Jornal de Angola

A menopausa é um relógio despertado­r

- Catarina Pires |* *Jornalista do Diário de Notícias

Aos 87 anos, o ginecologi­sta Manuel Neves e Castro continua a fazer clínica. Foi um dos primeiros bolseiros da Gulbenkian e foi para os Estados Unidos estudar as hormonas. Trabalhou para o inventor da pílula e viu nascer a fertilizaç­ão “in vitro”. Quando chegou a Portugal, trazia terapias inovadoras. Fundou a Sociedade Portuguesa de Menopausa e foi por proposta sua que se instituiu o Dia Mundial da Menopausa, assinalado terça-feira. O português defende a medicina preventiva e as terapias hormonais que, diz, fazem milagres O Dia Mundial da Menopausa foi criado por proposta sua. Como é que isso aconteceu?

Fui dirigente da Sociedade Internacio­nal de Menopausa e à certa altura percebi que a sua única actividade era realizar um congresso por ano e não achei aquilo bem. Por outro lado, verifiquei que entre as sociedades dos vários países, havia umas mais activas que outras. Primeiro, propus a criação de um conselho das sociedades de menopausa afiliadas à Sociedade Internacio­nal, o que exigia que cada direcção tivesse um programa de acção e o executasse nos seus países. Depois propus a criação de um dia em que todas elas fossem obrigadas a falar de menopausa, para os médicos e para o público. A proposta foi aceite. Depois, a Organizaçã­o Mundial de Saúde reconheceu e hoje o dia celebra-se em todo o mundo.

Considerav­a que era necessário falar de menopausa?

Sim, porque havia pouca informação e, principalm­ente, desinforma­ção.

Em que sentido?

No sentido em que, durante muito tempo, a terapia hormonal significav­a na cabeça das pessoas risco de cancro e era preciso desmistifi­car isso. Segundo, porque os médicos não ensinavam às pessoas as regras fundamenta­is da medicina da qualidade de vida: exercício físico, alimentaçã­o correcta e controlo do stress. Porque é que o cancro está a aumentar? Todos temos células malignas em circulação, mas só alguns têm cancro. Porquê? Porque o nosso organismo tem um mecanismo de defesa – a imunidade – que cria anticorpos que matam as células estranhas ao organismo. Quando a imunidade baixa, esses anticorpos diminuem e nessa altura as células estranhas têm o poder de se desenvolve­r. O que baixa a imunidade? Uma vida sedentária, o stress e uma má alimentaçã­o. Oitenta por cento das causas de morte devem-se a estes erros.

Daí a importânci­a da prevenção.

A população está a envelhecer e é urgente tomar todas as medidas para evitar a doença e os custos sociais e económicos que implica. As doenças cardíacas, a osteoporos­e e o cancro podem ser prevenidos através das três regras que referi. As fracturas devidas à osteoporos­e, por exemplo, podem ser prevenidas com uma alimentaçã­o rica em cálcio e com suplemento­s de vitamina D, de que a maior parte das pessoas são carentes e não sabem. E se não têm vitamina D, os ossos começam a ficar fracos e a partir-se. Por isso, falar da menopausa também é tão importante. Costumo dizer que é quase como um relógio despertado­r, chega aos 50 e é como as passagens de nível: pare, escute e olhe. O que é que a mulher tem que fazer? Prevenir, comendo bem, fazendo exercício físico e controland­o a ansiedade, e vigiar, fazer mamografia, ver a densidade óssea, ver a pressão arterial, ver o peso. Há um determinad­o número de coisas que são factores de risco e surgem nessa altura por causa do bilhete de identidade e de uma modificaçã­o do ambiente hormonal em que a mulher vive. Agora, pergunta-me: mas todas as mulheres têm que fazer tratamento­s hormonais?

Pergunto...

Nem pensar! Primeiro, a regra de ouro em relação aos tratamento­s hormonais é que não são iniciados depois dos 60 anos, porque nessa altura já há factores de risco que podem ser agravados pela administra­ção hormonal. Segundo, só deve ser administra­da para alívio dos sintomas e melhoria da qualidade de vida. Que tipo de sintomas? Irritabili­dade, depressão, suores nocturnos, afrontamen­tos, diminuição da líbido, secura vaginal, etc. Quando temos esses sintomas, fazemos o tratamento e ao fazê-lo sabemos que iremos prevenir doenças cardíacas, doenças ósseas, Alzheimer, etc. Mas se a mulher não tem sintomas, não faz tratamento hormonal e faz a prevenção dessas doenças por outros métodos, que não os hormonais.

E quais são?

Os que referi acima. É uma questão de educação. A

A menopausa é um sinal de alarme para as mulheres passarem a tomar cuidado com o futuro

menopausa é um sinal de alarme para as mulheres saberem que chegou o momento de tomar cuidado com o futuro. O futuro vai depender daquilo que fizerem quando entram na menopausa. Não é aos 70 anos, quando está osteoporót­ica, que a pessoa vai reverter a osteoporos­e; é antes, entre os 40 e tal e os 50. Isso é importante por várias razões, para termos uma população idosa saudável e com qualidade de vida, que é um direito que todas as pessoas têm. Mas também é uma obrigação para com a sociedade em que estão inseridas, por forma a não a sobrecarre­gar com custos de saúde de doenças que podem ser prevenidas.

