Fuga à paternidade
Escrevo pela primeira vez para o Jornal de Angola para falar sobre a fuga à paternidade, numa altura em que os níveis continuam ainda altos na nossa sociedade. Lembro-me quando criança, dificilmente ouvia falar de casos de fuga à paternidade. Isto para não dizer mesmo que não existiam esses casos, seguramente porque, naquela altura as famílias tinham uma responsabilidade grande no que ao acolhimento dos seus membros dizia respeito.
Hoje, o “salve-se quem puder” parece estar a ditar as regras em muitas famílias ao ponto, inclusive, de indícios de segregação começarem a crescer dentro de muitas famílias em função de critério de maior ou menor aproximação familiar e factores económicos. Mesmo com os níveis de poligamia altos, não se ouvia falar de pais que fugiam para deixarem de assumirem as suas responsabilidades paternais. Julgo que um dos factores que contribuiu, de alguma maneira, foi a falta de passagem de testemunho de uma geração para a outra. Muitos tornaram-se pais, entre homens e mulheres, sem aprenderem devidamente as implicações no cumprimento deste papel. É verdade que a situação de conflito militar que Angola viveu, ao lado dos níveis de pobreza, acabaram por relativizar tudo. Até a vida humana passou a conhecer níveis de desrespeito quer por parte dos próprios familiares, quer por parte da comunidade, que pouco ou nada a sociedade parecia disposta a fazer para contrapor. Se antes para duas pessoas se juntarem para formar família passava por um conjunto de actos como a apresentação familiar, apenas para começar e mencionar este importante formalismo, mas hoje muitos casais dispensam essa parte. O resultado deste comportamento pós moderno, que a sociedade testemunha sem poder fazer nada, aparentemente, tem contribuído, nalguns casos, para o desconhecimento dos membros da família e eventuais cruzamentos. Não me parece que fosse de todo exagerado criminalizar a fuga à paternidade, com iniciativas como a privação de parte dos rendimentos a favor dos dependentes ou eventualmente prisão em casos de reincidência. O Estado se pretender caminhar de forma segura, estável e com famílias igualmente seguras e estáveis deve fazer tudo para que os seus membros não defraudem as suas expectativas. A liberdade que as pessoas têm não deve passar por perigar as formas em que esse mesmo Estado pretende se organizar. O contrato social por via do qual as pessoas abdicam dos direitos a favor de uma entidade que regule a vida em sociedade tem como corolário e escopo a perspectiva de actuação desse ente a que todos chamamos de Estado. JOÃO FERNANDES Malanje