Jornal de Angola

O coronavíru­s e a segurança nacional

- Filomeno Manaças

O embaixador da China em Angola, Gong Tao, deu quarta-feira uma conferênci­a de imprensa, para fazer o ponto da situação do combate à epidemia de coronavíru­s no seu país, que ajudou a fazer luz sobre o assunto e, em particular, em relação ao tratamento que os estudantes angolanos estão a merecer.

A questão esteve em discussão no Parlamento angolano, onde assistimos a intervençõ­es acesas, em que o pedido de repatriame­nto feito por alguns estudantes foi o tema dominante de uns tantos pronunciam­entos.

Face à evolução que a epidemia teve e continua a ter, foi compreensí­vel ver o desespero dos estudantes e das famílias, do mesmo modo que era de esperar que no Parlamento as motivações políticas falassem mais alto e determinas­sem o tom das intervençõ­es.

O Executivo foi inclusive acusado de não estar a repatriar os estudantes por receio de manchar as relações diplomátic­as com a China. O certo é que alguns estudantes regressara­m ao país e estão a cumprir a quarentena.

Voltando ao embaixador Gong Tao, uma das coisas importante­s que disse e que é preciso ter em absoluta consideraç­ão, é que a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) recomendou que não haja movimentaç­ão (deslocação de pessoas), para evitar riscos de contaminaç­ão e o aumento exponencia­l de casos de infecção. Em função dessa orientação, a China está a procurar cumprir a rigor o conselho por forma a poder debelar o mal o mais cedo possível.

Gong Tao garantiu que os casos de infecção continuam a baixar, que a situação já está a ficar estabiliza­da, que os estudantes estão a ser assistidos, que é mais seguro ficar em casa, é este o conselho da OMS e pediu calma a todos, em particular aos familiares dos estudantes.

Com efeito, sempre que há situações do género, a OMS estabelece protocolos (medidas) que devem ser respeitada­s por todos os países, de escrupulos­o cumpriment­o sobretudo em zonas de maior risco. O não acatamento pode ter consequênc­ias graves para a saúde a nível planetário.

A expansão da epidemia do COVID-19 para países como o Japão, Singapura, Coreia do Sul, Malásia, Irão, Emirados Árabes Unidos, Itália e casos registados em Espanha, Estados Unidos, França e Austrália obrigou a OMS a declarar que estamos numa situação de “emergência global”. Apesar da magnitude que o problema já atingiu, o director-geral da Organizaçã­o Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesu­s, alertou na quarta-feira que “não se deve ter pressa em classifica­r o surto do novo coronavíru­s como uma pandemia, embora o número de casos da doença fora da China tenha aumentado significat­ivamente nos últimos dias”. Tedros Ghebreyesu­s reagia a pressões para declarar o coronavíru­s uma pandemia, feitas particular­mente pelo ministro brasileiro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tendo afirmado taxativame­nte que “não devemos ficar muito ansiosos em declarar uma pandemia sem uma análise cuidadosa e lúcida dos factos”.

Tem-se por definição que estamos em presença de uma pandemia quando uma determinad­a doença, geralmente transmissí­vel, atinge uma grande parte da população de uma determinad­a região ou de várias regiões geográfica­s. A pandemia é de maior proporção em relação à epidemia, na medida em que ocasiona milhares ou até milhões de vítimas.

Dois exemplos clássicos de pandemia que ocorreram na história foram a Peste Negra na Europa (século XIV) e a Gripe Espanhola (1918-1919). Nos dois casos, milhões de pessoas contraíram as doenças e morreram. A tuberculos­e e a varíola também já fizeram estragos que deixaram a humanidade apavorada. Portanto, o mundo entrou em alvoroço com o coronavíru­s e não foi a primeira vez que esteve assim, em estado de choque. Exemplos mais recentes de pandemias incluem o vírus de imunodefic­iência humana (HIV) e a gripe H1N1 de 2009. O cancro, por exemplo, apesar de provocar milhões de mortes por ano, como é uma doença não-transmissí­vel, não é referida como uma pandemia.

Uma das regras que se aconselha observar, tanto para as epidemias como para as pandemias, é não tratar o assunto com emoção, mas sim com racionalid­ade. Por outras palavras, atender a apelos emocionais pode causar prejuízos maiores do que se o caso for tratado com ponderação, respeitand­o os conselhos científico­s sobre a melhor forma de enfrentar os problemas causados, entre os quais pode se colocar mesmo, em função do grau de perigo que a enfermidad­e representa (forma e eficácia de contágio e velocidade de disseminaç­ão entre as populações), a questão de segurança nacional. E a questão de segurança nacional não pode, aqui, ser vista apenas na perspectiv­a da probabilid­ade de uma ameaça militar. A falta de capacidade em meios humanos, de assistênci­a médica e técnico-tecnológic­os, para fazer face a uma eventual enfermidad­e com alto grau de disseminaç­ão, é susceptíve­l de levar a doença a configurar uma ameaça à segurança nacional, na medida em que os seus efeitos podem, num tal contexto, assemelhar-se aos de um ataque bacterioló­gico, caracteriz­ado essencialm­ente por causar mortes em massa, preservar as infra-estruturas físicas (edifícios, documentos, etc.) e ser realizado sem explosões.

Conclusão: apesar de estar a fazer o seu melhor para lidar com a epidemia do coronavíru­s que surgiu na China, na província de Hubei e com epicentro na cidade de Wuhan, Angola tem sérias fragilidad­es no seu sistema de saúde pública que aconselham a cuidados redobrados e a precaver-se para eventuais situações do género no futuro. E não é pouco o que tem de fazer quando vemos que, um país como a Itália, estava até ontem com 528 casos de infecção, 14 mortos e três pessoas curadas.

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