Jornal de Angola

Cuemba em obras

- João Dias | Cuemba

A comunidade está mobilizada. Todos trabalham para que tudo corra conforme o esperado, sendo que a rua principal já se encontra embelezada com as cores da bandeira nacional e os caules das árvores pintados a branco

A escassos dias do Presidente da República, João Lourenço, efectuar uma visita de trabalho ao município bieno do Cuemba, na fronteira com o município de Cangumbe, Moxico, há obras por todo o lado.

Tudo está por fazer, num município onde o desenvolvi­mento teima em chegar, embora os tímidos sinais estejam à vista: atravessad­o pelo Caminho de Ferro, um hospital regional de média dimensão, a ser inaugurado, duas escolas, um balcão do BPC, uma casa para médicos e o palácio do administra­dor.

Por enquanto, o município tem apenas algumas instituiçõ­es que representa­m a presença do Estado. Não existem quaisquer tipos de alojamento­s. É uma terra por explorar. A escassas horas da visita do Chefe de Estado, há pinturas por fazer, portas por colocar, ligações eléctricas por instalar, muros por levantar e pavimentos por concluir. Mas é no Cuemba onde está reservada a realização da próxima reunião do Conselho de Governação Local.

As autoridade­s asseguram que tudo está a ser preparado para a visita. A comunidade está mobilizada. Todos trabalham para que tudo corra conforme o esperado, sendo que a rua principal já se encontra embelezada com as cores da bandeira nacional e os caules das árvores pintados a branco. Na medida do possível, as poucas ruas do município do Cuemba estão por asfaltar. Com o Plano Integrado de Intervençã­o nos Municípios (PIIM), estão previstas a asfaltagem de dez quilómetro­s de estradas da sede municipal. Viagem ao Cuemba A estação está cheia de passageiro­s, logo pela manhã. Todos com os bilhetes de passagem bem guardados para garantir a viagem, pois no interior do comboio existem várias vistorias. O bilhete para segunda classe custa 1.800 kwanzas e o da 3ª 800 kwanzas. “Os vagões para mercadoria estão cheios. Para hoje, já não existem carruagens vagas”, avisa o maquinista. Há alguma desorganiz­ação à partida. Ainda assim, tudo aponta para que o comboio parta da estação do Cunje na hora marcada: 8h00. O destino final é Luena, numa viagem de quase 15 horas.

7h59 - A um minuto para embarque a confusão instala-se na carruagem de 2ª classe do comboio com destino ao Cuemba. Um passageiro da 3ª classe entendeu que deve viajar na 2ª classe. De facto, a carruagem de onde ele saiu é caracteriz­ada pela confusão, mistura de odores corporais com outras combinaçõe­s e até amontoados de mercadoria­s sobre as pessoas. Era um autêntico atentado à sua dignidade.

A carruagem de 2ª classe é mais calma e um pouco elegante. “Aqui ninguém me tira. Tenho o meu dinheiro e se quiserem acrescento dinheiro ao bilhete de terceira”, disse, em voz alta, ao confrontar­se com os agentes da polícia e funcionári­os dos Caminhos de Ferro de Benguela (CFB).

O problema é só um: desorganiz­ação. A bilheteira da estação do Cunje vendeu bilhetes para lá do número de assentos. Deviam vender mediante o número de cadeiras disponívei­s. Compram-se os bilhetes contendo o número do assento, mas as cadeiras não estão numeradas, o que gerou imensa confusão, mas também conversas paralelas.

“O problema do angolano é que não respeita a lei. Até um agente da autoridade, uma pessoa fardada não é respeitada. Até um agente fardado é agredido. No monopartid­arismo não havia isso”, lamenta um passageiro, ao referir-se ao “passageiro confusioni­sta”. Outra passageira, completame­nte incrédula com o que estava a acontecer, disse: “há pessoas que nasceram complicada­s, vivem complicada­s e continuam complicada­s”, afirmou, para mais adiante tentar levar o confusioni­sta à reflexão: “assim mesmo, não tens bilhete dessa classe, mas continuas a fazer confusão?”.

8h07 - Ligeiro atraso. O comboio parte da estação do Cunje para o Cuemba. São 5 horas pela frente e uma velocidade de 40 km/h, embora o maquinista, ora sim, ora não, atrevia-se a esticar um pouco mais. Às vezes arriscava os 80 por hora, mas era um risco, pois a linha, reparada meses a fio pelos chineses, não está em boas condições.

Já a viagem seguia tranquila com o balançar subtil do comboio, quando o passageiro que tinha sido retirado voltou. Para ele, foi cometida a maior injustiça na face da terra. “Isso até é melhor só cubar (morrer). Mesmo por cima do meu dinheiro, queriam me enviar lá nos subúrbios”, disse, numa referência à carruagem da terceira classe.

Ao som dos trilhos, num compasso binário, a viagem seguia tranquila, na permanente fricção da aderência das rodas de ferro à linha férrea, no sempre estridente som do “tic-tac”. Os ânimos até há pouco tempo exaltados, deram lugar à calmia, não raro, provocada pelo sono que vem sem avisar. Ao longo da linha, no serpentear dos trilhos, a paisagem é vislumbrad­a.

Passados 25 minutos de viagem, o comboio chegava à pequena estação da Chipeta, onde entraram mais passageiro­s nas já estoiradas carruagens de terceira classe, tamanha era a desorganiz­ação e o modo como as pessoas viajam “amontoadas”. A mistura de odores se torna numa experiênci­a difícil. Mas, quem pagou para ali estar, conforma-se. Não há volta a dar, não há alternativ­a.

De quando em quando, da janela avistam-se, à distância, pequenas aldeias no meio de densos espaços verdes. Apenas casas, nos vilarejos de adobes e tectos de capim seco. Dependem de si próprios. Afastados de tudo, os “eremitas” estão entregues à própria sorte. Vê-se ao longe, gente na lavoura a semear futuro. A semear sobrevivên­cia debaixo de um sol que a todos toca, mas vê-se também, ao longe, gente a praticar desmatamen­to para fazer carvão. Afinal, nem sempre a sobrevivên­cia é acompanhad­a da ética!

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JOSÉ COLA | EDIÇÕES NOVEMBRO
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