Usuários de bens autorais já podem ser sancionados a partir de Novembro
Com a entrada em vigor, a partir de Novembro, do Regulamento de Fiscalização dos Direitos de Autor e Conexos, quem é detentor de restaurante, hotel, discoteca, editora ou produtor de eventos, cada vez que fizer a exibição pública de um bem autoral, deve pagar os direitos, que devem ser cobrados pela UNACSA ou SADIA, sentencia o director nacional dos Direitos de Autor e Conexos do Ministério da Cultura, Barros Licença
A edição do Jornal de Angola de 3 de Fevereiro de 2018 trazia uma matéria cujo título enfatizava a boa-nova de que a cobrança dos direitos de autor seria concretizada a breve trecho, não sendo mais do que uma questão de dias. Na condição de secretáriogeral da UNAC, que tanto se debatia por esta causa, Massano Júnior apontava que o problema, depois de discutido com o Ministério da Cultura, estava no Instituto de Preços e Concorrência (IPREC), à época dirigido por António da Cruz Lima.
Tratava-se da publicação em Diário da República do tão esperado Tarifário de Valores Mínimos da Cobrança dos Direitos de Autor e Conexos. Cruz Lima garantia que tudo faria para ter já resolvida a questão. Nessa época, a SADIA estava “fora de jogo”, porque lhe tinha sido retirada a licença por alegada falta de “adequação dos seus estatutos”. A UNAC esperava ansiosa, expectante em fazer cumprir o direito dos associados. Passado pouco menos de três meses, o documento viu a luz do dia. Porém, nem a UNAC nem a SADIA estavam autorizadas a fazer cobranças.
A SADIA vivia o mesmo problema e a UNAC viu as aspirações “presas” numa providência cautelar, no decurso das eleições ao cadeirão máximo.
Neste intervalo de tempo, a Direcção Nacional dos Direitos de Autor, encabeçada por Barros Licença, foi impondo reformas, independentemente da situação legal das duas sociedades de autores, SADIA e UNAC.
Entretanto, esse acto de previdência não agradou a todos, entre eles Belmiro Carlos, que tanto se engajou para que a UNAC se tornasse numa sociedade de autores (UNAC-SA). Para o então secretário-geral desta instituição, o Ministério da Cultura é, no fim das contas, o principal responsável pelo estado de coisas que se vive no âmbito da actividade cultural no país e os artistas são os principais prejudicados.
“Como é que pode estar tudo resolvido a nível dos direitos de autor em Angola, se não existe uma entidade de gestão colectiva funcional? Quem me pode justificar por que é que levaram o Presidente da República a assinar a criação de um instituto para a gestão dos direitos de autor em Angola? Como é que o ministério não faz uso da tutela de mérito administrativo e deixa uma entidade de gestão colectiva à deriva e ainda por cima lá vai injectando dinheiro dos contribuintes?”, indagou Belmiro Carlos, líder da lista B às eleições na UNAC-SA.
Afinal, a UNAC nunca esteve parada. Quem garante é Carlos Lamartine, membro da comissão directiva. “Eu estou aqui, juntamente com outros membros da comissão, que regularmente nos apresentamos para o funcionamento decisório da casa. A UNAC não vai parar. A organização foi vítima de uma providência cautelar que foi imposta por um dos concorrentes. Faz isso mais de um ano”, defende.
Lamartine previa que, no caso, por exemplo, da providência cautelar sair num certo dia estão preparados para realizar as eleições no curto espaço de um mês. No entender do interlocutor, a UNAC tem estado a “sofrer um bloqueio por parte do Ministério da Cultura”, por este órgão alegar “não haver condições para ser atribuída à UNAC a licença dos direitos autorais”. Com alguma ponderação, Lamartine reconhece, contudo, ser de facto preciso que a UNAC resolva a questão das eleições, para, deste modo, recuperar a licença que lhe permite fazer as cobranças em nome dos associados. A esta crónica de acontecimentos agrega-se que a providência cautelar foi dada como improcedente e a UNAC-SA já avança para 23 de Novembro as tão esperadas eleições.
Enquanto à UNAC resta apenas lamentar e esperar, a SADIA, representada pelo presidente, o escritor e jurista Lopito Feijóo, conseguiu “arrumar a casa”, tanto que já chegou a receber, no pretérito dia 6 de Setembro, a licença que a autoriza a fazer cobrança.
