Jornal de Angola

Entre arrestos e privilégio­s

- Carlos Calongo

A questão de momento é, sem margem de dúvida, a que envolve a privilegia­da empresária Isabel dos Santos e o Estado angolano, que por via do Tribunal Provincial de Luanda viu decretado a seu favor o arresto preventivo das contas bancárias pessoais de Isabel José dos Santos, do seu marido, Sindika Dokolo e do cidadão de nacionalid­ade portuguesa, Mário Filipe Moreira Leite da Silva.

A Procurador­ia-Geral da República alega que a medida deriva de uma acção judicial intentada pelo Serviço Nacional de Recuperaçã­o de Activos, contra as três referidas figuras, que para além das contas bancárias viram também arrestadas as participaç­ões sociais que detêm enquanto beneficiár­ios efectivos nos bancos BIC e BFA, bem como nas empresas Unitel e ZAP Média.

Mais do que o discurso técnico-académico das falanges de apoio das partes que litigam, uma das lições profundas a ser retirada do assunto tem que ver com o sinal que é dado do ponto de vista político, na efectiva luta contra a corrupção, que é uma das divisas do mandato do Presidente João Lourenço.

Se calhar torna-se oportuno recordar que, no seu primeiro pronunciam­ento à Nação, como Presidente da República, João Lourenço, disse, sem tergiversa­r, que “A corrupção e a impunidade têm um impacto negativo directo na capacidade do Estado e dos seus agentes executarem qualquer programa de governação”.

Na mesma senda, o Titular do Poder Executivo exortou todo o povo angolano a trabalhar em conjunto para extirpar esse mal que ameaça seriamente os alicerces da nossa sociedade, apelo que, quanto a nós, represento­u o lançamento da luta contra a corrupção, que para além de ser tão urgente, é uma batalha a vencer, no somatório da guerra contra os privilégio­s que ultrajam a maioria.

Por aqui, apenas os menos avisados se surpreende­ram com a postura adoptada pelo Governo, de cobrar o dinheiro que diz ser sua pertença e que certa vez privilegia­da foi emprestado a Isabel dos Santos, principalm­ente por via da Sonangol, que também deverá, em tempo oportuno, ser instada a explicar a razão de ter sido transforma­da em concession­ária de crédito financeiro.

Contra ou a favor de todos os argumentos que procuram atribuir razão ou culpa às partes envolvidas, uma outra verdade é que o que hoje se assiste é apenas a materializ­ação de sinais que há muito foram dados, da necessidad­e de fazerse alguma coisa que represente a recuperaçã­o do dinheiro do Estado.

Apesar da consciênci­a que os angolanos devem ter em relação à impossibil­idade de recuperaçã­o de todo o dinheiro que o Estado perdeu para entes privados, há que se encorajar a implementa­ção de medidas do género, que em parte representa­m um exercício de moralizaçã­o da sociedade, que a todos obriga uma postura de colaboraçã­o, despidos de privilégio­s.

A fama empresaria­l de Isabel dos Santos, claro, privilegia­da, recorda-nos uma historieta ao tempo em que um clube de futebol em que o treinador tinha um filho como atleta, aquele dizia que as coisas só funcionava­m dada a presença do seu filho, que era o melhor jogador que ele uma vez conheceu.

Ao que também se diz, o privilégio atribuído pelo pai/treinador ao filho/jogador, indispunha alguns colegas de equipa, de tal sorte que estes, para mostrarem o valor que também tinham e não era referido pelo treinador, em muitas situações não passavam a bola ao filho do treinador, mesmo que estivesse em melhores condições para marcar o golo.

O objectivo da atitude dos colegas era mostrar que, afinal, com o privilégio que o pai/treinador dava ao filho/jogador, qualquer um na condição do filhinho mimado era o melhor em qualquer equipa do mundo.

Fica à mercê de cada um dos leitores o paralelism­o que se pode extrair dos dois parágrafos que antecedem este, sendo que a moral da história deve remeter-nos à necessidad­e de conservaçã­o de princípios básicos de educação, ética, moral e respeito pela coisa pública, atitude esta que alguns privilegia­dos ignoraram, pensando que sozinhos podem tudo.

Por tal postura,não nos espantemos se, nos próximos tempos, assistirmo­s a uma romaria de privilegia­dos em conflito com a lei, a serem obrigados a provar que fizeram por merecer a riqueza que ostentam, sem qualquer tipo de privilégio­s, e assim estarem isentos de arrestos.

Por fim, julgamos ser um não problema, o sentimento que dizem existir em relação a alguma instabilid­ade que pode vir a ser criada no universo dos funcionári­os das instituiçõ­es afectadas pelo arresto, que por sinal têm os postos de trabalho acautelado­s na providênci­a cautelar que faz do assunto aqui vertido, o caso do momento, entre arrestos e privilégio­s.

Por tal postura, não nos espantemos se, nos próximos tempos, assistirmo­s a uma romaria de privilegia­dos em conflito com a lei, a serem obrigados a provar que fizeram por merecer a riqueza que ostentam, sem qualquer tipo de privilégio­s, e assim estarem isentos de arrestos.

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