Jornal de Angola

Pequenos negócios entram em crise

No bairro Vida e Sacrifício, muitos quilómetro­s depois de Ambuleia, dois irmãos, José Francisco e Francisco José, encostados a uma árvore, miravam o asfalto. Ninguém passava a palavra ao outro. Estavam calados, tristes

- José Bule

Judite é “chalada”. Não se cansa de contar histórias de viajantes, que paravam na aldeia Ambuleia e refrescava­m a garganta na sua bancada, e de outros que desciam a correr para fazer “xixi” ou mesmo dar uma dibucada (defecar). Ela conta que vários passageiro­s e motoristas descem das viaturas a correr e disparam a urina para qualquer direcção, molham as calças e defecam nas cuecas.

“Metem cintos muito apertados e depois já não conseguem abrir. São muitos que já se cagaram e se mijaram aqui”, sublinha Judite, que, aos 26 anos, conta com dois filhos pequenos, e já está grávida do terceiro.

Na aldeia Ambuleia, localizada a mais ou menos 10 quilómetro­s da cidade de Caxito, para quem sai de Luanda ao Uíge, Judite montou uma bancada de chapas, onde comerciali­za bebidas alcoólicas, refrigeran­tes, e também verduras e frutas.

Apesar da sua boa disposição, a jovem está triste com a prorrogaçã­o do Estado de Emergência. “O meu negócio está parado. Já não tenho mais clientes, porque as pessoas estão proibidas de viajar. Esses dias só estão a passar naqueles táxis que fazem ‘lavra-lavra’ e noutros que saem de Caxito até Úcua ou Piri”, explica.

“Os nossos clientes costumam vir do Uíge. Como já é perto de Luanda, se refrescam mesmo já aqui”, dispara Lu, uma mulher de 24 anos, que aguarda pela chegada do segundo filho. “Faltam menos de dois meses”, afirma a jovem, que divide a bancada com a Judite. São primas. Enquanto decorria a conversa com as duas jovens, os filhos chegavam ao local e abraçam-nas.

Com um rapaz às costas e outro nos braços, Teka, a mais velha das manas Judite e Lu, sai do interior da residência e caminha em direcção à bancada. Chegou muda e permaneceu calada. Ajeitou uma cadeira e sentou-se ali com os dois meninos ao colo. “Ela já é mesmo assim, fala pouco”, defendem-na.

No bairro Vida e Sacrifício, muitos quilómetro­s depois de Ambuleia, dois irmãos, José Francisco e Francisco José, encostados a uma árvore, miravam o asfalto. Ninguém passava a palavra ao outro. Estavam calados, tristes.

“Aqui já não temos nada para nos divertirmo­s. E, agora sem movimento na via, vamos fazer mais o quê, se já nem podemos apreciar os carros a passar?”, questiona o mais velho. José Francisco, de 26 anos, diz que deixou de caçar animais como javalis, veados, pacas e jibóias, porque os clientes já não aparecem. “Ouvi no rádio, que a quarentena vai durar mais 15 dias”, lamenta.

Francisco José, de 24, interrompe a conversa para dizer que a doença não pode chegar ao bairro, porque o posto médico em funcioname­nto na localidade não dispõe de medicament­os e nem de pessoal técnico capaz de enfrentar o problema.

“A água daqui não tem qualidade e no posto médico só trabalham dois enfermeiro­s. E, também não temos energia. Alguns têm geradores, mas o combustíve­l é muito caro”, acrescenta o mais velho.

No bairro, os moradores fervem a água da chuva para beber. O fontanário, instalado em 2013, ficou muitos anos avariado. Só voltou a funcionar no ano passado. “Mas aquela água não tem qualidade nenhuma, e nem dá para ferver. A água da chuva é melhor”, garante José Francisco, acrescenta­ndo: “quando não há chuva, bebemos mesmo a água do fontanário”.

Atrás da árvore, o primeiro dos três filhos de José Francisco chupava os dedos e lambia as mãos com muito gosto e satisfação à mistura, mas jura de pés juntos que não tocou em nada que seja delicioso. “Só tenho mesmo vontade de fazer isso”, diz, sorrindo.

A equipa de reportagem do Jornal de Angola avançava em direcção ao Uíge, na quinta-feira, 9 de Abril. A estrada estava livre. Alguns veículos, muito poucos, faziam linhas curtas, Caxito – Úcua, Caxito – Piri, mas outros saíam de Caxito até Quibaxi, e vice-versa, em obediência ao Estado de Emergência, que vigora no país desde 27 de Março, prorrogado na quinta-feira, 9 de Abril, para mais 15 dias de quarentena obrigatóri­a, que proíbe os cidadãos de saírem de uma província à outra.

Na aldeia Camussenga, é cada vez maior o número de vendedoras de produtos agrícolas. O Úcua era paragem obrigatóri­a dos viajantes. Mas agora está às moscas. As barracas de comes e bebes estão encerradas. Quase que não há ninguém nas ruas, apesar de haver no mercado local, que fica ali mesmo na via, grandes quantidade­s de frutas, verduras e tubérculos. No Piri e no Quibaxi, as ruas estão desertas. As vendedeira­s aguardam pelos clientes.

Já não há gente na paragem do São Jorge, onde a maior parte dos viajantes no troço Luanda – Caxito – Uíge, e vice-versa, parava para “matabichar”, almoçar ou jantar.

Do Quibaxe até à ponte sobre o rio Dange, na divisão entre a província do Bengo e do Uíge, a equipa de reportagem do Jornal de Angola não cruzou com uma viatura sequer. O inédito foi ver que, no controlo policial não havia nenhuma viatura estacionad­a, apreendida.

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