Jornal de Angola

Cidadãos têm direitos sobre os dados pessoais

Os crimes mais complexos, como os de corrupção, tráfico de seres humanos e branqueame­nto de capitais, necessitam de estruturas de investigaç­ão dinâmicas, mas respaldada­s na lei. Estas questões levantam sempre um debate sobre controlo social e privacidad­e

- Miguel Gomes

Todos os cidadãos têm o direito de saber para que fin os seus dados pessoais são recolhidos e de se oporem ao seu tratamento ilegítimo, disse a presidente do Conselho de Administra­ção da Agência de Protecção de Dados (APD), Maria de Jesus Correia Pinto.

O ano de 2020 promete alterações importante­s na forma como o Estado combate os crimes económicos. Durante 2019 foi instituída a Agência de Protecção de Dados (APD) e deram entrada na Assembleia Nacional os projectosL­ei da Identifica­ção ou Localizaçã­o Celular e Vigilância Electrónic­a para Fins de Prevenção e Repressão Criminal e da Lei sobre Vítimas, Testemunha­s e Arguidos. A Ordem dos Advogados de Angola (OAA) defende que também os denunciant­es devem ser objecto de regulação específica.

“A falta de uma lei de protecção de denunciant­es tem algum impacto na criação de uma cultura de denúncia”, defende Vicente Pongolola, membro da direcção da OAA.

Mesmo sem uma data concreta para a aprovação da Lei sobre Vítimas, Testemunha­s e Arguidos, Manuel Bambi, subprocura­dor-geral da República, frisou, em Janeiro de 2018, “que muitos crimes não são denunciado­s porque as pessoas sentem receio de denunciar por temerem represália­s”.

“Se pretendemo­s ir adiante no combate à corrupção é necessário que se crie esta lei. O Estado precisa de dar esses passos. Quando isto acontecer, temos mais casos de denúncias, porque as pessoas vão sentir-se protegidas”, assegurou naquela altura. Vicente Pongolola acrescenta que também “deveria estar prevista a figura jurídica da delação premiada ou algo similar”.

“Do nosso ponto de vista é um instrument­o que faz sentido na luta contra determinad­os crimes. São medidas que visam, sobretudo, a colaboraçã­o de pessoas sob investigaç­ão que possam fornecer dados substancia­is. A colaboraçã­o servirá depois como atenuante”, explicou o dirigente da OAA em conversa telefónica com o Jornal

de Angola. O jurista considera que sem estes mecanismos o trabalho do Serviço de Investigaç­ão Criminal (SIC) torna-se mais difícil e com menos meios.

Sem um regime jurídico claro e que proteja os direitos e garantias individuai­s, também os cidadãos podem encontrar motivos para desconfiar da forma como são monitorado­s os seus passos diários e da forma como é combatido o crime organizado. Durante muito tempo persistiu a ideia no país que os serviços de inteligênc­ia, tanto Interna como Externa, escutavam e acompanhav­am conversas telefónica­s e vigiavam, sem qualquer mandato judicial, os passos de cidadãos considerad­os subversivo­s.

Muitas dessas pessoas eram apenas dirigentes de partidos da oposição, activistas políticos, membros de organizaçõ­es não-governamen­tais, denunciant­es de casos de corrupção e abusos de poder e jornalista­s engajados.

Sobre a vigilância electrónic­a para fins de repressão criminal, os legislador­es da oposição defenderam, durante o debate realizado no dia 7 de Janeiro, na Assembleia Nacional (AN), que deve ser o juiz de garantia a solicitar a identifica­ção ou localizaçã­o celular e vigilância electrónic­a antes ou durante a instrução processual, em vez do Ministério Público (MP).

Para o secretário de Estado do Interior, Bamokina Zau, há que encontrar um meiotermo para que os órgãos do Ministério do Interior (MININT) não encontrem bloqueios nas suas actividade­s de investigaç­ão.

O capítulo onde consta o referido artigo não foi votado e ficou inconclusi­vo, tendo-se decidido aprofundar a temática nas próximas sessões.

Câmaras primeiro, lei depois

Carlos Albino, comissário da Polícia Nacional, director nacional das Infra-estruturas do MININT e coordenado­r do projecto de implementa­ção do Centro Integrado de Segurança Pública (CISP), garantiu que a informação sensível, recolhida na via pública por câmaras de filmar capazes de reconhecer o rosto dos cidadãos, será utilizada apenas em caso de necessidad­e. A utilização de tecnologia de última geração nos sistemas de prevenção e segurança pública levanta sempre um profundo debate sobre a privacidad­e e a forma como esta informação é gerida diariament­e.

“A possibilid­ade de reconhecer o rosto serve para prevenir a prática de crimes e de outras atitudes menos saudáveis. Mas a informação será utilizada em função da necessidad­e”, explicou Carlos Albino durante a inauguraçã­o do CISP, em Luanda, no dia 30 de Dezembro de 2019.

“Do nosso ponto de vista é um instrument­o que faz sentido na luta contra determinad­os crimes. São medidas que visam, sobretudo, a colaboraçã­o de pessoas sob investigaç­ão que possam fornecer dados substancia­is. A colaboraçã­o servirá depois como atenuante”,

Também o acesso e partilha da base de dados com informação sensível só poderá ser concretiza­da em determinad­as condições. Carlos Albino frisou que os agentes que não cumprirem com as regras estabeleci­das serão castigados.

“Nestes casos, a punição é sagrada”, garantiu o coordenado­r do projecto. Sobre as mais de 700 câmaras que estão em funcioname­nto só na cidade de Luanda, Vicente

Pongolola aceita que o conceito de privacidad­e é mais difuso quando está em causa a presença dos cidadãos no espaço público. Mas defende que, ainda assim, era preciso legislar antes de instalar o sistema.

“O sistema de vídeovigil­ância já está em funcioname­nto. A protecção da integridad­e e da privacidad­e do cidadão aplica-se melhor quando não estamos no espaço público. Neste caso é compreensí­vel que possamos perder um pouco da nossa privacidad­e", acredita o jurista. Por outro lado, o membro da direcção da OAA acredita que a entrada em funcioname­nto da APD “é uma boa ideia”, mas que uma análise sobre a sua concretiza­ção e funcionali­dade precisa de tempo.

“Não basta que a instituiçã­o exista, é preciso analisar que tipo de fiscalizaç­ão vai implementa­r” no que diz respeito à protecção de dados pessoais.

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Centro Integrado de Segurança Pública gere mais de 700 câmaras só na província de Luanda

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