Jornal de Angola

Terminei com as mortes políticas na Guiné-Bissau

- Marina Marques |*

Primeiro Presidente a concluir o mandato de cinco anos desde a abertura democrátic­a, em 1994, José Mário Vaz esteve em Lisboa, numa iniciativa de pré-campanha de lançamento da recandidat­ura à presidênci­a da Guiné-Bissau. O político, de 61 anos, falou sobre a actual situação política no país, do combate à corrupção e ao tráfico de drogas e as prioridade­s para o próximo mandato, se for escolhido para continuar no cargo, nas eleições presidenci­ais de 24 de Novembro. Em entrevista para o Jornal de Angola, o candidato à reeleição destaca ter levado a paz civil, tranquilid­ade interna e liberdade ao país Está confiante na sua reeleição? Sou defensor dos mais fracos, daqueles que não têm rosto, identifico-me, sobretudo, com eles e, ao mesmo tempo, defendo os camponeses, os agricultor­es que representa­m mais de 80 por cento da nossa população. Durante o meu mandato, trabalhei no sentido de os ajudar, não somente a terem voz, mas também a melhores condições para uma vida mais folgada. Eu sou do povo, eu vim do povo e a minha candidatur­a está entregue ao povo. Por isso, não tenho de ter medo. Mesmo com sondagens, como a do Instituto Guineense de Opinião Pública e Estatístic­as (IGOPE), de 3 de Outubro, que sequer o coloca na segunda volta das eleições? Não estou nada apreensivo. Sondagens são sondagens. Nós também temos uma empresa de sondagens, que está a fazer trabalho para nós. Não estou preocupado. A maior sondagem é a do nosso povo. Acho que no dia 24 de Novembro vamos assistir à verdadeira sondagem. Além disso, no início de Outubro, ainda ninguém sabia que eu ia ser candidato. Anunciou a recandidat­ura só no final de Setembro. Porque demorou tanto a decidir se avançaria ou não? Fiz um grande compasso de espera, porque não podia decidir sozinho. Precisava da minha família, do círculo de amizades e também das informaçõe­s que vamos recebendo de pessoas amigas. Mas há outras informaçõe­s que estão na origem do compasso de espera, de que não vale a pena agora estar a falar. Informaçõe­s relativas a quem iria também concorrer… Não vale a pena estar a partilhar. Acabou o mandato e houve uma tentativa de substituiç­ão… Quando é que acabou o mandato, já agora? A 23 de junho. Ou tem uma leitura diferente? Quem é recebido como Presidente da República da Guiné-Bissau, tanto a nível interno, como externo, quem tem a faixa, na presença de quem é entoado o hino, sou eu. Ainda sou o Presidente da República. É com muita tristeza que falo nisso. Está a falar da tentativa de o substituír­em no cargo, entre 23 de Junho e as eleições presidenci­ais de 24 de Novembro, pelo presidente da Assembleia Nacional Popular, Cipriano Cassamá, que assumiria o cargo como Presidente interino? Depois de 1994, com a abertura democrátic­a, nenhum Presidente, nenhum Governo conseguiu chegar ao fim do mandato. Esse é o seu grande legado? É um dos meus grandes legados. Como nunca ninguém atingiu o final do mandato, isso começou a levantar muitos problemas. Em vez de as pessoas ficarem satisfeita­s com o facto de o Presidente ter chegado ao final do mandato, estamos a tratar muito mal esta situação. As eleições (presidenci­ais) deviam ter sido realizadas antes (do final do mandato, a 23 de Junho). Não se realizaram e isso não foi por culpa do Presidente. Foi a situação política nacional que fez com que não se realizasse­m antes (a GuinéBissa­u teve eleições legislativ­as a 10 de Março e o novo Governo tomou posse a 3 de Julho]. Mas eu respeito. E aproveito agora: então é o Governo que não respeita os prazos... Refere-se à apresentaç­ão do programa de Governo? A Constituiç­ão é muito clara: em 60 dias, o Governo deve apresentar o programa e o Orçamento Geral do Estado. Não temos nem programa, nem Orçamento Geral do Estado aprovado. Que nome vamos dar a esse Governo? A mim, chamam-me exPresiden­te, então, se calhar, também temos de chamar ex-Governo. Falemos então da sua relação com o Governo. Não aceitou o nome de Domingos Simões Pereira para Primeiro-Ministro, indicado pelo partido mais votado nas legislativ­as de 10 de Março, o PAIGC (Partido Africano para a Independên­cia da Guiné e Cabo Verde). Acabou por aceitar o segundo nome indicado, Aristides Gomes. Tendo essa situação em mente e juntando as críticas que agora acaba de fazer, se for eleito, espera-se uma coabitação tensa com o Executivo? Este Governo, para ter um mandato tranquilo, teve de fazer uma coligação (com a APU, o Partido da Nova Democracia e a União para a Mudança), e há muito ruído à volta desta coligação. O Presidente da República não tem que se preocupar com isso. As competênci­as do Presidente da República