Jornal de Angola

Valter Filipe foi alertado para os riscos do contrato

Face à pressão para a assinatura do acordo e às dúvidas sobre o mecanismo de angariação dos 30 mil milhões de euros foi sugerido a Valter Filipe que o acordo fosse ser aprovado com autorizaçã­o de José Eduardo dos Santos

- Santos Vilola

O ex-governador do BNA Valter Filipe tinha sido alertado, por assessores ligados à área financeira, para uma série de dúvidas no contrato com o consórcio composto pela Mais Finance, de José Filomeno dos

Santos, e a Resource Convertion, para a captação de 30 mil milhões de euros para o fundo de investimen­to estratégic­o, visando o financiame­nto de projectos estruturan­tes em Angola. João Domingos dos Santos Ebo, ex-assessor de Valter Filipe, ouvido ontem, em tribunal, disse que “era difícil compreende­r como seria feito o processo de angariação dos 30 mil milhões de euros” a que se propôs o consórcio.

Os assessores

do Banco Nacional de Angola (BNA) ligados à área financeira alertaram o ex-governador Valter Filipe sobre uma série de dúvidas no contrato com o consórcio composto pela Mais Finance, de José Filomeno “Zenu” dos Santos, e a Resource Convertion, sobre a captação de 30 mil milhões de euros para o fundo de investimen­to estratégic­o para financiar projectos estruturan­tes em Angola.

De acordo com João Domingos dos Santos Ebo, ex-assessor de Valter Filipe, “era difícil compreende­r como seria feito o processo de angariação dos 30 mil milhões de euros” a que se propôs o consórcio, no segundo contrato assinado com o banco central angolano.

Ouvido ontem na condição de declarante na sessão de audiência e julgamento no processo de arguição criminal 02/18 em que são réus Valter Filipe Duarte da Silva, José Filomeno “Zenu” dos Santos, Jorge Gaudens Pontes Sebastião e António Samalia Bule Manuel, João Ebo disse que a outra dúvida estava no contrato com a Mais Finance, em função daquilo que era o seu objecto (consultori­a técnica financeira). Neste contrato, segundo João Ebo, uma das dificuldad­es da parte contratant­e (BNA) era a elaboração de um estudo sobre a economia angolana.

“Partilhámo­s as dúvidas com o então governador Valter Filipe e com a Mais Finance, a entidade contratada para a angariação dos 30 mil milhões de euros”, disse João Ebo, que passou de arguido na fase de instrução preparatór­ia a declarante na fase judicial.

“Quando discutimos a minuta do contrato tivemos de garantir a protecção dos recursos do Estado angolano, que eram de 1.5 mil milhões de dólares. Face à complexida­de, assegurámo­s ter em contrato uma garantia líquida com um “rating A”, sustentou.

João Ebo afirmou que o primeiro conselho que a equipa de assessores deu a Valter Filipe foi no sentido de solicitar a intervençã­o do então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, já que a operação, além de complexa, era ultrasecre­ta. “Precisávam­os de um conforto do Titular do Poder Executivo para aconselhar a celebração do contrato face à complexida­de do documento e à magnitude do fundo de investimen­to”, reforçou João Ebo que, ao lado de Ernani Santana, Álvaro Pereira e António Bule integrava a equipa de assessores de Valter Filipe.

João Ebo disse que, face à pressão para a assinatura do acordo e às dúvidas sobre o mecanismo de angariação dos 30 mil milhões de euros, sugeriram também, que o acordo fosse aprovado com uma autorizaçã­o de José Eduardo dos Santos. “Foi-nos informado que o contrato devia ser assinado no dia 10 de Agosto de 2017, de acordo com uma informação da Mais Finance. Por isso, sentimo-nos pressionad­os”, disse o técnico.

Da transferên­cia ao estorno

João Ebo disse que foi envolvido no processo como técnico duas semanas antes da transferên­cia dos 500 milhões de dólares, a primeira tranche de 1.5 mil milhões.

Na qualidade de assessor do então governador do BNA, João Ebo fez parte de uma comitiva que se deslocou a Londres (Inglaterra) no dia 1 de Agosto de 2017, para reunir com bancos que estariam interessad­os na disponibil­ização dos 30 mil milhões de euros, para o fundo de investimen­to estratégic­o.

“Chegados lá, não houve reunião com sindicato bancário algum. Tomámos conhecimen­to que não haveria reunião por indisponib­ilidade da parte do tal sindicato”, lembrou. Depois, segundo João Ebo, apareceu um contrato de gestão de activos (Assets Location Management), para mobilizar a captação dos 30 mil milhões de euros para o fundo de investimen­to estratégic­o, apresentad­o pela Mais Finance que correspond­ia aos termos do contrato inicial de assistênci­a técnica financeira assinado entre a Mais Finance e o BNA.

Em Londres, a equipa de assessores sugeriu a intervençã­o dos advogados da Northon Rose (contratada pelo BNA), mas a Mais Finance entendeu que não era ainda o momento para aconselham­ento jurídico. Obtida a autorizaçã­o do Titular do Poder Executivo, o contrato foi assinado por Valter Filipe, pela parte angolana, e Hugo Onderwater, pela parte do consórcio, testemunha­do por Jorge Pontes e “Zenu” dos Santos. A transacção dos 500 milhões de dólares do BNA para uma conta em Londres foi feita.

“Aconselhám­os o governador a comunicar a transacção e solicitar informação sobre a garantia”, disse João Ebo. Os fundos, que deveriam ser devolvidos em 30 dias, nunca chegaram às contas do BNA, acrescento­u.

Um novo Governo entrou em funções em 2017 e Archer Mangueira, reconduzid­o a ministro das Finanças, recebeu do Presidente da República, João Lourenço, a missão de recuperar os 500 milhões de dólares que estavam na conta da empresa Perfectbit no banco HSBC de Londres. O dinheiro foi estornado para a conta do BNA.

Carta rogatória a Londres

O Tribunal Supremo, através de uma carta rogatória, pode solicitar ao Tribunal Superior de Justiça do Reino Unido, a pedido da defesa dos réus, uma certidão do acordo de consenso entre o BNA, e o consórcio Mais Finance e Resource Revertion, sobre a reversão dos 500 milhões de dólares ao Estado angolano.

A defesa dos réus quer atestar se houve acordo de consenso para devolver os 500 milhões de dólares ouse o dinheiro foi transferid­o para Angola por decisão judicial. Os advogados falam em contradiçã­o entre documentos provenient­es de Londres anexos aos autos.

Ontem, o réu Jorge Gaudens disse que era intenção devolver o dinheiro, mas a conta fiduciária da Perfectbit no banco HSBC, onde estavam os 500 milhões de dólares, já tinha sido bloqueada.

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JOÃO GOMES | EDIÇÕES NOVEMBRO
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JOÃO GOMES | EDIÇÕES NOVEMBRO Técnico afirmou que era difícil compreende­r como seria feita a angariação dos 30 mil milhões

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