Dramas das turbulências de cintos e pára-quedas
Eu sei que neste avião grande chamado Angola, ocupado maioritariamente por pessoas honestas e trabalhadoras, os marimbondos e afins não se misturam com elas. Viajam em primeira ou têm jactos particulares. Mas, com a manha que os caracteriza, podem querer disfarçar-se, como uns tantos que andam por aí à solta, amparados no nepotismo, à sombra da impunidade, e misturar-se com a população, a caminho de aeroportos lá longe, dos quais rumarão para onde julgam ter a salvo o que pilharam do erário ou conseguiram com negociatas
O alerta feito, recentemente, por João Lourenço a propósito dos tempos difíceis que a maioria dos angolanos vive, lembrando ser hora de contenções, foi, certamente, direccionado àqueles que, mesmo fustigados pela kalemba, insistem em viver em bonança.
O Chefe de Estado fez o aviso consciente que muitos de nós continuamos a não querer perceber a gravidade da situação em que estamos, da qual para podermos vir a sair é imprescindível determinação, trabalho, solidariedade, principalmente, para com os mais desvalidos. Há que juntar “paciência de Job” porque é longa a luta para voltar a trazer à tona este dongo gigante chamado Angola, agarrado, como está, à lama putrefacta onde o deixaram a gatunagem de “colarinho branco” e afins, que somente não pilharam o que não conseguiram na ferocidade própria de marimbondos, como os classificou, um dia, João Lourenço, usando, uma vez mais, a alegoria na definição de situações. Não fossem eles, os saqueadores do erário, mesmo com a crise económica internacional, mais a que eventualmente pode chegar, já anunciada, inclusive com sinais dados noutras paragens, tantas quantas possam vir a surgir, jamais viveríamos o pesadelo deixado por eles, razão do adiamento do País novo, sem as desigualdades de toda a espécie como as que ainda temos.
João Lourenço, voltando a usar a alegoria, comparou a fase dificílima que somos forçados a atravessar a uma viagem num avião não disse qual, mas imagino-o um Dakota, dos primeiros da DTA - a passar por zona de intensa e prolongada turbulência, e sugeriu que a alternativa dos passageiros era apertarem os cintos, pelo menos até ela amainar.
O Presidente, como responsável pelo avião Angola, cumpriu a missão de tentar que os passageiros, quase todos nós, afinal, mais uns, outros menos resistentes, conseguissem aguentar até ao fim a viagem e, em terra firme, ter recuperadora refeição, um canto para descansar o corpo, tempo para pensar nas causas da agitação do voo.
O Chefe de Estado, na curta declaração sobre o presente do país ou não quis dizer tudo para não nos alarmar, ou, no meio de tanta turbulência, que não o poupa, esqueceu-se de pormenores, que não são tanto quanto isso. Esclareço minhas dúvidas: apertar mais o cinto é algo impossível à grande parte dos angolanos pelo simples facto de não terem já espaço, porventura nem forças, para fazer mais furos. Por isso segura as calças com barbante para não caírem. Eu sei que, neste avião grande chamado Angola, ocupado maioritariamente por pessoas honestas e trabalhadoras, os marimbondos e afins não se misturam com elas. Viajam em primeira ou têm jactos particulares. Mas, com a manha que os caracteriza, podem querer disfarçar-se, como uns tantos que andam por aí à solta, amparados no nepotismo, à sombra da impunidade, e misturar-se com a populaça, a caminho de aeroportos lá longe, dos quais rumarão para onde julgam ter a salvo o que pilharam do erário ou conseguiram com negociatas. Se, mesmo com esgares de repulsa, se misturarem com a plebe para escaparem à Justiça, não tenho dúvidas, embarcam munidos de pára-quedas, não vá a viagem dar para o torto. Gatunagem de “colarinho branco”, não primando pela inteligência, tem costas largas e o que lhe falta em honra e vergonha sobra-lhe em tempo para maquinações.
O que resta à maioria, é tentarmos fazer, se não para nós, ao menos, para os vindouros, uma Angola que seja lembrada não somente pelo despautério dos marimbondos, mas, também, pela capacidade que houve de contrariar-lhes os desígnios e fazer dela um país sem desigualdades tão gritantes, obscenas, até, que ainda a caracterizam.