Entre arrestos e privilégios
A questão de momento é, sem margem de dúvida, a que envolve a privilegiada empresária Isabel dos Santos e o Estado angolano, que por via do Tribunal Provincial de Luanda viu decretado a seu favor o arresto preventivo das contas bancárias pessoais de Isabel José dos Santos, do seu marido, Sindika Dokolo e do cidadão de nacionalidade portuguesa, Mário Filipe Moreira Leite da Silva.
A Procuradoria-Geral da República alega que a medida deriva de uma acção judicial intentada pelo Serviço Nacional de Recuperação de Activos, contra as três referidas figuras, que para além das contas bancárias viram também arrestadas as participações sociais que detêm enquanto beneficiários efectivos nos bancos BIC e BFA, bem como nas empresas Unitel e ZAP Média.
Mais do que o discurso técnico-académico das falanges de apoio das partes que litigam, uma das lições profundas a ser retirada do assunto tem que ver com o sinal que é dado do ponto de vista político, na efectiva luta contra a corrupção, que é uma das divisas do mandato do Presidente João Lourenço.
Se calhar torna-se oportuno recordar que, no seu primeiro pronunciamento à Nação, como Presidente da República, João Lourenço, disse, sem tergiversar, que “A corrupção e a impunidade têm um impacto negativo directo na capacidade do Estado e dos seus agentes executarem qualquer programa de governação”.
Na mesma senda, o Titular do Poder Executivo exortou todo o povo angolano a trabalhar em conjunto para extirpar esse mal que ameaça seriamente os alicerces da nossa sociedade, apelo que, quanto a nós, representou o lançamento da luta contra a corrupção, que para além de ser tão urgente, é uma batalha a vencer, no somatório da guerra contra os privilégios que ultrajam a maioria.
Por aqui, apenas os menos avisados se surpreenderam com a postura adoptada pelo Governo, de cobrar o dinheiro que diz ser sua pertença e que certa vez privilegiada foi emprestado a Isabel dos Santos, principalmente por via da Sonangol, que também deverá, em tempo oportuno, ser instada a explicar a razão de ter sido transformada em concessionária de crédito financeiro.
Contra ou a favor de todos os argumentos que procuram atribuir razão ou culpa às partes envolvidas, uma outra verdade é que o que hoje se assiste é apenas a materialização de sinais que há muito foram dados, da necessidade de fazerse alguma coisa que represente a recuperação do dinheiro do Estado.
Apesar da consciência que os angolanos devem ter em relação à impossibilidade de recuperação de todo o dinheiro que o Estado perdeu para entes privados, há que se encorajar a implementação de medidas do género, que em parte representam um exercício de moralização da sociedade, que a todos obriga uma postura de colaboração, despidos de privilégios.
A fama empresarial de Isabel dos Santos, claro, privilegiada, recorda-nos uma historieta ao tempo em que um clube de futebol em que o treinador tinha um filho como atleta, aquele dizia que as coisas só funcionavam dada a presença do seu filho, que era o melhor jogador que ele uma vez conheceu.
Ao que também se diz, o privilégio atribuído pelo pai/treinador ao filho/jogador, indispunha alguns colegas de equipa, de tal sorte que estes, para mostrarem o valor que também tinham e não era referido pelo treinador, em muitas situações não passavam a bola ao filho do treinador, mesmo que estivesse em melhores condições para marcar o golo.
O objectivo da atitude dos colegas era mostrar que, afinal, com o privilégio que o pai/treinador dava ao filho/jogador, qualquer um na condição do filhinho mimado era o melhor em qualquer equipa do mundo.
Fica à mercê de cada um dos leitores o paralelismo que se pode extrair dos dois parágrafos que antecedem este, sendo que a moral da história deve remeter-nos à necessidade de conservação de princípios básicos de educação, ética, moral e respeito pela coisa pública, atitude esta que alguns privilegiados ignoraram, pensando que sozinhos podem tudo.
Por tal postura,não nos espantemos se, nos próximos tempos, assistirmos a uma romaria de privilegiados em conflito com a lei, a serem obrigados a provar que fizeram por merecer a riqueza que ostentam, sem qualquer tipo de privilégios, e assim estarem isentos de arrestos.
Por fim, julgamos ser um não problema, o sentimento que dizem existir em relação a alguma instabilidade que pode vir a ser criada no universo dos funcionários das instituições afectadas pelo arresto, que por sinal têm os postos de trabalho acautelados na providência cautelar que faz do assunto aqui vertido, o caso do momento, entre arrestos e privilégios.
Por tal postura, não nos espantemos se, nos próximos tempos, assistirmos a uma romaria de privilegiados em conflito com a lei, a serem obrigados a provar que fizeram por merecer a riqueza que ostentam, sem qualquer tipo de privilégios, e assim estarem isentos de arrestos.