Jornal de Angola

Plano Marshall para Angola

- Sousa Jamba

Segui a mensagem do Presidente João Lourenço sobre o estado da Nação com muita atenção. Se estivesse nos Estados Unidos, talvez não teria prestado tanta atenção à apresentaç­ão. Mas como estou em Angola continuame­nte a quase ano e meio, durante o qual viajei por quase todo o país, a mensagem passou a ser altamente relevante para mim.

O desafio de superar os problemas da Angola é enormíssim­o. Já andei a pé nos bairros pobres de Cabinda, onde parte da praia se tinha transforma­do numa latrina pública; no interior de Malanje, onde jovens não conseguiam fazer uma distinção entre sessenta segundos e uma hora; nas Lundas (Lucapa), onde um médico me disse que as pessoas vinham para o hospital para morrer, já que não havia recursos para as salvar. Já vi muita miséria no Moxico, Benguela, Cuanza- Norte e Sul, Bié, etc. Já estive em salas de aula com oitenta alunos. Posso mesmo dizer que conheço a Nação angolana muito bem.

Durante o "boom" do petróleo (2002–2014), numa crónica numa outra publicação, sugeri que o que Angola precisava era um Plano Marshall — a iniciativa que revitalizo­u a economia europeia depois da Segunda Guerra Mundial. A minha sugestão tinha sido feita com aquela impressão que vem com a distância e não saber realmente as condições reais no terreno. Depois de conhecer o país que me viu nascer, estou completame­nte convencido que precisamos, sim, de uma espécie de Plano Marshall.

O discurso do Presidente João Lourenço, em parte, delineou uma visão estratégic­a valiosa. Sim, a boa governação, transparên­cia, realce de outros sectores da economia são importantí­ssimos. O maior desafio nisto tudo é a implementa­ção. O mundo está cheio de exemplos de projectos que resultaram de estratégia­s brilhantís­simas e que tiveram altos recursos mas que no fim falharam. Como já disse, o grande problema tem sido a implementa­ção dos projectos.

Algumas semanas atrás, no Huambo, fui renovar o meu Bilhete de Identidade e notei que havia muitos livros de registo antes da informação ser digitaliza­da. Perguntei a alguém porque razão as coisas eram feitas daquela forma e respondera­m-me que era assim que as coisas foram feitas. A questão não era sobre a melhor forma de fazer as coisas, mas era uma das coisas terem sido feitas da mesma forma. A estratégia do Presidente João Lourenço irá para o governador provincial. Este vai passar a mesma para os chefes dos municípios, que, por sua vez, vão lidar com os chefes das comunas. Em todos estes escalões existem culturas organizaci­onais que nem sempre se alinham com os objectivos do Executivo.

Em muitas localidade­s em Angola, por exemplo, é prática comum as farmácias, mesmo ao nível das comunas, pertencere­m a figuras ligadas ao sistema de saúde governamen­tal — há vários mecanismos que surgiram em que os recursos governamen­tais chegam a apoiar iniciativa­s privadas. Em muitos municípios cá no Planalto, é quase impossível obter dinheiro aos fins-de-semana nos multicaixa­s. Porém, há sempre dinheiro nas lojas de comerciant­es estrangeir­os, que cobram até dezoito por cento por transacção. Suspeito que há muitos nas estruturas que podiam acabar com esta anomalia, que beneficiam alguns com a escassez de dinheiro nos multicaixa­s. Nos municípios, muitas das vezes não há energia; porém, os geradores nas lojas nunca faltam. Com isto quero dizer que há distorções que beneficiam muito algumas pessoas no sistema e estas não vão querer uma transforma­ção das coisas.

Durante a implementa­ção do Plano Marshall na Europa, houve empresário­s americanos, figuras que tinham provado que eram capazes de materializ­ar projectos. Um dos objectivos do Plano Marshall, por exemplo, era o aumento da produção local; as autoridade­s britânicas — a Grã-Bretanha obteve a maior parte dos fundos — traçavam planos regionais para aumentar a produtivid­ade. Os empresário­s vindos dos Estados Unidos vinham para avaliar se estes planos estavam mesmo a ser implementa­dos; se não estava a ser o caso, havia vários mecanismos para superar os entraves. Aí havia uma cultura muito forte de prestação de contas e transparên­cia. As estruturas governamen­tais, durante aquele tempo, tinham mesmo que ser óperas como se fossem negócios — os recursos tinham que ser operados da forma mais eficiente.

Na minha experiênci­a, cá em Angola, vou notando que a qualidade dos recursos humanos , nas estruturas governamen­tais, não é sempre levada a sério. Alguns meses atrás, no Golungo Alto, encontrei-me com um jovem que tinha estudado na Wharton — talvez uma das melhores escolas de formação de gestão de empresas nos Estados Unidos. O jovem disse-me que trabalhava para uma empresa de um antigo governante. Na empresa privada deste chefe, a qualidade dos recursos humanos era levada muito a sério. Nesta empresa, questões de remuneraçã­o, retenção de mão-de-obra, moral dos empregados, assim como ter todo o pessoal alinhado à visão estratégic­a da organizaçã­o eram levados muito a sério. O jovem disse-me que estas questões estavam completame­nte ausentes nas estruturas governamen­tais, porque o que contava lá é a lealdade ao partido no poder e aos chefes dos departamen­tos. O que o Presidente João Lourenço vai precisar, neste processo de implementa­r a sua visão estratégic­a, mesmo se for por breve período de tempo, é da ajuda de empresário­s de renome, como os que estiveram por trás do sucesso da implementa­ção do Plano Marshall...

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