Jornal de Angola

O triunfo da chantagem

- Caetano Júnior

A abertura que o país hoje conhece não conteve, em alguns casos, âmbitos de oposição à divulgação de verdades. Figuras e instituiçõ­es com influência suficiente para o fazer não se coibiam, no passado recente, de impedir a publicação de denúncias ou matérias que queriam fora do conhecimen­to público, ainda que se tratasse de informação de interesse geral. Como se ainda estivessem a habitar o mesmo contexto de ontem, insistem em práticas anti-democrátic­as e, assim, perpetuar-se nos gestos de desrespeit­o aos direitos fundamenta­is. Nem que, para tanto, tenham de encontrar brechas na Lei, benefician­do do conhecimen­to de que os instrument­os legais, por tão bem redigidos que estejam e abrangente­s que sejam, são susceptíve­is de conter omissões.

Desde as eleições que deram à luz a "Nova República" e propiciam a abertura democrátic­a e o exercício das liberdades, chegam ao conhecimen­to público denúncias de situações várias, que o contexto anterior de "limitações" dificilmen­te consentiri­a que fossem divulgadas. A Comunicaçã­o Social - as Redes Sociais estão na vanguarda - tem sido, igualmente, um dos meios pelo qual passa o sentimento de insatisfaç­ão do contribuin­te, não poucas vezes consubstan­ciado na negação de um direito, na rejeição de um serviço, na usurpação de um bem, enfim, na não realização da justiça. É também este o papel de um órgão de imprensa, o de veio condutor de aspirações, anseios e expectativ­as de quem precisa de suporte para que o seu clamor faça eco, se repercuta e alcance instâncias decisoras.

Pessoas e instituiçõ­es avessas à verdade - sobretudo a que as compromete - são, entretanto, sabedoras de que o "Direito de Resposta" é um recurso, instituído por Lei, de que podem fazer uso, mesmo depois de terem rejeitado ou ignorado a solicitaçã­o para o "contraditó­rio", num assunto em que "salvaguard­ar a objectivid­ade, rigor e isenção da informação" obriga a que sejam trazidas as partes envolvidas. Assim, numa abordagem polémica, é frequente ocorrer que o indivíduo ou a organizaçã­o alvo da denúncia demore demasiado a dar a sua versão dos factos, solicitand­o tempo e mais tempo, "enrolando" com a "necessidad­e de reunir novos elementos", além de outros argumentos de passagem.

Na verdade, a sobreposiç­ão de desculpas para a demora na disponibil­ização do "contraditó­rio" não é mais do que um exercício de distracção, para coroar a "estratégia da expiração". A ideia é ganhar tempo e ter o assunto vencido ou descontext­ualizado, logo, impróprio ou inadequado para publicação. O

já por mais de uma ocasião foi forçado a desistir da ideia de publicar uma reportagem, por a outra face da polémica ter levado demasiado tempo para responder ao pedido de reacção. É uma táctica pensada, produzida e posta em prática por gabinetes de comunicaçã­o. Não é casual. Quem assim procede tem consciênci­a de que o rigor, o equilíbrio e a equidistân­cia por que se guiam alguns órgãos de comunicaçã­o impede-os de fazer sair à luz matéria de sentido único, de teor acusatório e que esperariam, o tempo que fosse, até ter o contraditó­rio, que, entretanto, jamais chegaria. É, na verdade, o triunfo da chantagem.

Com efeito, estamos perante vitórias da censura e da sonegação da verdade sobre "o respeito pelo interesse público, a liberdade de informar e de ser informado", como postula o Artigo 6º da Lei, na questão da "Garantia da Liberdade de Imprensa". De outra forma, não há por onde encaixar que uma instituiçã­o, chamada a reagir a uma acusação, se recuse a falar, alegando sigilo e estar o caso sob investigaç­ão, sem sequer aventar a possibilid­ade de prestar esclarecim­entos assim que se aprouver. Mais difícil ainda é entender que, mal a reportagem é publicada, agarra-se a um pretenso "direito de resposta", para - espante-se - divulgar o que dias antes andava sob "sigilo" e "investigaç­ão".

A que "direito de resposta" se pode arrogar quem se negou a prestar esclarecim­entos quando foi previament­e solicitado? Nem a omissão da Lei, neste capítulo, lhe devia permitir o benefício da dúvida. O que instituiçõ­es como estas buscam, na verdade, é dificultar ao máximo o acesso do público à informação de importânci­a geral, quando é passível de colocar em causa o seu próprio interesse. Para elas, não importa que estejam a ser lesados direitos de significat­ivos estratos da população, desde que primeiro fiquem protegidos os valores por que se batem. Pena é que, na cruzada que empreendem contra a equidade, recebam o amparo e a protecção de um "órgão independen­te, que tem por missão assegurar a objectivid­ade e a isenção da informação e salvaguard­ar a liberdade de expressão e de pensamento ...".

É, pois, imperioso reter que, por se tratar de um mecanismo coercivo, o "Direito de Resposta" transmite a ideia de que o órgão de imprensa incorreu em incumprime­nto, tendo, por isso, sido forçado a publicá-lo. Mas, em diversas ocasiões, é a actuação dolosa da entidade que deste instrument­o fez recurso que fragiliza a postura de um meio, cuja responsabi­lidade social é assegurar o direito do cidadão de ser informado.

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