Cidadãos têm direitos sobre os dados pessoais
Os crimes mais complexos, como os de corrupção, tráfico de seres humanos e branqueamento de capitais, necessitam de estruturas de investigação dinâmicas, mas respaldadas na lei. Estas questões levantam sempre um debate sobre controlo social e privacidade
Todos os cidadãos têm o direito de saber para que fin os seus dados pessoais são recolhidos e de se oporem ao seu tratamento ilegítimo, disse a presidente do Conselho de Administração da Agência de Protecção de Dados (APD), Maria de Jesus Correia Pinto.
O ano de 2020 promete alterações importantes na forma como o Estado combate os crimes económicos. Durante 2019 foi instituída a Agência de Protecção de Dados (APD) e deram entrada na Assembleia Nacional os projectosLei da Identificação ou Localização Celular e Vigilância Electrónica para Fins de Prevenção e Repressão Criminal e da Lei sobre Vítimas, Testemunhas e Arguidos. A Ordem dos Advogados de Angola (OAA) defende que também os denunciantes devem ser objecto de regulação específica.
“A falta de uma lei de protecção de denunciantes tem algum impacto na criação de uma cultura de denúncia”, defende Vicente Pongolola, membro da direcção da OAA.
Mesmo sem uma data concreta para a aprovação da Lei sobre Vítimas, Testemunhas e Arguidos, Manuel Bambi, subprocurador-geral da República, frisou, em Janeiro de 2018, “que muitos crimes não são denunciados porque as pessoas sentem receio de denunciar por temerem represálias”.
“Se pretendemos ir adiante no combate à corrupção é necessário que se crie esta lei. O Estado precisa de dar esses passos. Quando isto acontecer, temos mais casos de denúncias, porque as pessoas vão sentir-se protegidas”, assegurou naquela altura. Vicente Pongolola acrescenta que também “deveria estar prevista a figura jurídica da delação premiada ou algo similar”.
“Do nosso ponto de vista é um instrumento que faz sentido na luta contra determinados crimes. São medidas que visam, sobretudo, a colaboração de pessoas sob investigação que possam fornecer dados substanciais. A colaboração servirá depois como atenuante”, explicou o dirigente da OAA em conversa telefónica com o Jornal
de Angola. O jurista considera que sem estes mecanismos o trabalho do Serviço de Investigação Criminal (SIC) torna-se mais difícil e com menos meios.
Sem um regime jurídico claro e que proteja os direitos e garantias individuais, também os cidadãos podem encontrar motivos para desconfiar da forma como são monitorados os seus passos diários e da forma como é combatido o crime organizado. Durante muito tempo persistiu a ideia no país que os serviços de inteligência, tanto Interna como Externa, escutavam e acompanhavam conversas telefónicas e vigiavam, sem qualquer mandato judicial, os passos de cidadãos considerados subversivos.
Muitas dessas pessoas eram apenas dirigentes de partidos da oposição, activistas políticos, membros de organizações não-governamentais, denunciantes de casos de corrupção e abusos de poder e jornalistas engajados.
Sobre a vigilância electrónica para fins de repressão criminal, os legisladores da oposição defenderam, durante o debate realizado no dia 7 de Janeiro, na Assembleia Nacional (AN), que deve ser o juiz de garantia a solicitar a identificação ou localização celular e vigilância electrónica antes ou durante a instrução processual, em vez do Ministério Público (MP).
Para o secretário de Estado do Interior, Bamokina Zau, há que encontrar um meiotermo para que os órgãos do Ministério do Interior (MININT) não encontrem bloqueios nas suas actividades de investigação.
O capítulo onde consta o referido artigo não foi votado e ficou inconclusivo, tendo-se decidido aprofundar a temática nas próximas sessões.
Câmaras primeiro, lei depois
Carlos Albino, comissário da Polícia Nacional, director nacional das Infra-estruturas do MININT e coordenador do projecto de implementação do Centro Integrado de Segurança Pública (CISP), garantiu que a informação sensível, recolhida na via pública por câmaras de filmar capazes de reconhecer o rosto dos cidadãos, será utilizada apenas em caso de necessidade. A utilização de tecnologia de última geração nos sistemas de prevenção e segurança pública levanta sempre um profundo debate sobre a privacidade e a forma como esta informação é gerida diariamente.
“A possibilidade de reconhecer o rosto serve para prevenir a prática de crimes e de outras atitudes menos saudáveis. Mas a informação será utilizada em função da necessidade”, explicou Carlos Albino durante a inauguração do CISP, em Luanda, no dia 30 de Dezembro de 2019.
“Do nosso ponto de vista é um instrumento que faz sentido na luta contra determinados crimes. São medidas que visam, sobretudo, a colaboração de pessoas sob investigação que possam fornecer dados substanciais. A colaboração servirá depois como atenuante”,
Também o acesso e partilha da base de dados com informação sensível só poderá ser concretizada em determinadas condições. Carlos Albino frisou que os agentes que não cumprirem com as regras estabelecidas serão castigados.
“Nestes casos, a punição é sagrada”, garantiu o coordenador do projecto. Sobre as mais de 700 câmaras que estão em funcionamento só na cidade de Luanda, Vicente
Pongolola aceita que o conceito de privacidade é mais difuso quando está em causa a presença dos cidadãos no espaço público. Mas defende que, ainda assim, era preciso legislar antes de instalar o sistema.
“O sistema de vídeovigilância já está em funcionamento. A protecção da integridade e da privacidade do cidadão aplica-se melhor quando não estamos no espaço público. Neste caso é compreensível que possamos perder um pouco da nossa privacidade", acredita o jurista. Por outro lado, o membro da direcção da OAA acredita que a entrada em funcionamento da APD “é uma boa ideia”, mas que uma análise sobre a sua concretização e funcionalidade precisa de tempo.
“Não basta que a instituição exista, é preciso analisar que tipo de fiscalização vai implementar” no que diz respeito à protecção de dados pessoais.