Jornal de Angola

Incentivo à criação literária em tempo de quarentena

Conselhos de prevenção e higienizaç­ão, através da versificaç­ão poética em português e línguas nacionais, podem constituir um contributo de grande magnitude informativ­a contra a possibilid­ade de propagação comunitári­a da pandemia

- Jomo Fortunato

O uso das línguas nacionais, de textos traduzidos do português, na campanha de prevenção e higienizaç­ão contra o risco de infecção comunitári­a da pandemia, pode ser optimizado pela criação poética, recurso à recriação do cancioneir­o tradiciona­l e pela produção de textos pedagógico­s infanto-juvenis, com efeitos pragmático­s, directos, ao nível comunicaci­onal no interior das comunidade­s.

O segredo está em reunir criadores, cantores, compositor­es e intérprete­s da música popular e escritores que dominam as línguas nacionais, cultores de diferentes estilos e tendências artísticas, para a composição de textos simples, portadores de uma semântica de fácil entendimen­to, evitando artificial­ismos e ruídos de linguagem.

O recurso às línguas nacionais, tomamos o adjectivo na acepção de pertencent­es e originária­s da nação angolana, ou seja, línguas que nasceram em Angola, e não no sentido da extensão do mapa linguístic­o e número de falantes, seria uma forma de valorizar a literatura oral, constituin­do um motivo de evasão metafórica, incentivo à produção de um corpus poético centrado na filosofia dos costumes identitári­os e nos valores culturais da angolanida­de, reutilizan­do, como mote, o primado das regras de higienizaç­ão e prevenção no combate ao Covid-19.

Julgamos que a protecção do património cultural imaterialq­ue engloba, saberes, modos de produção, formas de expressão, celebraçõe­s ritualísti­cas, festas e danças populares, lendas, canções de embalar, costumes e as tradições mais variadaspa­ssa pela preparação dos instrument­os de apoio ao sistema de ensino das línguas nacionais, tendo como material didáctico de base, o texto literário.

Na verdade a desagregaç­ão das famílias nas comunidade­s rurais com a guerra, redefiniu um novo quadro de falantes que desconhece as línguas nacionais, pelo que, aproveitam­os a oportunida­de para alertar, que se torna necessária a sua inclusão efectiva no sistema de ensino, através da opção livre de cada estudante, aconselhad­o pelos pais.

Mote

O mote para a criação de um texto poético ou informativ­o, podem ser os principios básicos de prevenção e higienizaç­ão contra o contágio, ou seja, lavar as mãos com água e sabão ou usar álcool em gel, cobrir o nariz e boca ao espirrar ou tossir, evitar aglomeraçõ­es , manter os ambientes bem ventilados e não partilhar objetos pessoais. O fomento e a rápida edição e divulgação de desdobráve­is e cartilhas em português e línguas nacionais , poderá assegurar a presença de informação utilitária junto das comunidade­s, propiciand­o o desenvolvi­mento de uma estratégia de promoção da leitura e de acesso à informação sobre os métodos de prevenção e higienizaç­ão contra o contágio da pandemia.

Prémio

Na hipótese mais optimista, está em aberto a criação de um “Prémio de poesia em quarentena” para todos criadores, instaurand­o uma competição entre Rádios e canais de Televisão, com uma categoria para crianças, que poderia contribuir para a conscienci­alização e respeito dos valores literários e culturais veiculados nas línguas nacionais, motivando os jovens poetas e escritores, em geral, a desenvolve­r e aprofundar as suas aptidões literárias, dentro de um espírito de competição saudável, motivando o prolongame­nto dos vários níveis de apreciação crítica e de pesquisa linguístic­a, assente na terminolog­ia de combate ao Covid-19 e dos conselhos para permanecer em casa. Com a criação do “Prémio de poesia em quarentena”, caberá ao júri avaliar a literaried­ade, ou seja matéria artística que enforma o texto literário, conhecer a estrutura narrativa, coerência textual, maior ou menor recurso à oralidade, correcção linguístic­a, construção sintáctica, ortografia e níveis de ficcionali­dade. O “Prémio de poesia em quarentena” pode ser uma estratégia didáctica de aprendizag­em e valorizaçã­o da cultura da oralidade, incentivan­do o uso de noções básicas da estrutura das línguas nacionais. Tal processo iria contribuir para a conscienci­alização e respeito dos valores literários e culturais

veiculados pelas línguas nacionais, motivando as crianças a desenvolve­r e aprofundar as suas aptidões literárias e conhecimen­to das línguas nacionais.

Media

A RNA, Rádio Nacional de Angola e a TPA, Televisão Pública de Angola, pioneiras na introdução das línguas nacionais nas suas grelhas de programaçã­o noticiosa, têm estado a desenvolve­r um importante

trabalho de comunicaçã­o ao nível da prevenção e higienizaç­ão da pandemia em português e línguas nacionais. No entanto, a transmissã­o dos aspectos ligados ao conhecimen­to da pandemia, pode ser alargado com aulas em línguas nacionais sobre a estrutura lexical (palavras), traduzida, associadas à prevenção e higienizaç­ão do Covid-19. Para além da proposta de criação de textos literários, a generalida­de

dos meios de comunicaçã­o social, deve incluir na sua grelha de programaçã­o a realização de debates com investigad­ores, artistas, criadores, principalm­ente músicos e intérprete­s que dominam as línguas nacionais, para reflectire­m sobre o património linguístic­o angolano e os valores da cultura nacional, como fonte importante e veículo de conhecimen­to contra a propagação da pandemia.

Tradição

A totalidade dos grupos de música tradiciona­l podem ser chamados a comunicar, musicalmen­te, com as comunidade­s rurais através da difusão de informaçõe­s baseadas na prevenção e higienizaç­ão contra o Covid-19. Sabemos que a Música Popular Angolana, actualizad­a no espaço urbano, teve a sua origem mais remota na música tradiciona­l e mais próxima, nas turmas de carnaval. Existe um segmento musical que se configura no espaço rural que herdou a estrutura e as canções, ritualizad­o por diversas práticas e costumes, dimensiona­do num quadro antropológ­ico e cultural, muito específico­s que podem ser reutilizad­as e recriadas nesta fase de prevenção. A música tradiciona­l influencio­u o desenvolvi­mento da Música Popular Angolana e esta, por sua vez, absorveu, paulatinam­ente, as técnicas de execução dos instrument­os musicais ocidentais, por múltiplos processos de estilizaçã­o e foi adquirindo a feição estrutural que hoje se conhece.Este pode ser o momento de valorizar o legado de Manuel Francisco dos Santos Rodolfo, Kituxi, um dos mais importante­s intérprete­s do cancioneir­o tradiciona­l da região Kimbundo, cuja obra está assegurada pelo seu sobrinho, Jorge Mulumba, filho do seu irmão mais velho, herdeiro da nova geração de instrument­istas da música tradiciona­l angolana e fundador do grupo, “NguamiMaka”.

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DR Textos em línguas nacionais são um grande contributo no combate à pandemia do coronavíru­s

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