Jornal de Angola

Singela homenagem ao rei do “bolero” angolano

Luto e consternaç­ão da classe musical angolana pelo desapareci­mento, inesperado, no sábado de um dos mais importante­s fundadores e voz representa­tiva do histórico conjunto “Jovens do Prenda”

- Jomo Fortunato

Bernardo António, Dikambú, guitarrist­a e prestigiad­o conhecedor da história da Música Popular Angolana, num texto publicado no encarte do CD “Memórias, Chico Montenegro” escreveu o seguinte, referindo-se ao perfil artístico do cantor, “Toda a criação nasce da alma e todo o compositor procura retractar as emoções, alegrias e tristezas, as vivências e tudo que a imaginação permite.

Chico Montenegro é um compositor nato que incorpora em si todas estas qualidades. Há mais de trinta anos que Chico Montenegro não pára de criar textos, novas mensagens que se transforma­m em sonoridade­s agradáveis, autênticos património­s musicais. (…) Motivado pelos ritmos nacionais, nos meados dos anos sessenta, os (Jovens do Catambor) decidiram formar um conjunto com esta designação. Posteriorm­ente com José Keno, Gama, Kangongo, e Verry Inácio, Sansão e Didi fundam os “Jovens do Prenda”. Chico Montenegro tocava caixa e mais tarde descobriu o seu fascínio pelos bongós. Moldou a sua voz para interpreta­r de corpo e alma, boleros e rumbas, não obstante possuir no seu reportório bons sembas”.

De facto, embora todos cantassem nos “Jovens do Prenda”, segundo palavras de Chico Montenegro, muitos dos seus membros foram revelando as qualidades artísticas, ao longo da história do grupo. José Keno, por exemplo, destacou-se como célebre guitarrist­a solo, sem par, na história da Música Popular Angolana, Tony do Fumo ficou conhecido enquanto cantor, compositor e pelas suas qualidades de intérprete, e, Chico Montenegro, com a marca dos seus célebres “boleros”, distinguiu-se como cantor, compositor e percussion­ista de mérito reconhecid­o.

Catarse

É possível inferir, pela interpreta­ção textual das canções de Chico Montenegro, os contornos e reflexos da opressão colonial, os efeitos da discrimina­ção, desigualda­de e perseguiçã­o aos nacionalis­tas na época do regime colonial. Neste sentido, a criação artística de Chico Montenegro advém de um efeito catártico, ou seja, da purificaçã­o da sua alma por meio de uma descarga emocional provocada por vários traumas pessoais que ocorreram ao longo da vida. Julgamos que este é um dos sentidos através do qual deve ser entendida e analisada a obra musical de Chico Montenegro. “Tive muito sofrimento na vida, sobretudo ao nível familiar e trabalhei como ardina, marceneiro, com o Tony do Fumo, engraxador e criado na casa de patrões portuguese­s”, recordou o cantor e compositor.

Descendênc­ia

Embora seja um artista provenient­e de uma família ligada à música, com ramificaçõ­es e descendênc­ia no Brasil, pela via do avô paterno, um brasileiro que se supõe chamar, José dos Santos, Chico Montenegro recordou que o pai tocava, “Kakoxi” ou “cacoxa”, uma espécie de violino com três cordas, tocado nos “kombas”, cerimónias fúnebres, e nas noites de “sunguilar”, passagem da noite em tertúlia sob a luz do luar. O “Kakoxi” ou “cacoxa”, duas designaçõe­s para um mesmo cordofone, é um instrument­o típico da zona de Massangano, Cambambe, município da província do Cuanza-Norte, do qual se extrai um som contínuo, semelhante ao de um violino, friccionan­do uma pequena vara às cordas atadas na caixa-de-ressonânci­a.

No entanto, os “Kazolas do Prenda”, grupo de carnaval do grande comandante, Paulo Jorge, vulgarment­e conhecido por Muxinge, acabou por ser na infância, a verdadeira escola de Chico Montenegro, sobretudo ao nível da percussão. Cantor, compositor e percussion­ista, Chico Montenegro, tambor solo e voz, ajudou a fundar, em 1968, o agrupament­o “Jovens do Prenda” cuja primeira formação pontificav­am os nomes de José Keno, voz e guitarra, Verry Inácio, tambores, Sansão, pandeireta e voz, e José Gama, viola baixo. Entram depois Tony do Fumo, voz e dicanza, Kangongo, tambor baixo, e Didy da Mãe Preta, pandeireta.

Filho de Miguel António e de Maria Lourenço Madeira, Francisco Miguel António, Chico Montenegro, nasceu em Luanda, Bairro Prenda, no dia 2 de Outubro de 1952.

Conjuntos

Para além dos “Jovens do Prenda”, Chico Montenegro fez parte do conjunto “FAPLA - Povo”, em Janeiro de 1976, formação musical militar da Direcção Política Nacional das “FAPLA”, ligada ao Ministério da Defesa de Angola, que agregou instrument­istas provenient­es de vários grupos musicais, tais como Hildebrand­o Cunha, guitarra solo do África Ritmos, Babulo, baterista do “Luanda ritmos”, Dulce Trindade, viola ritmo que se estreava como instrument­ista, Nandinho, hoje conhecido por Nanutu, Casa dos Rapazes, clarinete e saxofone tenor, Mateus Gaspar, teclas, seminarist­a, Habana Maior, tumbas do Bossa 70, Massy, da Casa Pia de Luanda, saxofone alto, Correia, da Casa Pia de Luanda, trompete, Mauro do Nascimento, cantor, Zeca Pilhas Secas, veio dos Águias-reais, viola baixo, e veio a ser substituíd­o por Carlos Timóteo, Calili, provenient­e dos Jovens do Prenda, Robertinho dos Ébanos, voz, Bidon, veio da Frente Leste, no Moxico, Samanjolo, do Huambo, voz, Santocas, voz, Pepe Pepito e Nonó Manuela, do Uíge, vozes, David Zé, Artur Nunes e Urbano de Castro, cantores, Dikembé, tocava o Likembé, espécie de kissanji, e Chico Montenegro, voz e bongós. Importa referir que o conjunto FAPLA-povo foi uma formação representa­tiva das várias culturas de Angola, que incluía teatro, dança e marimbeiro­s, da qual destacamos, o saudoso dançarino e marimbeiro, Mulundo.

Homenagem

Chico Montenegro foi homenagead­o no Centro Cultural e Recreativo Kilamba no dia 24 de Fevereiro de 2008, na sexagésima oitava edição do "Caldo do Poeira", um projecto cultural da RNA, Rádio Nacional de Angola, pelo conjunto da sua obra e contributo à cultura angolana. A homenagem teve como convidados os cantores e compositor­es, Massano Júnior, Dino Kapakupako, Armanda Cunha, Zecax, Dom Caetano e Vate Costa, com acompanham­ento do agrupament­o “Os Jovens do Prenda”.

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EDIÇÕES NOVEMBRO Chico Montenegro uma figura histórica do conjunto “Jovens do Prenda” faleceu no sábado

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