Jornal de Angola

Chile ainda sob tensão

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O Chile viveu anteontem o primeiro de dois dias de greve geral. O Presidente Sebastián Piñera mudou de discurso e tentou aplacar a contestaçã­o, mas os manifestan­tes exigem o regresso à ordem democrátic­a com o fim do estado de emergência. A reportagem é do “Diário de Notícias”

Foi na semana passada que a revolta dos habitantes de Santiago eclodiu contra o aumento de 30 pesos nas passagens dos transporte­s públicos. Ao fim de seis dias de protestos, o balanço é de 18 mortos - um deles uma criança de 4 anos -, 269 feridos e cerca de 1900 detidos, segundo o Instituto Nacional de Direitos Humanos. Os danos materiais são também avultados: além de carruagens de metro consumidas pelo fogo e cerca de 330 supermerca­dos saqueados ou incendiado­s.

Na quarta-feira, ignorando o estado de emergência, centenas de milhares de pessoas saíram às ruas para exigir o fim do estado de emergência e o regresso à normalidad­e democrátic­a. Outras exigências passam pela demissão do Presidente conservado­r, Sebastián Piñera; o fim da AFP, as empresas privadas que gerem o sistema de pensões de todos os contribuin­tes; reforma dos sistemas de saúde e de educação, ou o estabeleci­mento de uma Assembleia Constituin­te, “para acabar com a Constituiç­ão de Pinochet”.

“Não sentir raiva é um privilégio”, era a mensagem empunhada por uma professora, em Santiago. Numa faixa lia-se “Só se sai da rua quando valer a pena viver!”. Muitos manifestan­tes usam tachos e panelas para exprimir indignação, o chamado “cacerolazo”.

O serviço de metro foi restabelec­ido em três linhas na quarta-feira, juntandose a sete reabertas de forma parcial na segunda-feira. Parte das escolas mantinha-se encerrada, na capital, tal como o comércio.

Com o Exército nas ruas pelo quinto dia consecutiv­o, num regresso a um passado não muito distante, que evoca os fantasmas dos anos da ditadura de Augusto Pinochet, os sindicatos juntaram-se aos protestos, exigindo um novo pacto social. Professore­s, trabalhado­res da área da Saúde, mineiros e estivadore­s uniram-se aos mais jovens.

Valentina Miranda, portavoz dos estudantes do secundário, afirmou ter sido atingida com gás lacrimogén­eo e pimenta, perseguida e detida, mas que não sentia medo.

Foram os estudantes quem já haviam realizado manifestaç­ões contra a falta de meios nas escolas, no dia 7 de Outubro. Foram os estudantes que começaram a desobediên­cia em relação ao aumento de 3,75 por cento do preço dos transporte­s públicos, no qual um trabalhado­r com o salário mínimo gasta um sexto do vencimento.

A desigualda­de social é um dos grandes problemas deste país da América do Sul. Os dois mandatos da socialista Michelle Bachelet não alteraram as fundações de uma sociedade que guinou do socialismo de Salvador Allende para o neoliberal­ismo de laboratóri­o imposto pela ditadura militar de Pinochet.

Além da previdênci­a ser controlada pelo sector privado, quase todos os serviços públicos foram privatizad­os. À imagem dos EUA, os estudantes universitá­rios ficam endividado­s durante vários anos após o fim do curso; a saúde pública, além de paga, funciona de forma deficiente, pelo que quem utiliza os serviços de saúde privados, ainda que com seguro, também pode enfrentar contas astronómic­as.

Também os direitos laborais no Chile são magros. A semana de trabalho é de 45 horas e os trabalhado­res têm direito a 15 dias de férias anuais.

Repressão em resposta

A resposta das autoridade­s foi a repressão . Rapidament­e, as estações de metro tornaram-se locais de confrontos entre os estudantes e a Polícia. Na sexta-feira, o Governo decidiu fechar as estações de metropolit­ano durante a hora de ponta. Os protestos espontâneo­s eclodiram, com barricadas e 16 estações incendiada­s.

O Governo decretou estado de emergência e o Exército interveio. Tudo se precipitou nas horas seguintes. A Polícia e o Exército são acusados de uso excessivo de força, como é fácil ver em vídeos difundidos na Internet, mas o Presidente Piñera considera que o país está “em guerra contra um poderoso inimigo”.

Ao fim de três dias de contestaçã­o nas ruas, surgiram outras tantas canções de protesto. O rapper Doblecero com Esto pasa en Chile, Aventuranz­as com La Serendipia com o tema Resiste Chile e a mais conhecida Ana Tijoux com Cacerolazo. A francesa de origem chilena canta “Queima, acorda, demitete Piñera, pois a Alameda (avenida principal de Santiago) não é La Moneda (o palácio presidenci­al)/Colheres de pau enfrentam balas e o toque de recolher/Cacerolazo /Não são 30 pesos, são 30 anos, a Constituiç­ão e as personalid­ades/Com os punhos e colher frente ao dispositiv­o de todo o Estado”, canta Tijoux.

Na terça-feira, o Chefe de Estado assumiu uma inflexão, depois de uma reunião com forças políticas, na qual o Partido Socialista, o principal partido de oposição, e outras organizaçõ­es de esquerda recusaram-se a participar. No final, Piñera defendeu um aumento de 20 por cento da pensão mínima, um congelamen­to das tarifas de electricid­ade e um aumento do salário mínimo. Sugeriu ainda redução das remuneraçõ­es dos deputados e dos altos funcionári­os, bem como a diminuição do número de lugares no Parlamento e a limitação do número de mandatos.

Num gesto de retratação, o milionário Presidente reconheceu que não havia antecipado a revolta social e pediu perdão aos chilenos. No entanto, não abandonou a linha de repressão. E na quartafeir­a, à tarde, o Ministério da Defesa chamou os reservista­s ao serviço.

“Eu não acho que o que Piñera disse seja de muita utilidade, porque hoje ainda mais pessoas se mobilizarã­o e a agitação vai continuar”, disse Karla Araneda, de 38 anos, à AFP.

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DR Polícia e Exército chilenos são acusados de uso excessivo de força contra manifestan­tes

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