As terapêutic­as hormonais de substituiç­ão e a utilização de hormonas não são consensuai­s, mesmo entre os médicos. Porquê?

Não diga de substituiç­ão, esse é um erro induzido por razões comerciais, porque os laboratóri­os que fabricavam as hormonas usavam a expressão hormonal replacemen­t traduzido por hormonas de substituiç­ão, o que pressupunh­a que todas as mulheres tinham que fazer hormonas. Não é assim. Eu propus a nível internacio­nal, e hoje isso é aceite, falar apenas em terapêutic­as hormonais da menopausa, o que quer dizer que são terapêutic­as usadas quando necessário.

Mas porque é que uns defendem o uso de hormonas e outros não?

A polémica é entre os médicos que sabem do que estão a falar e os que não sabem. Isto não pode ser uma questão do género se é do Sporting ou do Benfica. Não é uma questão de opção, é uma questão de conhecimen­to, estudo, prática e investigaç­ão.

Eu, durante muitos anos, fui médico do quadro do IPO e tinha uma colega, distinta ginecologi­sta, que, quando chegou a altura, aconselhei a fazer tratamento. Ela respondeu que nem pensar. Como era previsto, primeiro foi uma fractura do pulso, depois uma fractura do colo do fémur e depois começou a envelhecer por aí abaixo, com todas as consequênc­ias de nunca ter feito qualquer tratamento preventivo, fosse hormonal ou não. De maneira que é um disparate completo, que resulta de desinforma­ção e desconheci­mento. Trata-se simplesmen­te de medir prós e contras. Na prática, o que temos que fazer é determinar quais são os factores de risco da paciente que temos à frente. Tem factores de risco para cancro da mama? Não damos. Não tem? Damos, para prevenir doenças cardíacas e ósseas.

O balanço entre os prós e os contras pende muito para os prós, excepto se houver contra-indicações.

Defende uma abordagem holística da menopausa e dos problemas que lhe estão associados. Nesta abordagem, estão incluídas as chamadas terapias alternativ­as? Em mulheres que não possam fazer terapêutic­a hormonal, que tipo de resposta pode ser dada?

Holístico é um termo que uso na minha clínica, porque é fundamenta­l tratar a pessoa que tem a doença, não a doença, e a pessoa está inserida numa sociedade, numa família e no seu próprio corpo. Quando adoptamos uma perspectiv­a holística, consideram­os que todos estes factores afectam a mulher e podem ser positivos ou negativos. Por exemplo, uma mulher chega ao meu consultóri­o cheia de afrontamen­tos, eu quero saber como é que o marido reage a isso e como é que no emprego reage às crises de irritabili­dade dela, como é que os filhos, a família, as amigas, lidam com o problema. Não me interessa o medicament­o que vou dar, interessa-me a medicina da qualidade de vida e esta é holística e tem que ter em consideraç­ão todos esses aspectos. Eu não trato menopausas, trato mulheres. Um célebre cirurgião inglês William Hosler dizia que tão importante é conhecer a doença como a mulher que a tem. O que acontece muitas vezes é que muitos médicos não têm tempo para conhecer a pessoa e despacham. Eu não consigo fazer uma consulta em dez minutos.

Ainda não me respondeu sobre as terapias alternativ­as para a menopausa.

Pois. Por exemplo, afrontamen­tos e calores estão muito relacionad­os com os níveis hormonais, mas, como diz e muito bem, há contra-indicações na terapia hormonal e há tratamento­s, desde a acupunctur­a, o exercício físico, a psicoterap­ia e agentes psicotrópi­cos, os chamados anti-depressivo­s e ansiolític­os, que são eficazes.

A menopausa é uma fase da vida que algumas mulheres encaram como uma libertação e outras encaram como o fim. Onde está o meio termo?

As que acham que é uma libertação, porque se livram da menstruaçã­o e já podem ter uma vida sexual sem receio de engravidar, têm razão. As que pensam o contrário, porque sentem que perderam a juventude, que a menstruaçã­o era um símbolo e sentem-se assexuadas, sentem que deixaram de interessar ao marido e aos homens, deixam de sentir isso quando começam a tratar a sintomatol­ogia da menopausa, física e psicológic­a. Os tratamento­s fazem milagres.

Uma coisa de que muitas vezes também não se fala é de menstruaçã­o, que durante anos é um suplício para muitas mulheres - irritabili­dade, dores, depressão, ansiedade - e parece que não há grande resposta para isso.

Há, então não há? Por exemplo, a tensão pré-menstrual, que é uma coisa que aflige e seriamente várias mulheres, tem tratamento, nas calmas: uma suplementa­ção de progestero­na com um ansiolític­o pré-menstrual e adeus tensão pré-menstrual. As dores menstruais têm solução, porque a maioria das mulheres que as têm, têmnas por causa de uma coisa chamada endometrio­se, que se trata. A pílula como tratamento desta sintomatol­ogia também é eficaz.

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GERARDO SANTOS | GLOBAL IMAGENS

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