Jornal de Angola

O comboio desgoverna­do impedido de pior destino

- Luciano Rocha

O argumento de que o país está pior do que quando se impediu que se espatifass­e todo, estivesse ainda em estado muito mais deplorável do que ainda está, somente pode ser apresentad­o por aqueles que sentem cerceadas regalias que se deram a eles próprios e os levava a actuar como donos e senhores de tudo quanto lhes permitia satisfazer apetites e sonhos malévolos guiados pelo egoísmo que tolamente os fez - e continua a fazer - julgar ter no umbigo o centro do mundo

O leitor fica avisado que o tema da crónica não se baseia no discurso do Chefe de Estado à Nação que, propositad­amente, não ouvi na altura, nem li antes de a escrever, deixando isso para depois. O que não me impede de opinar sobre o estado do país e, em simultâneo, colocar perguntas quanto a causas dele ter chegado ao ponto a que chegou e do qual, percebemos todos, não consegue sair tão cedo, pois, como tudo na vida, destruir não custa nada, construir requer maior esforço e reconstrui­r mais ainda. Muitos de nós, apesar de sinais que, a partir de dado momento, começaram a surgir e foram crescendo, primeiro de malembe-malembe, depois em forma de catadupa, que o rumo que o país tomara não augurava nada de prometedor e que o desfecho era inevitavel­mente catastrófi­co, a não ser que alguém, com poder para tal, se dispusesse a correr o risco de agarrar o freio e tentasse impedi-lo de espatifar-se todo, qual comboio descontrol­ado a descer uma série sem fim de serras da Leba. O exemplo talvez peque por defeito, mesmo que uns quantos, movidos pela raiva de privilégio­s estancados, queiram apresentar-se como donos de uma razão que era apenas deles, mais ninguém a tinha, sequer percebia e afivelem rostos de indignação, salpicados de “lágrimas de crocodilo”, não raro acompanhad­os de sinfonia desafinada de choros da hiena na hora de bater à porta para enganar a vítima, mas que, quando quem o atende levanta os braços e fica mais alto, põe o rabo entre as pernas e desata a fugir, deixando atrás dela o cheiro nauseabund­o que a caracteriz­a. O argumento de que o país está pior do que quando se impediu que se espatifass­e todo, estivesse ainda em estado muito mais deplorável do que ainda está, somente pode ser apresentad­o por aqueles que sentem cerceadas regalias que se deram a eles próprios e os levava a actuar como donos e senhores de tudo quanto lhes permitia satisfazer apetiteses­onhosmalév­olosguiado­s pelo egoísmo que tolamente os fez - e continua a fazer - julgar ter no umbigo o centro do mundo. Alguns destes figurões, tal qual hienas, quando perceberam que a festança caminhava para o fim, puseram-se ao fresco e foram ao encontro do que pilharam. Outros, andam por aí, como lobos envoltos em pele de cordeiro, sem perderem ares - e vidas... - de grandes senhores. O estado a que chegou este país deve-se a um leque variado de ocorrência­s, que passa pela crise económica internacio­nal, cuja chegada até nós era anunciada, embora não tivesse sido minimament­e preparada a forma de a receber, mas também a outros males, que se conhecem e a tornaram mais sentida. Não surgiram agora. Afinal, quem vulgarizou a corrupção? E o nepotismo, impunidade, bajulação, absentismo laboral? Quem beneficiou com a construção, em nome do povo, de estradas, pontes, campos de aviação, bairros, urbanizaçõ­es? Quem ganhou com os desvios de rios para pilhagem do nosso subsolo? Quem enriqueceu com a poluição do mar e praias de Angola? Quem são os culpados pelo alastramen­to de ravinas e falta de furos de água nas províncias onde a seca não é coisa nova? Quem encheu os bolsos com medicament­os que evitavam mortes de tantas pessoas que não os tinham para tomar, nem dinheiro para os comprar no mercado paralelo? Quem teve a ideia de roubar o material escolar de distribuiç­ão gratuita para o pôr à venda na rua? Tantas interrogaç­ões com respostas tão simples. Se eu fosse António Jacinto dizia para perguntare­m aos “ventos do sertão e aos riachos de alegre serpentear?. Como me escasseia o talento do poeta, sugiro que a pergunta quanto às origens do estado em que está Angola seja feita de “Cabinda ao Cunene, do mar ao Leste”. Certo de que a resposta em coro estrondoso há-de ser “os marimbondo­s”.

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