“Chegamos à luz”, diz Barros Licença
À data da entrevista, em Agosto último, o director nacional dos Direitos de Autor e Conexos do Ministério da Cultura, Barros Licença, garantiu que a questão da aprovação do Tarifário de Valores Mínimos de Cobrança de Direitos de Autor e Conexos era suficiente para fazer concluir que a tarefa do Ministério da Cultura, enquanto órgão fiscalizador, já estava bem avançada e que cabia aos privados (UNAC e SADIA) implementá-la.
“Não basta constituíremse sociedade, é preciso que sejam legitimadas para o efeito por via do registo. E é a partir desse registo que se emite um certificado, que é, no fundo, uma espécie de alvará”, precisou.
Por outro lado, num olhar minucioso sobre possíveis avanços e recuos nesta área, reconhece que a publicação do tarifário não significa, por si só, a regularização total do sistema de cobrança dos direitos de autor e conexos, sendo ainda preciso que as entidades de gestão visadas ajustem os estatutos aos ditames da legislação existente e continuem a afinar a máquina organizativa.
Quanto aos moldes de cobrança, Barros Licença esclarece que, por ser um direito privado, podem existir várias entidades de gestão colectiva, atendendo ao princípio da especialidade. Porém, adverte, só deve haver uma entidade para cobrança e distribuição, que será constituída com a representação de cada membro das várias entidades de gestão.
“Isto é direito privado e o Estado, enquanto garante do desenvolvimento harmonioso, faz apenas uma intervenção minimalista, para fiscalizar o rigor e a transparência na gestão destes direitos”, elucida.
Assim, Licença sustenta que, na verdade, não foram só os privados que precisavam de se organizar melhor, mas também o próprio Estado. Esse propósito tem sido levado a cabo com maior atenção, sobretudo a partir de 2016, altura em que se deu prioridade à promoção e aprovação de diplomas regulamentares, complementares à própria Lei 15 (Lei dos Direitos de Autor e Conexos), no sentido de a tornar operacional, resultando nos diplomas sobre a fiscalização e os selos de autenticidade de obras intelectuais. Trata-se do Regulamento de Fiscalização dos Direitos de Autor e Conexos e do Regulamento sobre a Autenticação de Obras Artísticas e Científicas.
“Na prática, esses dois decretos vão permitir materializar a Lei 15, segundo a qual quem violar os direitos de autor é passível de uma multa, mas não estipula nada sobre a multa. Agora, este valor da multa já vem neste regulamento. Este regulamento de fiscalização dos direitos de autor vai permitir que os órgãos de fiscalização, quando forem para o terreno e constatarem violações, apliquem as multas consoante a gravidade. Também poder-se-ão instruir processos para eventualmente serem encaminhados ao tribunal”, explica.
Se antes já se assistiram a casos desta natureza e como foram conduzidos, Licença responde que sim. “Casos existiram, mas não foram tratados, porque não se tinha a base legal para o fazer. Agora, sim. E mesmo após à publicação, temos um período de 45 a 90 dias para entrar em vigor. Isso dá até Outubro. Agora, sim, já chegamos à luz. As condições estão criadas para passarmos à acção ”, acentua.
Nesse caso, quem é detentor de restaurante, hotel, discoteca, editora ou produtor de eventos, cada vez que fizer uma exibição pública de um bem autoral, deve pagar os direitos, que devem ser cobrados pela UNAC ou SADIA. Desde a aprovação e consequente divulgação do tarifário que a medida se tornou válida. Já os recintos e os agentes culturais para espectáculos deverão ser licenciados.
“A sensibilização vai continuar, mas a responsabilização é que começa já depois de Outubro. Faremos, sim, visitas pedagógicas, apelando a que os agentes formalizem as suas actividades”, avisou. Para o futuro imediato, Licença recomenda a criação, para a salvaguarda da paz social, de uma terceira entidade para cobrança, para depois distribuir pelas sociedades de especificidade.
Quanto às reformas implementadas, Licença advoga a necessidade que implicou a transformação de um serviço executivo, o Órgão de Gestão do Sistema Nacional dos Direitos de Autor e Conexos, que deu lugar ao Serviço Nacional dos Direitos de Autor e Conexos.
“Não foi apenas a denominação que mudou, mas a natureza do serviço, sendo hoje um instituto público. A simples razão é a de que este modelo oferece uma maior aproximação dos serviços ao cidadão, para ser estruturado até ao nível dos municípios. De forma gradual, a meta é termos isto implantado em todas as províncias num prazo de cinco anos”, defendeu.