Jornal de Angola

O dia em que a queda de um muro alterou o rumo da História

Até à queda do muro, em Novembro de 1989, o regime Oriental (RDA) tentou tudo para conseguir dissuadir os que pensavam abandonar. Primeiro, com publicidad­e, filmes, posters, artigos de jornal. Depois, vieram o arame farpado, as torres de vigia, as minas e

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A queda do Muro de Berlim, faz este mês 30 anos, mudou a ordem mundial em vigor desde o final da Segunda Grande Guerra, mas aconteceu por acaso e graças a uma multidão de anónimos.

“Ninguém estava à espera que o Muro de Berlim caísse naquele dia”, afirmou à Lusa o professor do Instituto de Estudos Políticos da Universida­de Católica Miguel Monjardino, defendendo que o episódio que tanto marcou a História contemporâ­nea chama a atenção “para o papel do acaso nos acontecime­ntos” e para “o papel das pessoas anónimas”.

No dia 9 de Novembro de 1989, pelo início da noite em Berlim, o porta-voz do partido comunista da Alemanha do Leste, Günter Schabowski, passou no gabinete do dirigente Egon Kenz - que estava há pouco mais de um mês na liderança da RDA - para saber se havia novidades. Havia.

A “lei da mobilidade” visava abrir as portas da Alemanha do Leste ao Ocidente, mas de forma moderada e muito restrita, para que, segundo o analista político, a Alemanha ajudasse a Rússia, do ponto de vista financeiro e tecnológic­o, a modernizar-se.

“Egon Kenz dá-lhe duas folhas com as novas regras para os alemães do Leste poderem vir à Europa, mas o Schabowski não sabia bem o que estava ali”, contou Miguel Monjardino, lembrando que a conferênci­a de imprensa foi longa e cansativa e, mesmo no fim, um jornalista perguntou quando é que a lei da mobilidade entrava em vigor.

“Schabowski não sabia, mas como estava exausto e confuso, deu aquela célebre resposta: 'imediatame­nte'”. Um acaso que o analista político considera ter sido o gatilho que mudou tudo.

“Imagine que o Schabowski não tinha passado no gabinete de Kenz naquela noite. O mais natural é que o Muro de Berlim não tivesse caído nesse dia e, se calhar, nem na semana seguinte. Portanto, foi uma sucessão de acontecime­ntos perfeitame­nte surpreende­nte que precipitou as coisas”, defendeu.

Nesse dia, o muro caiu. “As pessoas aproximara­mse, os guardas não tinham instruções e, na dúvida, olhe, pronto, foi”, resumiu.

“Foi a pior noite da minha vida”, disse Egon Krenz no ano passado, em entrevista à BBC. Actualment­e com 83 anos, o ex-líder da RDA garante que entende o conceito de “celebração” criado pelo Ocidente, mas lembra que o episódio podia ter acabado muito mal.

“Num momento tão carregado de emoção como aquele, se alguém tivesse sido morto naquela noite, poderíamos ter sido engolidos por um conflito militar entre grandes potências”, referiu.

O facto de a queda do Muro de Berlim, que dividia a cidade, o país, mas também a Europa e mesmo o mundo - ter acontecido de forma pacífica é também um ponto referido à Lusa por Patrícia Daehnhardt, investigad­ora do Instituto Português de Relações Internacio­nais (IPRI).

“Este elemento de transição de uma ordem internacio­nal através de meios pacíficos, não bélicos, foi talvez aquele que represento­u a maior mudança”, defendeu.

Para esta especialis­ta, a mudança não foi tão inesperada assim. Apesar da surpresa causada pela resposta, Günter Schabowski, durante a conferênci­a de imprensa de 9 de novembro, “em fins de Junho, Julho e Agosto (...) já estávamos perante mudanças significat­ivas na RDA, na

Checoslová­quia, na Hungria e na Polónia”.

“Acho que o Verão de 1989 foi quente no sentido de que em vários pontos da Europa de Leste as coisas estavam a ferver, as pessoas estavam a ir para a rua, estavam a reclamar para si o direito de autodeterm­inação”, considera a investigad­ora.

Para Patrícia Daehnhardt, a verdadeira surpresa “foi a forma como o processo político-diplomátic­o para a unificação depois decorreu, porque, em menos de 12 meses, deu-se a unificação efectiva de dois Estados até então divididos”.

A queda do Muro de Berlim abriu “um ciclo extraordin­ário de concertaçã­o diplomátic­a entre o Presidente dos EUA, George Bush (pai), Mickail Gorbatchov, secretário-geral do partido comunista da URSS, e Helmut Kohl, chanceler alemão”, reforçou Carlos Gaspar, membro da direcção do IPRI.

Uma concertaçã­o que só foi possível “pelo facto de a URSS estar numa fase de retraiment­o e de reforma interna e de haver uma forte preponderâ­ncia política, diplomátic­a e mesmo militar dos EUA naquela conjuntura”, explica.

O professor do Instituto de Estudos Políticos da Universida­de Católica Miguel Monjardino defendeu que o episódio que tanto marcou a História contemporâ­nea chama a atenção “para o papel do acaso nos acontecime­ntos” e para “o papel das pessoas anónimas”

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