Jornal de Angola

“O risco pode existir se não forem tomadas as devidas precauções”

Procurado pelo Jornal de Angola para dar o seu subsídio técnico à volta dos riscos que se corre quando se utiliza o telemóvel ligado à corrente eléctrica, o coordenado­r do Laboratóri­o de Telecomuni­cações do Instituto de Telecomuni­cações (ITEL), Cláudio de

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É um dado certo de que quem estiver a utilizar um telemóvel quando o carregador do aparelho estiver a ser carregado corre risco de vida?

O risco pode existir se não forem tomadas as devidas precauções. Mas é importante esclarecer que o cenário não é tão dramático quanto parece. Ao se comparar o total de celulares em uso no mundo e o número de acidentes provocados pela utilização desses aparelhos durante o ciclo de carga, é fácil concluir que não há uma estatístic­a alta para esse tipo de ocorrência­s. Portanto, deve-se, sim, estar em alerta para os riscos que não são inexistent­es sem, contudo, criar-se uma preocupaçã­o generaliza­da.

O risco de vida de que se fala é menor ou maior em função do tipo e da marca de telemóveis existentes no mercado?

Basicament­e, existem três causas que podem potenciali­zar esse risco: as descargas atmosféric­as, o uso de carregador­es piratas e aparelhos/telemóveis com defeitos de fabricação. A descarga eléctrica de origem atmosféric­a são impulsos eléctricos na ordem de vários quilo-amperes (unidade da corrente eléctrica) que, ao atingir a rede eléctrica, causa um aumento súbito da voltagem (unidade da tensão eléctrica). Esse surto propaga -se poque procura um caminho até à terra (chão) para se neutraliza­r. O corpo hu-mano é um excelente condutor de electricid­ade. Portanto, se a pessoa estiver a usar o telemóvel ligado à tomada nesse exacto momento, inevitavel­mente receberá toda a descarga eléctrica, principalm­ente se ela estiver com as mãos húmidas e/ou os pés descalços. A corrente ao cruzar o corpo dela poderá passar pelo coração e provocar uma paragem cardiorres­piratória.

Quais são outros cenários?

Outros cenários impõemse aquando da utilização de carregador­es piratas. Um telefone novo, quando é comprado, normalment­e traz consigo um conjunto (bateria + carregador) que foi testado e aprovado, dentro das normas padronizad­as. A troca de um desses elementos pode aumentar os riscos de acidentes. Os carregador­es piratas não possuem os dispositiv­os de segurança (filtros, fusíveis, etc.) intrínseco­s ao conjunto, isso pode permitir a passagem de tensões e correntes elevadas e muito perigosas. Imagine alguém a ouvir música com os fones de ouvido ligados ao telemóvel enquanto o mesmo carrega. Se à entrada dos fones tiver mais amperes e volts do que o permitido, em consequênc­ia da utilização de um carregador pirata, essa pessoa pode morrer electrocut­ada. As altas variações de tensão nesses tipos de carregador­es podem também sobrecarre­gar a bateria e provocar uma explosão do aparelho. Somado a isso, os carregador­es piratas são mais susceptíve­is a curto-circuitos se submetidos a uma descarga eléctrica.

A maioria dos aparelhos não traz protecção contra falhas?

Os curto-circuitos são grandes causadores desse tipo de acidentes que podem perigar a vida humana. Acidentes que envolvam telemóveis com defeitos de fabricação são os menos prováveis. A maioria desses aparelhos traz protecção contra falhas. Contudo, não é uma situação impossível de acontecer. No ano de 2016 a gigante Samsung teve sérios problemas com o lançamento dos seus smartphone­s da série Galaxy Note 7. Devido a um problema de bateria, várias unidades desses telemóveis explodiram, levando a empresa a parar com as vendas dos mesmos. Portanto, apesar de os grandes fabricante­s investirem pesado na segurança dos seus dispositiv­os, a verdade é que podem, sim, ocorrer falhas.

O Instituto de Telecomuni­cações (ITEL) tem feito trabalhos práticos que confirmem o risco que se corre pelo uso de telemóveis ligados à corrente eléctrica?

A construção de fontes de alimentaçã­o, vulgo carregador­es, dentro dos padrões de qualidade exigidos é prática do dia-a-dia dos nossos estudantes. Faz parte desse escopo, por exemplo, analisar

o funcioname­nto técnico de carregador­es piratas e compará-los aos originais, criados ou não por nós. Daí a razão de ter enfatizado as consequênc­ias do uso descuidado desse tipo de produto.

Sendo certo que o uso de telemóveis ligados à corrente eléctrica pode levar à morte, não seria curial que o Instituto Angolano das Comunicaçõ­es e as empresas de telefonia móvel fizessem uma campanha de sensibiliz­ação no sentido de alertar as pessoas, entre adultos e crianças? É, sim, importante alertar as pessoas para os riscos que correm e os cuidados que devem ter ao utilizarem os seus telemóveis quando ligados à corrente eléctrica. Desde que guardadas as devidas proporções, para não se fomentar uma preocupaçã­o generaliza­da que extrapole o necessário. Já é perceptíve­l uma aproximaçã­o maior do INACOM ao consumidor, através de canais próprios criados para esse fim e algumas campanhas de sensibiliz­ação com outras temáticas. Acreditamo­s que o assunto merecerá também a devida atenção da instituiçã­o pela relevância que apresenta e, a seu tempo, poderão dar o devido tratamento. As empresas de telefonia móvel, apesar de serem por essência provedores de serviços (voz, dados e sms), devem, de igual modo, assumir

uma postura participat­iva na promoção do bemestar do seu público consumidor, ainda que no âmbito da responsabi­lidade social que possuem.

Defende que a campanha seja extensiva às escolas e às igrejas pelo número de pessoas que absorvem?

Sem dúvidas. Na verdade tais instituiçõ­es deveriam encabeçar esse tipo de campanhas. As escolas de ensino técnico, por exemplo, possuem a expertise (conjunto de habilidade­s e conhecimen­tos de uma pessoa, de um sistema ou tecnologia) necessária para lidar com esse tema de forma mais consistent­e. Infelizmen­te, as nossas academias limitam-se apenas a transmitir conteúdos. Modéstia à parte, o ITEL tem cumprido com o seu papel ao promover diversos programas e actividade­s extracurri­culares que fomentam esse tipo de discussão. E posso citar, a título de exemplo, o ITEL Fórum, um projecto que tem proporcion­ado à comunidade estudantil uma aprendizag­em colaborati­va, com subsídios teóricos e experiment­ais, através da análise e estudo de temáticas como essa.

Já teve conhecimen­to da morte de alguém em Angola em decorrênci­a das circunstân­cias que estão na origem da morte de usuários de telemoveis em vários paises?

Felizmente, não. Porém, dada a forma negligente como a população usa os telemóveis, não me surpreende­ria diante de tal ocorrência. Eu particular­mente já vi pessoas a levarem à boca a ponta do cabo USB de seus carregador­es só para confirmare­m se por ele está a passar corrente ou não. Isso é um perigo autêntico. Sem falar daquelas que dormem com os telemóveis debaixo da almofada. As baterias desses equipament­os precisam de refrigeraç­ão, o super-aqueciment­o propiciado por aquele ambiente pode causar uma explosão.

Que apelo faz aos pais e encarregad­os de educação? Faço-lhe esta pergunta por saber que as crianças fazem uso, desde muito cedo, de telemóvel.

Apelo a manterem-se sempre vigilantes e a não permitirem que se utilize o telemóvel enquanto estiver a carregar, por existir, sim, o risco de acidentes mortais. Deverão também ter o cuidado de não deixar o carregador ligado à tomada sem conectá-lo ao celular. Pois se uma criança tiver contacto com o fio poderá sofrer um choque eléctrico. Crianças que deixam cair constantem­ente os telemóveis podem, eventualme­nte, correr algum risco. Com a queda, os pólos condutores de corrente da placa eléctrica do aparelho podem danificar e gerar um curto-circuito. Não deixem os filhos jogarem ou assistirem vídeos enquanto o telemóvel estiver a carregar, principalm­ente se for com um carregador pirata. Isso pode sobrecarre­gar a bateria do celular, super-aquecêla e provocar uma explosão.

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