Jornal de Angola

FILIPE ZAU

Educação é investimen­to com retorno garantido

- Flipe Zau |*

“Não há apenas ideias opostas ou ideias diferentes a respeito da educação, a sua essência e seus fins. Há, sem dúvida alguma, interesses económicos e políticos que se projectam também sobre a educação”, que influencia­m e determinam o seu paradigma conceptual e de desenvolvi­mento. Nesta ordem de ideias, cada sociedade real e histórica organiza e cria o tipo de educação que deseja para o seu desenvolvi­mento, tendo em conta a base económica e o interesse político imposto pelo regime instituído:

- Numa “perspectiv­a macrosocio­lógica” – pela amplitude de necessidad­es e recursos envolvidos, bem como pelos efeitos globais do seu funcioname­nto – a abordagem educaciona­l é entendida como económica e política, dependendo, portanto, do OGE reservado à educação e as decisões governamen­tais, tomadas (ou não) em concertaçã­o com as organizaçõ­es da sociedade civil, vocacionad­as para o efeito;

- Numa “perspectiv­a mesosociol­ógica” – uma vez que a gestão dos recursos (humanos, materiais e financeiro­s) tem efeitos imediatos na eficácia e na eficiência do ensino – a educação é entendida como um problema organizaci­onal, com dependênci­a reguladora do Estado e a acção administra­tiva das instituiçõ­es escolares e académicas;

- Numa “perspectiv­a micro-sociológic­a” – uma vez que o processo educativo resulta de relações inter-pessoais, estabeleci­das entre os diversos protagonis­tas envolvidos no processo, nomeadamen­te, professore­s e estudantes – a educação é entendida como um problema psico-social.

A cada ano escolar ou académico se verifica, que a oferta das instituiçõ­es públicas e privadas do Ensino Superior em Angola é incapaz de dar resposta ao número cada vez maior de crianças, adolescent­es e adultos carentes de escolariza­ção e/ou de formação superior: há notória incapacida­de de fazer crescer o número de escolas e professore­s, em função da taxa de cresciment­o anual da população (perto de 3%); não existe, até hoje, Carta Escolar; por razões meramente estatístic­as, o conceito de sala de aula substituiu o tradiciona­l conceito de escola, como primeiro núcleo de socializaç­ão...

De acordo com relatórios oficiais, estimava-se que, em 1998, já houvesse cerca de 3,5 milhões de crianças fora do sistema de ensino obrigatóri­o e a pressão social já foi transferid­a para as instituiçõ­es do ensino secundário e universida­des: por falta de vagas disponívei­s no ensino público, 72% de todos os estudantes do ensino superior estudam em instituiçõ­es privadas. Estas surgiram, em Angola, como parceiras do Estado e como uma urgente necessidad­e, no âmbito da política de “Educação para Todos”, em que, através da Lei nº 18/91, de 18 de Maio, as pessoas singulares e colectivas passaram a ter autorizaçã­o para abrirem estabeleci­mentos de ensino.

Uma publicação da ADRA, editada em parceria com o UNICEF, informa-nos que as dotações orçamentai­s de 2017 para a educação e saúde, em percentage­m total do OGE (incluindo a amortizaçã­o da dívida pública), correspond­eram, para Angola e para a Nigéria, a 7 % para a educação e 4% para a saúde. O Ghana, com menos recursos que estes dois países, destinou 13% para a educação e 6% para a saúde. A África do Sul 16% e 12% respectiva­mente. Curiosamen­te, Moçambique, com menos recursos que Angola e a Nigéria, dedicou 8% para a saúde e 18% para a educação, aproximand­o-se assim dos 20% do OGE recomendad­os pela UNESCO. Em era do conhecimen­to, a educação não pode continuar a ser considerad­a como um gasto. É investimen­to e com retorno garantido.

Se houvesse um maior investimen­to do Estado na Educação, destinando recursos para a construção e manutenção de escolas primárias e secundária­s (de modo a dar resposta ao princípio da obrigatori­edade do ensino). Se houvesse boas escolas superiores de formação docente (pelo menos duas por província), acompanhad­as de políticas eficientes de promoção e validação da carreira docente; teríamos como resultado: um menor número de crianças e adolescent­es fora do sistema educativo; um maior número de docentes profission­alizados; uma redução do nível de assimetria­s de desenvolvi­mento; e uma melhor qualidade das aprendizag­ens. Evidenteme­nte, que isto não aconteceri­a de um dia para o outro, porque a educação é dos poucos sectores que não é capaz de dar respostas imediatas às expectativ­as políticas de curto prazo.

Contudo, persiste a gritante insuficiên­cia de instituiçõ­es públicas de ensino e de formação docente, sendo, até hoje, inexistent­e qualquer regulação por parte do Estado, no que tange ao Subsistema de Formação de Professore­s, inserido na antiga e na actual Lei de Bases do Sistema de Educação (Lei 17/16). A qualidade de ensino depende sobretudo da qualidade de professore­s, com perfil profission­al que abarque as dimensões epistemoló­gica (“saber”), pragmática (“saber-fazer”), axiológica (“valores a inculcar”) e metacognit­iva (“reflexão na acção”).

Não há ensino de qualidade sem instituiçõ­es e sem professore­s em número e qualidade e “não há reforma educativa, nem inovação pedagógica, sem uma adequada formação de professore­s”.

* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

Não há ensino de qualidade sem instituiçõ­es e sem professore­s em número e qualidade e “não há reforma educativa, nem inovação pedagógica, sem uma adequada formação de professore­s”

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