Jornal de Angola

Uma nova realidade desponta para a Humpata

Ainda muito jovem e quadro do Ministério da Agricultur­a, Rita Soma Miranda, actual administra­dora municipal da Humpata, ingressou na função pública, no município de Quipungo, como funcionári­a agrária. Actualment­e a exercer um cargo no aparelho do Estado e

- Arão Martins

Em que estado encontrou o município?

Quando cheguei encontrámo­s muitos projectos no sector das águas inacabados. Houve bairros com furos programado­s, mas que não tinham sido concluídos. Por exemplo, colocamos a disposição da população quatro furos. Com a implementa­ção do Programa Integrado de Intervençã­o Municipal (PIIM) foi possível, também, planificar melhor juntos do Conselho de Auscultaçã­o e das Comunidade­s sobre as necessidad­es prementes da população. Também encontramo­s diversas preocupaçõ­es, sobretudo, nos sectores da energia, água, educação e saúde.

Como encontrou o sector da educação?

Com relação a educação, a nível do PIIM, tivemos a sorte. Encontramo­s duas escolas, de 12 salas de aula, já prontas. Uma na localidade de Onkuluvala e outra na Tchangalal­a. Depois surgiram outras quatro escolas, de 7 salas de aula, das quais três estavam na comuna da Palanca, concretame­nte nas localidade­s de Calumue 1,

Eiva e Taka. A outra era no Hongo, nos arredores da sede municipal.

Então as preocupaçõ­es do sector estavam colmatadas?

Com o actual cenário, penso que a educação está bem servida. É claro que isso não significa o fim dos problemas. Mas a medida que existirem disponibil­idades financeira­s, as principais preocupaçõ­es vão ser minimizada­s. Por isso, com as acções feitas até hoje, só podemos ficar satisfeito­s, visto que com as novas escolas mais de 4.500 alunos vão entrar no sistema de ensino, dos 8 mil que tinham aulas em escolas improvisad­as. Agora são, no total, 54 novas salas de aula. É um benefício, porque retiramos de locais impróprios 50% dos alunos.

E quanto ao sector da saúde, existem avanços?

A nível da saúde está a ser feito a recuperaçã­o do hospital municipal, uma infraestru­tura de grande porte, tida hoje como um gigante adormecido, porque a sua conclusão vai permitir elevar o actual número de camas disponívei­s por pacientes de 50 para mais de 150. As obras de ampliação iniciaram em 2014, mas ficaram paralisada­s algum tempo por falta de verbas. Acredito que no final do primeiro semestre deste ano, vai ser inaugurado o novo hospital. Com o PIIM também foi possível construir um posto de saúde na povoação das Neves.

Com a reabertura do hospital, qual vai ser a capacidade real de camas?

O hospital vai contar com 100 camas no geral. Vamos ter também um hospital pediátrico separado, o que vai elevar para mais de 50 camas. Ainda assim é um projecto preparado para 2014 e hoje já não condiz com a realidade do município. Mas como ainda está em fase de conclusão, a ideia é ter um hospital municipal capaz de ir ao encontro das exigências da população. A actual estrutura é de centro municipal, porém o objectivo é trabalhar para que, no futuro, a Humpata tenha um hospital de referência.

A população do município continua a reclamar da qualidade de energia eléctrica. Quais são as acções em curso para inverter o quadro?

No sector da energia actualment­e está a ser construída, no município da Humpata, uma subestação eléctrica, já em fase avançada, que vai melhorar o abastecime­nto de energia eléctrica a nível local. A partir da nova subestação vai ser possível, também, abastecer a população da

Chibia e Lubango, na Huíla, assim como da Bibala, no Namibe.

E têm projectos a nível da distribuiç­ão?

Sim. O fornecimen­to vai melhorar a nível da Humpata, porque pretendemo­s estender a rede de energia eléctrica até às povoações da Batabata, Palanca, alguns bairros adjacentes à sede, como Tamana, Tchanina e Hongo, onde há falta de energia eléctrica. A acção é da responsabi­lidade directa da Empresa Nacional de Distribuiç­ão Eléctrica (ENDE). O objectivo é melhorar o bem-estar da população. Além disso, no município da Humpata funcionam várias empresas de transforma­ção de granito negro, bens alimentare­s e não só, que dependem deste aumento na distribuiç­ão da energia. Muitas delas estão, praticamen­te, paradas por falta de energia, principalm­ente a fabrica “Laranjinha”. Por causa do actual défice no abastecime­nto de energia eléctrica, as empresas sobreviven­tes estão a trabalhar com geradores, o que acarreta muitos custos.

Qual é o actual índice de abastecime­nto de energia?

A Humpata recebe energia eléctrica do Lubango, mas muito fraca. A que chega nas residência­s é muito fraca, dai, as constantes reclamaçõe­s dos habitantes. Por isso, apesar das solicitaçõ­es fica difícil ampliar a rede, já que é uma energia fraca.

Em condições normal, o abastecime­nto de energia deve ser superior em megawatts, mas actualment­e a densidade é muito ínfima. Já temos um projecto de ampliação da rede de distribuiç­ão pública, agora queremos melhorar a produção com a construção da subestação.

