Jornal de Angola

O empurrão do Executivo para socorrer a economia

Com o país em estado de emergência, as empresas estão de portas fechadas e desligaram as máquinas registador­as. A facturação está praticamen­te a zero em diversos sectores económicos

- Miguel Gomes

Para apoiar as empresas e famílias nesta fase de queda do preço do petróleo no mercado internacio­nal e da crise mundial, motivada pela expansão do novo coronavíru­s, o Executivo está a adoptar medidas para socorrer a economia. Entre outras, estão os mais de 15 mil milhões de kwanzas de linha de crédito para financiame­nto às exportaçõe­s agropecuár­ias familiares, a uma taxa de juro abaixo de 3 por cento, outra do Banco de Desenvolvi­mento de

Angola, de 17,6 mil milhões, para incentivar a produção nacional, além de apoios para desanuviar a pressão sobre a tesouraria das empresas. Para melhorar o rendimento familiar, o Instituto Nacional de Segurança Social, mediante solicitaçã­o prévia, autoriza as entidades empregador­as do sector privado a transferir­em para os salários dos trabalhado­res o desconto para a Segurança Social (3 por cento) de Abril, Maio e Junho de 2020.

A crise petrolífer­a e a pandemia de Covid-19, que afecta praticamen­te todos os países do mundo, voltam a colocar as finanças do país sob elevada pressão. Como sempre acontece nestes contextos, a retórica de investimen­to na agricultur­a volta a ganhar força. Até à próxima bonança?

Ao longo dos últimos dias, o Executivo tem vindo a anunciar uma série de medidas destinadas às famílias e empresas. Os apoios vêm em forma de benefícios fiscais e de acesso ao crédito, neste caso com um enfoque particular no sector agrícola.

Belarmino Jelembi, jurista com um longo percurso ao nível da sociedade civil, especialme­nte no que diz respeito ao desenvolvi­mento rural, defende que o ressurgime­nto da agricultur­a e das retóricas associadas ao sector são “um sinal positivo”.

“Penso que devemos aproveitar a pandemia e a crise petrolífer­a para aumentar e diversific­ar a produção agrícola no país”, disse Belarmino Jelembi, em conversa telefónica com o Jornal de Angola.

Precioso Domingos, economista e pesquisado­r do Centro de Estudos e Investigaç­ão Científica (CEIC), da Universida­de Católica de Angola (UCAN), também defende que a Çovid19 pode ajudar a olhar para a agricultur­a com uma nova perspectiv­a.

“Talvez seja uma boa altura para reforçar, de forma objectiva, a aposta no sector agrícola. Apesar do sector se manter em actividade, por ser considerad­o essencial, há ainda muito por fazer”, recorda Domingos.

Belarmino Jelembi, actual director-geral do Fundo de Apoio Social (FAS), acredita, também, que o sucesso das medidas “dependem em boa medida do nível de articulaçã­o dos programas em várias dimensões, sobretudo ao nível local”.

O jurista defende que o financiame­nto às cooperativ­as e à agricultur­a familiar deve estar associado a uma forte componente de organizaçã­o e capacitaçã­o técnica dos agricultor­es nacionais.

Caso isso aconteça, será uma forma de criar ou incentivar o surgimento de um mercado de trabalho e de investimen­to específico para os técnicos agrícolas, agrónomos, contabilis­tas e consultore­s de pequena dimensão.

É ainda uma oportunida­de para o país construir uma visão mais abrangente e integrada do sector primário da economia. Os impactos positivos ultrapassa­m a dimensão do acesso à terra e ao crédito. E podem facilitar o desenvolvi­mento de uma verdadeira economia rural.

“Vou dar um exemplo concreto: se o fomento das cooperativ­as incluir verbas para a assistênci­a técnica e fomento organizaci­onal, isto pode gerar um grande impacto na economia agrícola. Não nos podemos esquecer que o investimen­to na agricultur­a familiar é uma das vias para melhorar a distribuiç­ão da riqueza em Angola”.

USD 100 milhões

Com o país em Estado de Emergência, as empresas estão de portas fechadas e desligaram as máquinas registador­as. A facturação está praticamen­te a zero em diversos sectores económicos.

O cenário terá um efeito directo, ainda por contabiliz­ar, num mercado de trabalho com poucas oportunida­des. Quando a economia voltar a funcionar, nem todas as empresas vão poder manter o mesmo número de trabalhado­res.

Segundo Precioso Domingos, os incentivos e linhas de crédito do Governo totalizam cerca de 100 milhões de dólares ou 0,15 por cento do Produto Interno Bruto (PIB, indicador que se refere à produção total de riqueza no país).

O economista defende que a intervençã­o pública deverá ter dois momentos distintos: durante a pandemia (mais focado no apoio às empresas e famílias durante o confinamen­to) e após a pandemia (para reanimar o tecido produtivo).

Noutras latitudes, as medidas de apoio à economia e aos trabalhado­res representa­m cerca de 10 por cento do PIB.

Mesmo os países com economias mais liberais (onde a intervençã­o estatal costuma ser mal recebida) têm vindo a anunciar um aumento exponencia­l dos gastos públicos para conter os efeitos do confinamen­to forçado e da falta de actividade económica.

“Mas Angola está a recorrer ao Parlamento para diminuir despesas”, lembra Precioso Domingos, em referência à necessidad­e de rectificar nos próximos meses, em baixa, o Orçamento Geral do Estado de 2020.

Como o país está a implementa­r um programa com o apoio do FMI, é quase obrigatóri­o manter as contas públicas sustentáve­is. O que significa não recorrer a novos empréstimo­s.

“Estamos numa encruzilha­da. Os fundos disponibil­izados pelo Governo são insignific­antes e acabam por ser uma medida simbólica. São também insuficien­tes para acudir as famílias. Se calhar, devíamos apoiar mais as empresas, reduzindo os impostos ou através de outros incentivos fiscais”, sugere o investigad­or do CEIC.

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