Deixa lá a/o coitada/o!..
O jurista e magistrado brasileiro, que também já exerceu o cargo de ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho, apresenta, em relação à ética, uma definição que consideramos bastante interessante e diferente da comumente conhecida e recitada.
Para ele, Ética é uma agrupação de virtudes e capacidades a adquirir e aperfeiçoar, ou seja, uma busca de excelência profissional e, -acrescenta-se-, um ideal que atrai quem a persegue, produzindo efeitos de consideração na esfera de quem a exercita, ao ponto de criar-se uma involuntária promoção social, capaz de elevar a sua apreciação junto de outras pessoas. Para o que se pretende com esta reflexão tem também acolhimento, a teoria que define a Ética como um conjunto interminável e oprimente de deveres e obrigações ou, se tanto, o estudo dos valores que regem a conduta humana subjectiva e social.
Por alguma outra interpretação, a Ética é um critério existente para julgar as acções que beneficiam ou prejudicam a vida humana neste mundo e nesta sociedade, independentemente da área da sua empregabilidade, sendo a política, a zona de maior perigo, quando o conceito se ajusta ao prejuízo. Vem o intróito a propósito do comportamento que alguns agentes políticos cá do burgo, face a cruzada contra a corrupção, que está a ser levada a cabo pelo Executivo liderado pelo Presidente da República, João Lourenço, que faz do assunto um estandarte do Programa de Governação para o seu primeiro mandato, iniciado em 2017, decidiram-se por uma postura marginal em relação ao processo que, na sua essência, tem algo de elevado patriotismo.
E faz todo o sentido nesta altura em que ainda se vive a ressaca do 4 de Fevereiro, com todo o seu valor histórico assente na necessidade de libertar Angola das masmorras do colonialismo, condenar toda e qualquer outra forma de subjugar os angolanos, como alguns poucos patriotas tentaram fazer ao longo dos últimos anos.
Por inúmeras evidências, passíveis de ser contrapostas em fóruns próprios, longe dos casos levados às barras dos tribunais e dos que estão em vias de lá chegar, os casos despoletados nos últimos dias do ano velho mais recente, são dos que mais motivaram a incursão à questão da ética, que faz o monge desta reflexão.
Antes de prosseguir a abordagem, em jeito de provocação, abrimos parêntesis para indagar a razão do absolutismo que (ainda) se atribui à teoria de que, “na política tudo vale”, ao ponto de se considerar coitada, alguém a quem apenas se está a cobrar o que recebeu por empréstimo de um ente público, sem falar do mau uso do erário.
Na tentativa de tentar compreender a postura de quem tende a transformar o culpado em vítima, levantamos a questão da ética, que em nosso entender deve estar sempre presente em qualquer acção política, por mais que se advoga esta, a política, como o palco de/e para tudo e todos.
E é isso que está a acontecer com alguns dos nossos pseudo “animais políticos”, que num exercício caracterizado por demonstração de sintomas de amnésia política (?), decidiram apresentar como “santas”, as mesmas pessoas que, num passado recente eles mesmo apresentaram como integrantes da corte que se apoderou de bens públicos para conforto pessoal e, mais grave que isso, hoje, os outrora privilegiados, não passam de meros coitados, a quem a justiça persegue de forma selectiva, com motivações políticas.
Sendo desta forma que, como disse alguém, esperamos ter um ano político interessante, mais emocionante e com boas jogadas políticas - e oxalá que seja -, é imperioso apelar a elevação da consciência dos actores políticos, cuja responsabilidade vai além da mera vontade de ser poder, por via do SPS, “Só Para Contrariar”.
Não se deve aceitar, a troco de nada que não tenha valor superior ao sacrifício que custou a liberdade de Angola, que presumíveis culpados do arrombo dos cofres públicos sejam elevados à condição de vítimas, encobertos na expressão que faz o título deste texto: Deixa lá a/o coitada/o!
Deve ficar bem patente que as acções em curso em Tribunais, seja quem for o visado, até prova em contrário, não é mais do que o exercício do princípio da separação de poderes estabelecido pela Constituição da República de Angola, que para o caso em apreço, vê a PGR a tentar apenas reaver o que o Estado diz perder, de forma ilícita e corrupta, para alguns cidadãos, muitos.
Aqui chegados, impõe-se aos actores na condição narrada ao longo do texto, a interpretação e aplicação da ética como uma agrupação de virtudes e capacidades a adquirir e aperfeiçoar, ou seja, uma busca de excelência profissional, e nada de manias como “Deixa lá a/o coitada/o”, pois, se tirou, devolve.