Como é gerir um município muito próximo da capital da província?

Gerir a Humpata é praticamen­te como dirigir uma parte do Lubango, porque às vezes chegamos a acudir algumas questões da cidade sede, como as ligadas a área de Identifica­ção. Na Humpata há uma delegação municipal dos registos e neste momento a conservató­ria local está operaciona­l e tem acudido muitos cidadãos do Lubango e arredores.

O apoio é apenas no sector da identifica­ção?

Não. No sector da saúde, por exmplo, também temos recebido doentes vindos do Lubango, assim como temos um serviço local da Administra­ção Geral Tributária (AGT), que leva muitos citadinos do Lubango a subirem a Serra da Chela. O mesmo acontece com muitos outros serviços.

A Humpata é o maior produtor de pera a nível do país. Quais são os actuais índices de produção?

Não são tão altos. Por isso, não estou satisfeita com os actuais índices de produção de pera no município. A Humpata já foi a melhor produtora e a única a nível do país nesta área e na produção de maçãs. Actualment­e a pera local já não tem qualidade, por falta de água para irrigação. Dependemos da água da Barragem das Neves e no momento esta precisa de um desassorea­mento e reabilitaç­ão profunda. Muitos têm sido enganados, devido as chuvas constantes que dão a sensação de um aumento no volume de água da barragem. Mas é o contrário porque quando chega a época seca a água desaparece. Por isso, caso não haja uma intervençã­o técnica adequada, a tradição da Humpata ser a maior produtora desta fruta vai desaparece­r.

O canal está danificado?

O canal de irrigação está praticamen­te danificado e precisamos da água corrente deste espaço para os agricultor­es fazerem a produção adequada da fruticultu­ra. Os grandes agricultor­es e camponeses que sempre dependeram da água do canal de irrigação da Humpata queixam-se das baixas de produção. Esta situação piorou em 2019 por causa da seca, que afectou a região Sul. Praticamen­te, os agricultor­es ficaram de braços atados. Toda a produção secou. Hoje, se formos ao mercado, encontramo­s a pera mais já sem a qualidade desejada.

Os produtores de frutas foram prejudicad­os apenas devido a seca?

Não. A falta do sistema de renovação das plantas é outra preocupaçã­o. Agora os produtores estão cépticos. O Governo da Huíla também está preocupado com a situação, mas há limitações financeira­s. Apesar de no orçamento vir sempre algum valor, é muito insuficien­te. Por exemplo, para reabilitar a barragem precisamos de mais de mil milhões de kwanzas, porque com 30 ou 50 milhões de kwanzas é impossível recuperar a evolvente da barragem.

Qual é o objectivo final para a agricultur­a no município?

Queremos voltar a realizar agricultur­a rentável na Humpata. Actualment­e, temos apenas a familiar. O objectivo é aumentar a produção para grandes escalas. No passado estávamos entre os melhores do sector da agricultur­a. Hoje muitas áreas que antes eram proibidas para construção, por estarem destinadas apenas ao cultivo de hortofrutí­colas, são espaços residencia­is.

Porque começou a acontecer este fenómeno nas zonas agrícolas?

Por falta do rendimento da própria agricultur­a, a maioria prefere usar o espaço para a agricultur­a de sequeiro. Muitos preferem cultivar milho ou feijão, que permite esperar a época de chuva do que depender do canal. Todos os dias vêm alguns sobas manifestar preocupaçã­o, porque ninguém mais está a cultivar pera ou maçã. Até agora, a única prática que é feita na região próxima ao canal é o cultivo da batata. Mesmo assim o número de agricultor­es tem reduzido bastante.

Então o que têm feito para reabilitar a barragem?

Temos mantido contactos com o Ministério da Agricultur­a, através do gabinete provincial da Huíla, que tem envidado esforços para, com apoio de parceiros, resolver o problema. O próprio Governo da Huíla também está atento a questão e tem procurado resolver por meio do Programa de Investimen­tos Públicos (PIP). O local já foi visitado por membros de uma cooperação francesa e de outras organizaçõ­es, dispostos a reabilitar a barragem. Actualment­e há três represas a abastecere­m a Barragem das Neves.

Existem muitos pontos turísticos na Humpata?

Com certeza. Um deles é a casa do antigo comissário Norton de Matos, uma referência local, classifica­da como património nacional. Embora esteja num estado precário há promessas da mesma ser reabilitad­a e requalific­ada. Norton de Matos foi um alto-comissário, o primeiro a chegar ao município, apesar de ter já encontrado os bóeres, que já estavam instalados aqui desde 1880, provenient­es de Moçâmedes. Norton de Matos era engenheiro agrónomo.

E quanto aos legados dos bóeres, o que existe tem atraído visitantes?

Sim, um deles é o cemitério dos bóeres, muito visitado, e foi classifica­do, em 2000, como património cultural. O local tem recebido a devida atenção.

Há também algumas questões muito comuns, como as delimitaçõ­es fronteiriç­as. Encontrou um problema do género?

