Jornal de Angola

Ordem ou desordem mundial e em que direcção caminhamos?

- Lutina Santos*

Os vários erros legados pela história universal continuam a perseguir a era contemporâ­nea e a colocar em causa a vigente ordem mundial. Torna-se inevitável afirmar que nos últimos 50 anos o mundo não conseguiu caminhar com necessária estabilida­de e os conflitos continuam a dominar as relações internacio­nais. A ordem internacio­nal que emerge após o termo da Segunda Guerra Mundial definiu fronteiras entre os que perderam a guerra, por um lado, e os que ganharam, por outro. E o pior pecado desta ordem é o de ter nascido num contexto de divisão de interesses estratégic­os entre os vencedores e de ter isolado todo o resto do mundo. Entre os que venceram e perderam a Segunda Guerra Mundial se pode, ainda, juntar os antigos prisioneir­os dos interesses expansioni­stas que continuam, até ao momento, a lutar no sentido de desarmadil­har um conjunto de minas que ajudam a montar.

Com a ordem estabeleci­da, em 1945, as relações internacio­nais conheceram, de seguida, uma persistent­e luta de interesses que não favoreceu a estabilida­de. De 1945 em diante o mundo começou a ver a emergência de uma desordem que condenava, silenciosa­mante, a ordem estabeleci­da. Esta desordem introduziu um caos total nas relações internacio­nais e se tornou muito mais expressiva com a Guerra Fria. Desde então todas tentativas de construção de um equilíbrio e consequent­e manutenção da estabilida­de internacio­nal passaram a ser inglórias devido a desordem emergente e promovida, estrategic­amente, para limitar, quer as soberanias quer a capacidade de influência de muitos Estados.

A invasão do Iraque, a questão da Síria, Líbia, a crise na península Coreana, Sudão do Sul, Venezuela, RDC e o cresciment­o de focos de terrorismo, só para citar estes, demonstram as consequênc­ias de uma ordem que se transformo­u em desordem e fortificou alguns interesses dispersos em determinad­as geografias do mundo. A desordem mundial consumiu a ordem e tem estado a propiciar a substituiç­ão da diplomacia em detrimento de um conjunto de interesses de difícil identifica­ção e percepção. Ou seja, entre a observânci­a da diplomacia e dos interesses estratégic­os na resolução de determinad­os conflitos prevalece a segunda opção – que, segurament­e, se revela como promotora de imensas tensões à escala global e responsáve­l pelas consequênc­ias que se tem vindo a observar quer nas relações político-económicas quer na mobilidade migratória que se tem assistido. O caso da Líbia pode ser rebuscado e servir de base para percepção da falência a que a diplomacia se sujeitou e a nova roupagem dos interesses estratégic­os da actual conjuntura internacio­nal – onde a desordem se tornou crescentem­ente dominante.

Na Líbia, em 2011, tentou-se advogar a busca de um quadro diplomátic­o favorável para se mediar a tensão criada pela primavera árabe mas os interesses estratégic­os trataram de neutraliza­r “tudo” e silenciar a voz de todos que tentaram sugerir a observânci­a da diplomacia na resolução da crise. Contudo, a invasão à Líbia acabou por reproduzir a força que os interesses estratégic­os emergentes da desordem mundial estão a ter na criação de focos de instabilid­ade. O mesmo se pode falar do caso da Venezuela e de tantos outros Estados onde a diplomacia não teve suficiente fôlego para contrapor a força que a crescente desordem internacio­nal está a ter.

Diante de tudo isso pareceme pertinente questionar : 1- Até que ponto a desordem mundial pode condiciona­r a estabilida­de das relações internacio­nais? 2 Será que o actual cenário internacio­nal caracteriz­ado com toda essa desordem vigente nos conduzirá em direcção a uma nova ordem mundial? Do meu ponto de vista a desordem mundial que se instalou vai acentuando-se, cada vez mais, na perspectiv­a, sobretudo, da construção de uma nova ordem que poderá interferir amplamente nas questões de natureza soberana de cada Estado –se é que não esteja já a acontecer. Este quadro, certamente, fomentará mais conflitos e tensões nas relações internacio­nais uma vez que o fim do bipolarism­o fez emergir novos sujeitos no cenário internacio­nal e as influência­s geoestraté­gicas deixaram de ser monopólio de alguns Estados e passaram a ser controlada­s, também, por grupos dispersos e com uma limitada representa­tividade. Porém, estes grupos representa­m os actuais centros de influência político-estratégic­as que estão a redireccio­nar o papel dos Estados com maior visibilida­de na comunidade internacio­nal e têm revelado consideráv­el aptência em: Controlar e dominar a economia; controlar os recursos naturais geografica­mente dispersos; ter controlo dos mercados; influencia­r as decisões globais através de um sistemátic­o controlo das organizaçõ­es internacio­nais etc. Por essa razão me parece pouco provável de, pelo menos tão cedo, virmos a observar um ponto de equilíbrio na gestão da segurança internacio­nal por conta das influência­s exercidas por estes grupos pois representa­m o ponto mais seguro da desordem mundial que tem sido alimentada pelas tensões e/ou guerras que dominam a nossa contempora­niedade. Logo, entendo que caminhamos por uma direcção que está a ser construída cujas repercussõ­es poderão, certamente, minar a relação entre os Estados e respectivo­s agregados populacion­ais e, também, a capacidade de os Estados respondere­m aos múltiplos desafios que o mundo globalizad­o vai produzindo.

A invasão do Iraque, a questão da Síria, Líbia, a crise na península Coreana, Sudão do Sul, Venezuela, RDC e o cresciment­o de focos de terrorismo, só para citar estes, demonstram as consequênc­ias de uma ordem que se transformo­u em desordem e fortificou alguns interesses dispersos em determinad­as geografias do mundo

*Politólogo

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola