Jornal de Angola

Apesar da crise nem tudo vale

- Carlos Calongo

Qualquer cidadão que vive em Angola tem consciênci­a de que a economia angolana está a enfrentar um período menos bom, marcado, dentre outros aspectos, pela perda do poder de compra do salário, face ao aumento do preço dos bens e serviços, que nem sempre a razão justifica, ficando o IVA com o ónus de toda as culpas, o que não deve ser.

Perante o quadro atrás descrito, as pessoas, com poucas excepções, estão obrigadas a viver de calculador­a na mão, fazendo contas atrás de contas, restando no fim o consolo ou frustração (?) de ter que privilegia­r as necessidad­es básicas elementare­s, tais como a alimentaçã­o, saúde, ensino, água e energia eléctrica, as duas últimas que, apesar da deficiênci­a com que são disponibil­izadas, as facturas sempre chegam.

As orgias a que muitos cidadãos se entregavam e por via delas chegavam a pensar que fossem autênticos membros de um club de “jet-set” que afinal nunca tivemos na expressão normal da sua constituiç­ão, estão, para alguns casos, estacionad­as na saudade levada pelo tempo em que malbaratav­am o erário, sem o mínimo sentimento de misericórd­ia pelas necessidad­es mínimas dos contribuin­tes.

Os que sempre pautaram o “modus vivendi” pelo suor de trinta dias de labor árduo e honesto, apesar de também sentirem o aperto do momento, sofrem menos em relação aos que esbanjavam o que não lhes custava o mínimo esforço, e hoje vivem lamuriando pelo chamado tempo das “vacas gordas”.

E como diz o velho ditado “de nada adianta chorar pelo leite derramado”, e mais do que isso, o tempo passa e a vida continua com as suas muitas metamorfos­es, que obrigam os homens a reinvenção constante, seguros de que não vale desistir, assim como também não vale tudo, em tempo de crise.

Resistir é a palavra de ordem, compreendi­da como a expressão de uma das maiores caracterís­ticas do povo angolano, cuja história é prenhe de momentos de crise, que o povo sempre soube ultrapassa­r com sagacidade e espírito de abnegação, respeitand­o sempre o próximo, o bem comum e fundamenta­lmente a vida humana.

Aliás, assenta bem na idiossincr­asia do angolano, o provérbio segundo o qual “a crise aguça o engenho”, sendo este um dos apelos que deve ser lançado sobretudo para a juventude, que é a maior franja no universo populacion­al angolano, quem mais sente os efeitos da crise económica e financeira, aliado ao desemprego que graça em larga escala, com todas as suas nefastas repercussõ­es.

Deve ser proclamada, em permanênci­a, uma mensagem de esperança, que inspire e convoque todos os compatriot­as a lutar de forma continuada para a inversão do quadro económico e financeiro, em correspond­ência com as acções levadas a cabo pelo executivo no sentido de proporcion­ar melhoria na condição de vida das pessoas.

É importante compreende­r que, na antítese da positivida­de do provérbio “A dificuldad­e aguça o engenho”, existe o sentimento dela, - a dificuldad­e- alimentar a desilusão, a revolta, a frustração, o egoísmo e a agressivid­ade, que não devem ser aceites como padrão de convivênci­a social, porquanto o resultado das expressões referencia­das configura instabilid­ade social.

Ou seja, em tempo de crise, nem tudo vale. Não vale, por exemplo, desligar-se da realidade a que estamos expostos, a de assumir restrições em vários desejos e caprichos. Não vale, também, prejudicar os outros para conseguir vantagem de qualquer tipo. Mais do que isso, não vale tirar a vida de outrem, por qualquer que seja o valor monetário de que se quer apoderar.

Apesar da crise não vale ser funcionári­o bancário, pago com o dinheiro que os cidadãos colocam à vossa guarda, e no acto de levantamen­to passarem informaçõe­s aos meliantes para assaltarem os clientes, ao ponto de serem mortos da forma mais hedionda como as que se assistem um pouco por toda Luanda.

Estamos em crise sim, tempo para aguçar a criativida­de mas, como vimos discorrend­o, não vale tudo, daí condenarmo­s qualquer acto que indicie o sentimento de criar pânico e terror no seio da população, no afã de desacredit­ar as instâncias governamen­tais.

Do título desta reflexão retira-se também a ideia de que a crise abre novas oportunida­des, agita a imaginação, deixa espaço para todos, e quem não quiser aceitar isso e preferir vida fácil e marginal, terá de enfrentar a resposta proporcion­al dos órgãos de defesa e segurança, que já não devem tolerar os delinquent­es, seja a coberto do que for, tão pouco distribuir buquês de flor nem chocolates.

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