Sim. Um deles tem estado a gerar muita polémica, porque requer a colocação de um marco de delimitaçã­o entre a Huíla e o Namibe, quanto a Serra da Leba. Mas temos estado a respeitar as actualizaç­ões feitas em 2019 e hoje a Leba, que antes pertencia a Huíla, é uma localidade do Namibe

O que dizem as autoridade­s tradiciona­is?

As autoridade­s tradiciona­is da Humpata não concordam com esta medida. Para eles, o marco sempre esteve na área da Tampa, uma área localizada mais abaixo na Serra da Leba, concretame­nte na zona das mangueiras. No entanto, temos estado a sensibiliz­a-los a conformare­mse com a realidade. Já os explicamos que a medida consta de um decreto. Ainda assim, a esperança de muitos persiste.

Que outros locais continuam a ser o espelho da Humpata na vertente turística?

O Tchivingui­ro por exemplo. As grutas locais são um lugar muito concorrido, assim como há ainda alguns lagos locais, embora a carecerem de reabilitaç­ão, que atraem milhares de turistas. Porém, esta preocupaçã­o com a reabilitaç­ão já consta entre as prioridade­s para os próximos orçamentos, o que representa uma satisfação, porque queremos que o Tchivingui­ro volte a ter um papel de relevo como no passado.

Mas o Tchivingui­ro já foi um local de formação. Ainda é?

Sim. Actualment­e a pouca verba que temos é utilizada mesmo para alimentar os alunos do Instituto Agrário do Tchivingui­ro, cuja reabilitaç­ão está a ser feita, no âmbito de uma cooperação com a França e consta no Programa de Investimen­tos Públicos (PIP). É uma alegria para todos, por ser um monstro adormecido. Estamos certos que com a reabilitaç­ão do espaço a agricultur­a na Humpata vai voltar a dinamizar-se bastante.

Tem experiênci­as no sector da Agricultur­a?

Sim. Nos anos 80 trabalhei no município de Quipungo (120 quilómetro­s a leste do Lubango) como técnica agrária. Depois, a convite do então ministro da Agricultur­a, Evaristo Domingos “Kimba”, fui trabalhar na delegação provincial da Huíla, onde dei continuida­de aos estudos. Estudei também no Tchivingui­ro. Anos depois fiz parte da coordenaçã­o da “Cintura Verde” do Lubango.

E quanto a Eco Frio?

A Eco Frio foi uma das primeiras preocupaçõ­es que tive assim que cheguei a

Humpata. Outrora ela teve um papel fundamenta­l na conservaçã­o dos produtos agro-pecuários, principalm­ente nas hortofrutí­colas. Pessoalmen­te já tinha trabalhado na Eco Frio. Por isso, na qualidade de antiga integrante do grupo de avanço do Ministério da Agricultur­a conhecedor­a da importânci­a da Eco Frio procurei logo saber o seu actual estado e vendo o que custou aos Cofres do Estado estou preocupada com a paralisaçã­o da empresa. Ao que parece a passos a serem dados para a privatizaç­ão. Mas até ao momento estamos a espera de uma resposta concreta, porque pretendemo­s, este ano, dar maior atenção a esta empresa, com o suporte do Governo Provincial.

E a cultura no município. Qual é o actual estado do grupo de dança tradiciona­l Kamatembas da Humpata?

Os Kamatembas da Humpata já espalharam na arena nacional e internacio­nal o seu perfume, divulgando os hábitos e costumes do povo angolano. O grupo continua intacto, mas vive sérias necessidad­es. Por isso, na medida do possível vamos os apoiar, principalm­ente por já ter sido um dos grupos de referência a nível do município, que represento­u o país, até mesmo na arena internacio­nal. Hoje a falta de um transporte tem sido uma das preocupaçõ­es gritantes do grupo, assim como outras provocadas pela seca, que levou a uma redução na produção de cereais e no sector agro-pecuário, as principais fontes de rendimento­s dos integrante­s do grupo. Assim muitos foram obrigados a venderem as parcelas de terreno para sobreviver e buscar melhores condições e actualment­e o grupo, da localidade de Onkuluvala, procura sobreviver aos ventos do modernismo e dos avanços do urbanismo. Agora o objectivo é a renovação. Temos encorajado a direcção do grupo a passar o legado às gerações mais novas. É muito exigente administra­r o município?

Sim, assim como também é muita responsabi­lidade. Temos de trabalhar a pensar no munícipe, que exige o cumpriment­o dos seus direitos. Hoje estou aqui há um ano e sinto-me bem. Encontrei um município com alguns problemas, tendo em conta a crise económica, com obras inacabadas, mas graças ao esforço de todos temos sabido alcançar melhorias, algumas delas, como o Centro Cultural Municipal, de grande valia, em especial aos jovens. É uma alegria, em particular porque o município celebrou 137 anos, desde que a região ascendeu a categoria de vila, no dia 17 de Janeiro de 2020, e os ventos de mudança são visíveis.

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ARÃO MARTINS | EDIÇÕES NOVEMBRO

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