Jornal de Angola

Crise artificial na Guiné-Bissau

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A alteração da ordem política e constituci­onal na Guiné-Bissau, com a nomeação de um Governo ilegal por parte do Presidente da República, a menos de 20 dias para a realização das eleições presidenci­ais, representa um retrocesso que a comunidade internacio­nal, a União Africana, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) precisam de inverter para salvaguard­ar tudo o que esteja em jogo. Na verdade, trata-se de um golpe de força, de iniciativa do Presidente José Mário Vaz, cujas acções marcadamen­te contra o Governo saído das eleições legislativ­as de 10 de Março, têm-se reflectido nas relações propositad­amente dificultad­as pelo Chefe de Estado. A começar pelo não cumpriment­o da Constituiç­ão, que impõe a nomeação do Primeiro-Ministro em função dos resultados eleitorais e depois de ouvir os partidos representa­dos na Assembleia Nacional Popular, o Presidente José Mário Vaz geriu sempre a contragost­o a coabitação com um Governo liderado pelo PAIGC.

Para o Presidente da Guiné-Bissau o respeito pela vontade popular não faz parte do seu dicionário político, razão pela qual não constituía qualquer atropelo aos princípios democrátic­os nomear uma figura de sua iniciativa para o cargo de Primeiro-Ministro. A CEDEAO, ao mediar o impasse gerado com a situação que inviabiliz­ava a nomeação de um primeiro-ministro de acordo com os resultados eleitorais e tal como indicado pelo partido que venceu as eleições legislativ­as, acabou por ser condescend­ente para bem da estabiliza­ção e pacificaçã­o da Guiné-Bissau. Como se não bastasse a cedência feita e partindo do princípio de que a mesma serviria para “acalmar” os desgostos da insustentá­vel coabitação com o Governo, o Presidente foi mais longe ao evocar indiscipli­na como uma das causas para a nomeação de um novo Primeiro-Ministro a menos de 20 dias para a realização das eleições presidenci­ais.

Desrespeit­ando os compromiss­os assumidos em Abuja, Nigéria, que estatui que “o Governo participar­á na preparação das eleições presidenci­ais a realizar em 24 de Novembro de 2019”, contrarian­do, tudo e todos o Presidente nomeou e deu posse, há dias, a Faustino Imbali como Primeiro-Ministro que, por sua vez, formou um executivo ilegal à luz da Constituiç­ão, à revelia do actual contexto de paz, reconcilia­ção e democratiz­ação do país.

Tudo quanto a Guiné-Bissau não precisa é de crises políticas artificiai­s, de tentativas, por parte dos actores políticos, de manobras para inviabiliz­ar o processo de normalizaç­ão democrátic­a da pátria de Amílcar Cabral.

Foi oportuna a forma como reagiu a União Africana, a CEDEAO e, de alguma forma, a CPLP, quando, procurando falar em, a uma só voz, pretendem que fique claro para o Presidente José Mário Vaz a importânci­a do respeito pela Constituiç­ão e os compromiss­os assumidos por todos os intervenie­ntes no actual processo em curso no país. Todos os meios e recursos devem ser empregues para impedir que a Guiné-Bissau seja refém de interesses de um grupo que, volta e meia, inventa crises artificiai­s para alimentar uma agenda de retrocesso, de “desdemocra­tização” e de falência das instituiçõ­es. Essa crise política artificial na Guiné-Bissau, da autoria e responsabi­lidade do Presidente da República, precisa, e deve ser, desconstru­ída através de acções concertada­s dos parceiros daquele país, que recusam testemunha­r o regresso do país à condição de Estado falhado.

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