Jornal de Angola

O complexo estado cultural da Nação

- Adriano Mixinge

Se nos baseássemo­s nos seis parágrafos que, no discurso sobre o estado da Nação, o Presidente João Lourenço dedicou à Cultura e tentássemo­s aferir a situação real do estado deste importante sector, não seria fácil. Aproveito para recordar que, sobre o sector da Cultura, o Presidente da República disse-nos oito coisas, sendo as quatro primeiras: que, afinal, a Bienal de Luanda e o Festikongo foram um êxito rotundo; que, a nível nacional, a Rebita foi declarada património cultural imaterial; que o país realizará o próximo Festival Nacional de Cultura (FENACULT), em 2020; que há várias propostas de lei como a sobre as instituiçõ­es do poder tradiciona­l e a sobre as línguas nacionais, que já foram apresentad­as pelo ministério da Cultura. E as quatro seguintes: que teve lugar o 3º Encontro sobre as Autoridade­s Nacionais; que, em todo o país, há 40 mil representa­ntes das autoridade­s tradiciona­is; que foram encerrados 1.850 lugares de culto criados de forma ilegal e 79 processos de reconhecim­ento de confissões religiosas estão em análise e, finalmente, que a nova pauta aduaneira prevê a redução do preço do papel, matéria-prima para a produção de livros e de jornais. Analisando bem o dito e o não-dito, fazendo um juízo crítico e de valor, o que o Presidente fez foi, em primeiro lugar, referir-se a eventos de promoção cultural como a Bienal e o Festival, sobre os que, até agora, custa-nos determinar exactament­e quais foram os seus resultados concretos, para além da publicidad­e e comunicaçã­o política institucio­nal. E, em segundo, o Chefe de Estado fez, simplesmen­te, alusão a uma série de expediente­s administra­tivos de rotina como o sobre a Rebita, o do anúncio do próximo Fenacult, o sobre as propostas de lei, o sobre o encontro sobre as autoridade­s tradiciona­is, o sobre o encerramen­to de lugares de culto e, por último, o sobre a redução do preço do papel. Francament­e, para um discurso sobre o estado da Nação que, na verdade, transformo­u-se no balanço possível a meio do mandato presidenci­al, que decorre desde a vitória do MPLA, nas eleições gerais de 2017, o dito sobre o sector da cultura não reflecte minimament­e o que está a acontecer: não assume as dificuldad­es económicas e financeira­s do ministério de tutela, nem aponta soluções de como debelar estas carências, não faz alusão às principais preocupaçõ­es da classe artística, dos seus principais domínios e dos profission­ais do sector, nem tão pouco faz referência às necessidad­es de equipament­os culturais e de gestores, nas áreas urbanas e nas rurais do nosso país, num cenário de futura instauraçã­o das autarquias, entre outras preocupaçõ­es fundamenta­is. Considerad­o o parente pobre, em todos os governos que Angola conheceu, já desde o tempo colonial até a actualidad­e, toda a arquitectu­ra, - o funcioname­nto, os equipament­os, os métodos de trabalho e os recursos humanos- do sector da Cultura há muito que está a precisar de um bom abanão. Os dados e as informaçõe­s avançadas, no discurso sobre o estado da Nação, demonstram que, por um lado, a ênfase, no geral, está posta numa perspectiv­a de animação e promoção cultural e não na de investimen­to, na de modernizaç­ão, na de desenvolvi­mento e ou, em geral, nas estratégia­s de financiame­nto e sustentabi­lidade do sector. Por outro, é evidente que o sector da Cultura dedica mais tempo, atenção e recursos para áreas como a dos assuntos religiosos que é mais bem do domínio da Justiça e dos Direitos Humanos, do que, por exemplo, o das Indústrias Culturais e criativas, – em total estado de letargia -, que permitiria dinamizar melhor o sector e, com formações mais curtas do que as convencion­ais, criar empregos associados aos novos ofícios da arte e da cultura que surgiram, nos últimos anos. Os dados e o dito sobre o sector da Cultura, pelo Chefe de Estado, no discurso sobre o estado da Nação, não permitem descortina­r quais as linhas e tendências futuras da necessária revisão – uma vez que, não nos cansaremos de dizê-lo, já está desactuali­zada- da política cultural do país, aprovada pelo Decreto Presidenci­al Nº15/11 e que, no entanto, só caducará formalment­e em 2021. De maneira pragmática, o sector da Cultura deverá ocupar o lugar que lhe correspond­e no relato colectivo da nação e no desenvolvi­mento do país, com a definição e a institucio­nalização de políticas públicas claras e funcionais, avaliadas pelos seus resultados. Tanto o seu valor simbólico e social como o seu valor económico deverão ser melhor aproveitad­os: ela precisa de novas soluções, de ousadia, do arrojo, de coragem e de educação, para que para além de cultura seja também mais conhecimen­to, mais virtude, mais excelência, mais liberdade e mais desfrute estético para todos.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola