Alteração ao estatuto de asilado é contestada na África do Sul
Os tribunais sul-africanos preparam-se para decidir a legalidade de uma lei que altera o estatuto que vinha sendo dado aos asilados, retirando-lhes a possibilidade de terem actividade política
A África do Sul publicou, ontem, em documento oficial, a retirada do estatuto de asilado aos refugiados que se envolvam em actividades políticas relacionadas com os países de origem, medida considerada ilegal e que deverá ser contestada em tribunal, pelos visados.
Segundo a Reuters, a nova legislação, que entrou em vigor a 1 de Janeiro, veio gerar grandes receios entre a comunidade de refugiados de todo o continente, habituada a ter na África do Sul um refúgio de liberdade de manifestação contra governos de países como o Rwanda, Zimbabwe, Burundi e Congo.
Os críticos da nova legislação apontam ilegalidades e a “profunda ironia” de a nova legislação ser aprovada pelo Congresso Nacional Africano (ANC), no poder, que durante anos lutou contra o regime segregacionista do “apartheid” a partir do exílio.
Representantes de refugiados e requerentes de asilo asseguraram que pretendem contestar a nova lei em tribunal, considerando que limita as liberdades de expressão e manifestação asseguradas pela Constituição da África do Sul.
Em entrevista à agência Associated Press, o activista e refugiado rwandês, Gabriel Hertis, considerou que a nova lei vai contra as garantias de igualdade, dignidade, liberdade de associação e manifestação asseguradas pela Constituição.
“Esta é uma tentativa de mudar a Constituição através de canais de rectaguarda. Durante anos, alguns governos africanos queixaram-se à África do Sul sobre as actividades das pessoas que fugiram para cá e encontraram um lugar relativamente seguro para se manifestarem, e até agora a África do Sul tinha resistido à pressão”, afirmou Hertis.
Para Hertis, a África do Sul 'está agora a convidar à interferência destes Governos' no país.
Para o porta-voz do Fórum da Diáspora Africana, Amir Sheikh, a nova lei terá “um efeito dramático” tanto sobre os refugiados recém-chegados como sobre os que já estão na África do Sul.
“Poderemos ter extradições”, disse Amir Sheikh, citado pela AP, e comparando a legislação às ordens executivas restritivas do Presidente dos EUA, Donald Trump, em relação aos refugiados.
Adiantou que o fórum esteve reunido há escassas semanas com o ministro do Interior da África do Sul, Aaron Motsoaledi, e que esta questão nunca foi levantada.
Sharon Ekambaram, da Lawyers for Human Rights, considerou, por seu lado, que a nova lei é o exemplo mais recente das dificuldades que os requerentes de asilo enfrentam na África do Sul, onde existem cerca de 90 mil pessoas reconhecidas como refugiados e 180 mil aguardam uma decisão sobre os seus pedidos.
Protestos de rua
Muitos destes participaram em protestos durante o ano passado junto dos escritórios da agência de refugiados das Nações Unidas na capital, Pretória, e na Cidade do Cabo, reclamando melhor protecção após o último surto de violência xenófoba contra estrangeiros na África do Sul.
Ekambaram adiantou que o seu grupo jurídico conseguiu reunir-se com o ministro do Interior no ano passado ao final de seis anos de pedidos de audiência.
Questionado sobre se a aprovação da legislação que proíbe qualquer actividade política aos refugiados, incluindo votar, não contradiz a história de exílio do ANC, o ministro do Interior considerou, em declarações ao News24, que as circunstâncias não são exactamente as mesmas.
“As pessoas do ANC que viviam nesses países não foram como refugiados a pedir protecção, foram assumindose como combatentes da liberdade”, disse Motsoaledi.
O ministro descreveu ainda os líderes de alguns países africanos de origem dos refugiados como tendo sido “democraticamente eleitos”.
Numa outra entrevista, e com a polémica em torno da legislação a crescer, o ministro admitiu à South African Broadcasting Corporation que a “formulação usada na lei possa ser errada”, manifestando disponibilidade para fazer as correcções necessárias.
No entanto, Motsoaledi defendeu a nova exigência de que qualquer actividade política dos refugiados obtenha primeiro autorização, comparando-a à obtenção da permissão das autoridades para um protesto público.
“Precisamos saber se está errado e se vai causar guerra com o país de origem”, disse, acrescentando: “Precisamos avisá-los e dizer, 'Não, não, não, isto vai causar guerra com os nossos vizinhos, não é bom para nós”.
Representantes de refugiados e requerentes de asilo consideram que a nova lei limita as liberdades de expressão e manifestação asseguradas pela Constituição da África do Sul