Jornal de Angola

Dificuldad­es não travam vontade de vencer na vida

Portador de deficiênci­a física desde muito novo, Adão Ramos Manuel não se deixou vencer e mesmo de gatas percorria quilómetro­s para ir à escola

- Rui Ramos DR

Adão Ramos Manuel nasceu nos anos 70 no musseque Secil, hoje bairro Ndala Muleba.

Os pais tiveram 8 filhos, ficando apenas 5 em vida. O pai era operário, um dos primeiros trabalhado­res da antiga Secil do Ultramar, onde trabalhou como serralheir­o mecânico, e a mãe, hoje com oitenta anos, foi peixeira e camponesa, fazendo venda de rua para ajudar no sustento da casa.

O bairro e a família em que nasceu eram muito pobres. No musseque Secil não havia escola, nem hospital, nem energia eléctrica.

Aos 5 anos Adão Ramos Manuel contrai poliomieli­te. Os pais nunca se envergonha­ram dele, já que ter um “aleijado” em casa, como se dizia, era visto como castigo ou maldição por algum mal praticado pelo pai, pela mãe, ou por ambos.

“A minha família nunca cedeu aos falatórios e não exageraram na minha protecção, não me superprote­geram, deixaram-me à vontade, passear e brincar com os outros”, lembra Adão Ramos Manuel. “A minha mãe fazia questão de andar comigo a pé, eu em posição de gatas, para ajudar a enfrentar os insultos e inserir-me no seio dos outros, sem me sentir inferior, o que foi muito importante para eu vencer na vida. Os meus pais eram tão pobres que não tinham como comprar uma cadeira de rodas ou um triciclo.”

Hoje o único insulto que o abala, diz Adão Ramos Manuel, é a falta de cultura de inclusão na sociedade e a tentativa velada de invisibili­dade das pessoas com deficiênci­a, “a indiferenç­a das autoridade­s governamen­tais em relação a nós, o resto é resto, consigo manter a minha auto-estima bem alta e o espírito de luta inabalável.”

Em casa ouviam as notícias da rádio Angola Combatente. Falava-se da guerra, especialme­nte da FNLA, de que era militante o pai da mãe, Pedro de Azevedo, mais conhecido por Zundo, que andava desapareci­do há muitos anos. O ambiente era algo politizado, pois os pais eram fervorosos militantes do MPLA, “a mãe militou na OMA em Cacuaco até à exaustão, até perder forças para andar, mas hoje ninguém a conhece”.

Então, explica, este ambiente teve nele o efeito de

“revu”, já na primeira classe ele era rebelde. “A minha vida foi sempre muito difícil, sobretudo quando chegou o momento de entrar para a escola. Tinha de percorrer cerca de três quilómetro­s de gatas, pois ter uma cadeira de rodas ou um triciclo era uma miragem.”

A 3ª e 4ª classes passaram para a tarde, ia à escola debaixo de um sol ardente e chão muito arenoso e quente. Quando passou para a 5ª classe, foi estudar em Cacuaco, onde havia a única escola do 2º e 3º ciclos do município, lá estudou da 6ª à 8ª classes, mais tarde a escola foi convertida em Instituto Médio Normal de Educação e aí continuou da 9ª à 12ª classes, sem nunca reprovar.

Todo este trajecto de vida foi feito com extremas dificuldad­es, pois vivia no Bairro da Cimangola (ex-Secil), a distância já não era possível percorrer a pé, movia-se como podia, cada metro de caminho uma tortura, era mais ou menos um quilómetro até à paragem e aí ficava à espera de boleia: autocarro, carrinha, camião. “Eu entrava às 13h, mas tinha de sair de casa às 10h, porque ficava muito tempo na paragem.”

Até à 11ª classe Adão Ramos Manuel nunca teve material escolar completo, fazia as provas com lápis. “A minha primeira cadeira de rodas foi comprada na 11ª classe, quando já trabalhava com a PSI Angola, num projecto implantado em 20 escolas do ensino médio e préunivers­itário, “Dar Poder aos Jovens para Praticarem Sexo Seguro”, virado para o VIH/Sida, de que era o coordenado­r.”

Adão Ramos Manuel sempre foi muito participat­ivo. Foi da OPA, foi membro da União Nacional dos Estudantes Angolanos e da Associação Angolana do Ensino Médio. Ainda na Cimangola, criou o Clube Juvenil Amantes da Liberdade (CLUJAL), com Miguel Panzo, William Lamba, Américo Vaz, André Manuel, Joaquim Jaime José, Zeca Branco Dias, Porfírio Mambo, o que lhes custou alguns amargos, “porque uns miúdos falarem de liberdade era coisa de agitação”.

Participou na criação da Juventude do Amplo Movimento de Cidadãos, de que é dirigente e secretário executivo William Tonet.

Na Faculdade de Letras e Ciências Sociais, onde estudou Ciência Política, foi também muito activo. “Sou uma pessoa de causas nobres, de lutas pelo bem-estar e qualidade de vida de todos, vou continuar a bater-me em prol da inclusão das pessoas com deficiênci­a.

A extrema pobreza e a limitação física nunca foram factores que me impedissem de viver normal e positivame­nte, nem de me oferecer aos outros. Às pessoas com deficiênci­a imploro que não se deixem abalar pela indiferenç­a, discrimina­ção ou preconceit­o. Acreditem, nós somos capazes e podemos!”

Em 2004, foi admitido na UNITEL, onde trabalha até hoje, volvidos 16 anos.

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