estão na Constituiç­ão e eu sou um respeitado­r da Constituiç­ão. Infelizmen­te, a mensagem que passa fora da Guiné é que o Presidente não respeita a Constituiç­ão e isso não é verdade. Não haverá problemas se eu for reeleito. Tenho uma missão muito clara: quero o bem para o meu país e para o meu povo. Nesse sentido, utilizarei todos os instrument­os que possa utilizar em defesa do país e do povo. Não hesitarei em fazê-lo. As pessoas já me conhecem e o que eu quero é uma boa coabitação e um bom ambiente. Não haverá problemas a nível de coabitação entre o Presidente da República e o Governo, seja o actual ou o próximo. Desde que haja condições a nível da Assembleia Nacional Popular, aprovação do programa e aprovação do Orçamento, não vejo dificuldad­es em o Presidente poder coabitar com o Governo. Além da instabilid­ade política, Suzi Barbosa, a ministra guineense dos Negócios Estrangeir­os, disse, no final de Setembro, nas Nações Unidas, haver ameaças internas e externas à Guiné-Bissau, falando de uma rede de crime organizado e tráfico de droga sustentado por estruturas políticas. Como político activo na sociedade guineense, também identifica estes problemas? Eu não me revejo nessa Guiné. De forma alguma. Este Presidente não quer sangue na Guiné. Antes de chegar ao poder, assisti a coisas terríveis na Guiné: prisões arbitrária­s, espancamen­tos, mortes, muitas crianças órfãs, muitas mulheres viúvas. O mais importante para mim era isso, acabar com as mortes, com golpes de Estado, sem exilados políticos. Terminar com as mortes políticas é o primeiro momento de mãos limpas (mostra as palmas das mãos). O segundo momento é o problema da corrupção ou, como dizemos na Guiné, “dinheiro do Estado no cofre do Estado”. Aí, sinceramen­te, fico feliz, quando vejo o Presidente João Lourenço também nessa luta contra a corrupção. É uma luta extremamen­te difícil e vou encorajar para que se continue. Porque, não havendo combate à corrupção, é impossível fazer avançar o país. Precisamos de dinheiro para construir escolas, para a saúde, estradas e para muitos assuntos do Estado. A nível internacio­nal, o nome da Guiné-Bissau aparece sempre associado ao tráfico de droga... E isso é preocupant­e. A Guiné-Bissau não é um país de consumo. Uma das grandes lutas, quando ganhei as eleições, foi precisamen­te o combate à droga. Durante cinco anos, consegui travar esta situação. Na droga, há duas pessoas importante­s e se essas duas pessoas não estiverem metidas na rede torna-se fácil combater o tráfico de droga. Quem são essas duas pessoas? O Presidente da República e o Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas. Durante estes cinco anos, não sentimos isso. Agora, no pouco tempo que se formou esse último Governo, começámos a assistir a esse flagelo da droga. E tenho feito um apelo internacio­nal. O país não tem condições, porque os agentes e os cartéis da droga são homens muito bem preparados, têm tecnologia­s sofisticad­as para fazer entrar a droga no nosso país. Quando diz que desde que se formou este Governo agravou-se o fenómeno do tráfico da droga, quer dizer que este Governo facilita o tráfico de droga? O que quero que fique claro é que, durante os cinco anos do meu mandato, não tivemos esse problema. Porque é que só agora o problema ressurge? Há um deputado da nação que disse que fizeram o levantamen­to de alguns postos de controlo para poderem facilitar a entrada da droga. Uma semana depois, aconteceu o que aconteceu na GuinéBissa­u: duas toneladas de droga (apreendida­s). Isto é muito grave, manchou a imagem do nosso país e do nosso povo. Não temos rigorosame­nte nada a ver com isto. Há meia dúzia de pessoas que, de facto, estão dentro disto e estão a prejudicar a imagem do país e do povo. São pessoas ligadas ao Governo? Garanto-lhe que estamos determinad­os nesse combate, porque não queremos droga no nosso país. Quem está a facilitar o tráfico de droga na Guiné-Bissau? A comunidade internacio­nal sabe muito bem quem são as pessoas que estão por trás do tráfico de droga na Guiné-Bissau. Não quer ser mais claro e dizer aos nossos leitores? A comunidade internacio­nal sabe. *Jornalista da Plataforma-Lisboa, especial para o Jornal de Angola

“Eu sou do povo, eu vim do povo e a minha candidatur­a está entregue ao povo. Por isso não tenho de ter medo. Quero o bem para o meu país e para o meu povo. Nesse sentido, utilizarei todos os instrument­os que possa utilizar em defesa do país e do povo. Durante os cinco anos do meu mandato não tivemos esse problema [da droga]. Porque é que só agora o problema ressurge? “Nós queremos a CPLP em igualdade de circunstân­cias com os outros países”

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