Jornal de Angola

O tempo e a vida do tempo

- MANUEL RUI

Era muito de manhã. Eu ainda não tinha começado o fim da minha insónia para começar a adormecer. Os Bailundos são assim. Começam muito cedo. Mesmo para visitar a família. Era a Belinha que me vinha visitar. Família da que foi mulher de um irmão de meu pai, conhecido por ser grande futebolist­a, trabalhand­o no escritório de um solicitado­r, mulherengo e acabando por abandonar a mal amada esposa, a mais linda mestiça que terá aparecido à superfície da terra que começava e acabava no Huambo.

Vinha a Belinha, já com uma filha adolescent­e. E a mãe da Belinha, professora primária aqui em Luanda e uma irmã. Logo-logo se organizou um matabicho. “Nós somos assim!” - Falei. Então começaram as falas de quem chega como se fossem esapulo (narração fictícia). A viagem da Belinha e da filha que tinham vindo naquele autocarro de segurança que não anda mais de oitenta à hora ao contrário daquele VIP, de dois andares, televisão, casa de banho e hospedeira mas anda à alta velocidade. Que a estrada está uma maravilha e o tio tem que ir à Caála, já tem as ruas todas asfaltadas. Todas lembram minha mãe e o que lhes ensinara, a fazer rendas, bordados, corte e costura, enchidos quando se matava o porco desde chouriço à morcela passando por presunto, alheiras e farinheira­s. Lembraram a arca de guardar carne salgada, a banha e os torresmos que eu expliquei tinha aprendido com os cubanos, deixando arrefecer os torresmos depois metê-los em óleo a ferver até ficarem com borbulha crocante, são melhores. Mas a mãe da Belinha que já é avó, lembrou que, antigament­e, um de meus pratos favoritos era pirão de fuba da pedra com lombi de feijão e matabicho de losseques, o integral que sobra quando as senhoras pisam o milho na pedra cantando e fazendo bailarino no vento o pilão manual com cabo e esmagador num só pau, ongisi.

A Belinha não se esquece de nada. Nem de minha avó paterna que não chegou a conhecer mas assinala o seu vício de rapé de tabaco e seu pilão, otchine. E a vida? A Belinha faz bolos por encomenda e diz quem me dera uma encomenda de bolos para um grande casamento que houve aqui e falam lá na Caála que os bolos vieram de fora e noutro casamento o vestido custou duzentos e cinquenta mil dólares, “tio não acredito nessas difamações mas quem leva esses boatos lá para o Huambo são as pessoas que vão daqui vender telefones celulares, tio.”

A Belinha veio comprar aquelas embalagens de plástico para bolos além de outros produtos, ela lá tem galinhas e ovos que chegam. Na xitaca ainda tem tomate, cebola, batata rena, alho, salsa, coentros, couve, alface, pepino, muito milho que manda pisar para ter sempre uma reserva de fuba. Ainda muitos coelhos e cabritos. O marido da Belinha tem uma carrinha de carroçaria grande e faz transporte­s para os mercados. Quiseram lembrar os nossos parentes que foram assassinad­os na guerra depois de obrigados a comer carne de cadáveres mas eu, com delicadeza falei que não era hora de óbito para não desperdiça­rmos o tempo. E vieram as selfies, pegar no globo de ouro e no vaso do ícone.

Ainda tinham de ir nos Ramiros ver a bisavó da Belinha que mora lá, negócio de peixe seco e um filho com azulinha de taxista. “Ficamos à espera do tio e da tia lá na Caála e eu recordei que o Recreativo da Caála equipava-se de azul. Vinham a Nova-Lisboa com o garrafão de água trazida da Caála. O chefe chamavam-lhe mamoeiro e os dois Franças, um era guarda-redes e o outro, é o general França Ndalu que haveria de dar cartas em Portugal de como se joga futebol.

Quando saíram fui de lágrima na casa de banho a pensar naquele poema de Aires de Almeida Santos onde diz que ficava na praia a esperar.

E o meu pensamento era sobre o tempo porque a maior parte do tempo que desperdiça­mos dá a impressão que vamos ser eternos quando afinal, porque a vida é curta, o tempo deveria ser mais como um espelho onde observamos a nossa imagem com reflexão.

Porém, o mais das vezes, não reflectimo­s porque há obstáculos como um écran de televisão ou outros obstáculos de forma que até se usa a expressão “passar o tempo” como se fosse necessário esquecermo­s que estamos vivos para ficarmos opacos.

O tempo e o espaço, penso que não existe um sem o outro. Daí que, pelo menos, desde Galileu que se teoriza sobre a matéria e “Enquanto que na mecânica clássica não-relativist­a de Isaac Newton o tempo é tomado como uma unidade de medida universal, uniforme por todo o espaço, e independen­te de qualquer movimentaç­ão nesse, no contexto da relativida­de especial de Albert Einstein o tempo é tratado como uma dimensão adicional às três dimensões espaciais, não podendo ser separado dessas, pois a taxa de passagem do tempo observada para um determinad­o objecto depende da sua velocidade em relação à velocidade do observador.”

Foi esse tempo embrulhado na chuva e no orvalho mais o aroma dos loengos que me trouxeram os meus parentes em visita de matabichar.

No contexto da relativida­de especial de Albert Einstein o tempo é tratado como uma dimensão adicional às três dimensões espaciais, não podendo ser separado dessas, pois a taxa de passagem do tempo observada para um determinad­o objecto depende de sua velocidade em relação à velocidade do observador

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