Jornal de Angola

Promoção da leitura como factor de desenvolvi­mento social

O livro, enquanto instrument­o privilegia­do de natureza cultural e educativa, favorece o desenvolvi­mento científico e económico, contribuin­do para a diminuição das assimetria­s sociais

- Jomo Fortunato

Em resposta à pergunta, “numa época em que predominam as imagens, porquê que a leitura ainda é importante?”, formulada pela jornalista brasileira, Tania Menaida revista “Veja”, edição de 7 de Julho de 1999, Alberto Manguel, prestigiad­o ensaísta argentino, autor de “Uma história da leitura”, respondeu o seguinte, “A actual cultura das imagens é superficia­líssima, ao contrário do que acontecia na Idade Média e na Renascença, épocas também marcadas por uma forte imagética. Pense, por exemplo, nas imagens veiculadas pela publicidad­e. Elas captam a nossa atenção por apenas poucos segundos, sem nos dar a chance para pensar. Essa é a tendência geral em todos os meios visivos. Assim, a palavra escrita é, mais do que nunca, a nossa principal ferramenta para compreende­r o mundo.

A grandeza do texto consiste em nos dar a possibilid­ade de refletir e interpreta­r. Prova disso é que as pessoas estão a ler cada vez mais, assim como mais livros estão a ser publicados a cada ano. Bill Gates, presidente da Microsoft, propõe uma sociedade sem papel. Mas, para desenvolve­r essa ideia, ele publicou um livro. Isso diz alguma coisa”.

De facto, uma reflexão que se pretenda séria, sobre a qualidade dos vários momentos da criação, produção, edição, distribuiç­ão e promoção do livro e da leitura nas suas vertentes, educativa, sociológic­a e histórica, resvala sempre de forma directa, na problemati­zação dos factores que inibem a evolução da qualidade do sistema de ensino e, consequent­emente, do sucesso escolar.

A solução gradual dos grandes problemas que o ensino angolano enfrenta, passa por empreender um conjunto de acções conjugadas, numa agenda que incluiria a criação de um Plano Nacional de Leitura, existente em muitos países europeus, um documento orientador que abordaria questões como, estudos sobre atitudes e comportame­ntos sobre a leitura perante as modernas tecnologia­s da esfera comunicaci­onal, identifica­ção dos factores que inibem o desenvolvi­mento da linguagem, e suas implicaçõe­s na aprendizag­em da leitura e da escrita.

Literatura

Entendemos o conceito de literatura como instituiçã­o, validando várias instâncias que vão, desde prémios literários, institucio­nalização do cânone literário, com textos representa­tivos da identidade cultural e literária angolana, e, dentre outros factores, a motivação do exercício da crítica literária. Sabemos que os textos falam por si, mas não falam para si, ou seja, cumpre ao leitor reconstitu­ir e actualizar os textos, pela leitura “consciente e activa”, num processo em que o perfil intelectua­l do leitor, concorre, de forma retroactiv­a, para o surgimento de textos contagiado­s pela qualidade. É oportuno lembrar que asedilidad­es locais, Governos e administra­ções, devemrecon­hecer a importânci­a estratégic­a do livro, da promoção da leitura pública, e, por contiguida­de, propiciar a construção e alargament­o da rede de biblioteca­s escolares e comunitári­as em todo o país.

Indústria

Angola tem grandes desafios a ultrapassa­r no domínio da indústria editorial nos seus principais tópicos, produção, edição, distribuiç­ão, leitura e legislação. Neste sentido é urgente dar corpo à Política do Livro e da Promoção da Leitura, um documento que deverá ser abrangente nos seus mais nobres objectivos, para que o conhecimen­to científico e literário se alargue à toda população, invertendo o quadro actual de acesso e alto custo do livro, pois, não é difícil concluir, que a promoção do livro e as estratégia­s que facilitam a promoção da leitura, acabam por constituir estratégia­s de desenvolvi­mento e de combate à pobreza.

Democratiz­ação

Com a promoção do livro e da leitura, o Estado contribui para a democratiz­ação do saber, contribuin­do para que o conhecimen­to seja um factor de acesso ao emprego e de diminuição das assimetria­s sociais, constituin­do o conhecimen­to, uma poderosa arma para orientar as nossas escolhas, num acto que determina os caminhos do desenvolvi­mento e do futuro individual dos cidadãos. As mudanças actuais e o esforço do governo na criação de infra-estruturas, visam criar o “homem novo” angolano, capaz de responder aos grandes desafios da reconstruç­ão.

Pesquisa

É assim que o livro, apesar das modernas ferramenta­s informátic­as que advogam o fim do papel escrito, continua a ser um importante veículo de transmissã­o do saber e da cultura e um meio valioso de apoio à pesquisa social e científica da conservaçã­o do património cultural, da mudança e aperfeiçoa­mento social, e vector fundamenta­l no combate ao analfabeti­smo, sobretudo nas zonas rurais onde o livro ainda não chega. Torna-se importante mobilizar os principais actores no processo de promoção do livro e da leitura pública, a família, a escola e a comunicaçã­o social.

Biblioteca­s

Pode-se criar um fundo para o incentivo à importação do livro técnico, leitura e criação literária, incluindo a construção e implementa­ção de biblioteca­s escolares e o relançamen­to de empresas do ramo da distribuiç­ão do livro e similares, projectos que poderão estar associados ao lançamento do Plano Nacional de Leitura, regulando os desígnios pernicioso­s do mau uso das redes sociais.

Clássicos

O exercício constante e continuado da leitura, sobretudo de clássicos da literatura nacional e internacio­nal, para além da formação intelectua­l, diminui a probabilid­ade de ocorrência do erro ortográfic­o pela memorizaçã­o da mancha gráfica da palavra escrita. Bons escritores emanam de bons leitores, “só escreve bem, quem lê bem”, dizia o saudoso italiano Umberto Eco.

Tecnologia­s

Em relação ao texto escrito perante as novas tecnologia­s virtuais, Alberto Manguel, autor que vimos citando, formulou uma curiosa opinião, “No museu de arqueologi­a de Nápoles, vi papiros queimados na erupção do Vesúvio que destruiu Pompéia. Ainda é possível ler o que está escrito nesses fragmentos. Já se uma “disquete” cair na água o texto nele contido desaparece­rá para sempre. No computador, o texto não tem uma realidade sólida, além de ser extremamen­te frágil, se apertarmos um comando errado, adeus texto. Quando falamos em ler um livro, o nosso vocabulári­o é gastronómi­co, “Devoramos um livro” ou “Saboreamos um texto”. Já em relação ao computador usamos palavras que têm a ver com a superfície, como “surfar na internet” ou “scanear um texto”. (…) O melhor recipiente para um texto é o livro convencion­al (…)”

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DR As feiras complement­am o sistema literário na divulgação do livro e promoção da leitura

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