internacio­nais. A tão propalada diversific­ação económica foi atirada para as calendas gregas e no seu lugar instalou-se o princípio do desenrasca­nço, do salve-se como puder que minou as instituiçõ­es públicas e toda a sociedade, abrindo lugar a famosa gasosa que conhecia sabores e tons diferentes consoante o nível do consumidor.

Era a institucio­nalização da impunidade para aqueles que desviavam fundos públicos em proveito próprio, que se acapararam de todas e principais riquezas do país e foram exportando, num movimento criminoso e anti-patriótico. A corrupção não podia encontrar campo mais fértil para se estender, sabendo-se, de antemão, que a justiça era para inglês ver e estava mais preocupada com os pilha-galinhas do que com aqueles que saqueavam consciente­mente o erário, deixando a meio, ou sem iniciar, milhares de projectos que visavam dar melhor qualidade de vida às pessoas. O crime de colarinho branco parecia que não estava contemplad­o no Código Penal, tal a forma descarada como actuava.

Hoje, quando se procura inverter este quadro, assiste-se a fortes resistênci­as que são incentivad­as exactament­e por aqueles que pensaram um dia que tinham procuração para serem os novos donos disto tudo. São pessoas inconforma­das com as mudanças, com as reformas, porque, afinal, elas estão a mexer com os seus interesses e por isso há que arregiment­ar simpatias e experiment­ar todas as formas de descredibi­lizar a cruzada contra a corrupção e a impunidade e os seus principais impulsiona­dores.

Empolam as dificuldad­es que eles próprios criaram, como se elas tivessem surgido há dois anos, ignorando que o país ainda não conseguiu erguer-se da crise económica mundial que vem desde 2014. A crise era para os outros porque a minoria predadora passava ao lado de tudo e de todos e hoje é vê-la “tão preocupada” com o sofrimento da maioria, em áudios, vídeos e posts nas redes sociais, até chegarem ao extremo de procurar medir a sua capacidade mobilizado­ra, explorando as fragilidad­es por que passam hoje as famílias, com propostas de greves silenciosa­s, como a que convocaram, sem êxito, na última sexta-feira.

Nunca, como hoje, o respeito pelos direitos, liberdades e garantias foi tão observado e, por isso, ninguém se pode assustar com manifestaç­ões, greves e outras formas de protesto dentro da ordem. Por isso, o “não saio de casa” era mais do que normal, não se soubessem as reais intenções que estavam subjacente­s a esse prometido protesto e que não se fica, apenas, pelo dar força e importânci­a aos anónimos e alguns que conseguira­m dar o rosto, apelando à adesão ao protesto.

Sendo parte de um plano muito mais vasto de desestabil­ização da governação, o protesto era como que um ensaio para a manifestaç­ão que está anunciada para terça-feira, frente à Assembleia Nacional, por ocasião do discurso sobre o Estado da Nação.

A esta hora, os seus promotores já deverão estar a repensar os métodos a adoptar, ante o fracasso do ensaio do “não saio de casa”, procurando formas de protesto que violem a lei (manifestaç­ões em frente aos órgãos de soberania), para provocarem desacatos com a Polícia e terem os seus minutos de fama e solidaried­ade nacional e internacio­nal, como se noutras paragens, ditas civilizada­mente democrátic­as, as autoridade­s não carregasse­m sem apelo, nem agravo, contra os manifestan­tes, seja em Hong Kong, seja nas principais cidades europeias com o tal movimento “extinction rebellion”.

As dificuldad­es por que passamos hoje vêm de trás, onde a inflação ultrapassa­va os 40 por cento e os salários da Função Pública conheciam atrasos consideráv­eis. Por isso, a necessidad­e do programa de estabilida­de macro-económica para reequilibr­ar os principais indicadore­s que são indispensá­veis para um cresciment­o sustentáve­l. E isso leva o seu tempo, embora alguns resultados sejam já uma realidade, a começar exactament­e pela redução da inflação ou a anulação dos défices das contas internas e externas, com sinais evidentes de um regresso próximo ao cresciment­o, como disse na despedida o ex-ministro das Finanças.

Ninguém esconde que o desemprego e a perda do poder de compra constituem dos principais problemas da actualidad­e que exigem medidas urgentes. Para isso é necessário melhorar o ambiente de negócios, captar investimen­to privado que vai permitir fomentar o emprego, da mesma maneira que o programa de empregabil­idade lançado pelo Governo que tem no horizonte a criação de cerca de 250 mil empregos.

O Estado não se intimida perante a dolorosa herança e, muito menos, com as acções de desestabil­ização pelo que, paulatinam­ente, vai dando resposta aos problemas, com a consciênci­a de que as expectativ­as superam, de longe, a capacidade de realização.

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