Casamentos prematuros preocupam a sociedade
O Parlamento moçambicano foi desafiado a aprovar legislação que impeça os casamentos prematuros, uma forma que muitas famílias encontram para resolver as dificuldades económicas
Um estudo das organizações Save the Children e Girl Child Rights considera que a vulnerabilidade de Moçambique a desastres naturais contribui para a prevalência dos casamentos prematuros no país, recomendando a rápida promulgação da lei que combata a prática, noticiou ontem a Lusa.
“A combinação de uma alta prevalência de casamento prematuro com extrema vulnerabilidade a desastres naturais e mudanças climáticas faz de Moçambique um país de alto risco para meninas”, escrevem as organizações, no relatório divulgado no fim- de- semana, no âmbito do Dia Internacional da Rapariga assinalada, na sexta-feira, em todo o mundo.
No documento, as organizações apontam, a título de exemplo, a situação da rapariga no centro do país após a passagem do ciclone, Idai, em Março deste ano, casos de menores que foram obrigadas a abandonar as aulas devido a uniões prematuras.
“Em 12 aldeias do distrito de Mossurize, província de Manica, mais de 124 meninas foram forçadas a casar-se desde o rescaldo do ciclone Idai. Esta é apenas a ponta de um icebergue”, lê-se no documento.
Nas zonas mais recônditas, a participação da mulher nos processos decisórios ainda é um desafio em Moçambique e o Governo tem adoptado políticas de inclusão como forma de responder à situação, facilitando, entre outras iniciativas, o acesso à educação.
Mas os costumes, em muitos casos, têm legitimados os casamentos prematuros, na medida em que, em algumas províncias, antes mesmo do nascimento, a rapariga é prometida a um homem por vários motivos, entre os quais o pagamento de uma dívida ou como preço por serviços prestados por um médico tradicional.
Os dados oficiais indicam que 48 por cento das raparigas moçambicanas casam antes dos 18 anos, uma situação que para as Organizações Não-Governamentais é agravada pela ineficiente implementação da legislação, além da pobreza das populações e costumes.
Em Julho deste ano, o Parlamento moçambicano aprovou, na generalidade, o projecto de Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras, que prevê a pena até 12 anos para o adulto que viver maritalmente com menor de 18 anos.
“Uma estrutura legal vinculativa que defina a idade mínima para o casamento aos 18 anos, sem excepção, ajudará a proteger as meninas em risco de casamento e permitirá que os autores sejam responsabilizados no tribunal. O Parlamento deu um passo importante ao aprovar esta legislação, que agora precisa ser convertida, o mais rápido possível, em lei”, acrescenta o documento das Save the Children e Girl Child Rights.
Ao todo 714 pessoas morreram e outras 2,8 milhões foram afectadas por calamidades naturais na época chuvosa 2018/2019, um período marcada pela passagem de dois ciclones em Moçambique.
Mais de meio milhão de pessoas ainda vivem em locais destruídos ou danificados, enquanto 70 mil permanecem em centros de acomodação de emergência, segundo o mais recente relatório da Organização Internacional das Migrações (OIM), redigido em Julho que alerta para a falta de condições para enfrentar a nova época chuvosa, que começa este mês.
Prevenir a instabilidade
O historiador português Jaime Nogueira Pinto considera que a situação de instabilidade no Norte de Moçambique, com ataques regulares, desde há dois anos, exige uma acção militar de contenção, mas também psicológica na conquista das populações, noticiou a Lusa.
Para o também politólogo, “o Governo de Moçambique tem procurado, dentro dos constrangimentos de um período pré-eleitoral e das dificuldades da economia do país, controlar a situação”, mas o cenário “exige, além de contenção militar, um esforço de acção psicológica e psicossocial junto das populações.
A crise começou há dois anos, com um ataque em Mocímboa da Praia, e desde aí tem havido um crescente estado de instabilidade. “É um problema com raízes tribais, económico-sociais e político-religiosa, que começou, de um modo já clássico em situações de inspiração jihadista em África e no Médio Oriente, com jovens a serem doutrinados por linhas de fundamentalismo radical, voltando depois para lançar um discurso de contestação preparatório de acções violentas”, afirmou.
Ao mesmo tempo, “a porosidade de fronteiras a Norte favorece a infiltração de marginais, alguns dedicados a diversos tráficos, outros com agenda política, outros com os dois ‘chapéus’ político e criminal”, disse.