O empurrão do Executivo para socorrer a economia
Com o país em estado de emergência, as empresas estão de portas fechadas e desligaram as máquinas registadoras. A facturação está praticamente a zero em diversos sectores económicos
Para apoiar as empresas e famílias nesta fase de queda do preço do petróleo no mercado internacional e da crise mundial, motivada pela expansão do novo coronavírus, o Executivo está a adoptar medidas para socorrer a economia. Entre outras, estão os mais de 15 mil milhões de kwanzas de linha de crédito para financiamento às exportações agropecuárias familiares, a uma taxa de juro abaixo de 3 por cento, outra do Banco de Desenvolvimento de
Angola, de 17,6 mil milhões, para incentivar a produção nacional, além de apoios para desanuviar a pressão sobre a tesouraria das empresas. Para melhorar o rendimento familiar, o Instituto Nacional de Segurança Social, mediante solicitação prévia, autoriza as entidades empregadoras do sector privado a transferirem para os salários dos trabalhadores o desconto para a Segurança Social (3 por cento) de Abril, Maio e Junho de 2020.
A crise petrolífera e a pandemia de Covid-19, que afecta praticamente todos os países do mundo, voltam a colocar as finanças do país sob elevada pressão. Como sempre acontece nestes contextos, a retórica de investimento na agricultura volta a ganhar força. Até à próxima bonança?
Ao longo dos últimos dias, o Executivo tem vindo a anunciar uma série de medidas destinadas às famílias e empresas. Os apoios vêm em forma de benefícios fiscais e de acesso ao crédito, neste caso com um enfoque particular no sector agrícola.
Belarmino Jelembi, jurista com um longo percurso ao nível da sociedade civil, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento rural, defende que o ressurgimento da agricultura e das retóricas associadas ao sector são “um sinal positivo”.
“Penso que devemos aproveitar a pandemia e a crise petrolífera para aumentar e diversificar a produção agrícola no país”, disse Belarmino Jelembi, em conversa telefónica com o Jornal de Angola.
Precioso Domingos, economista e pesquisador do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC), da Universidade Católica de Angola (UCAN), também defende que a Çovid19 pode ajudar a olhar para a agricultura com uma nova perspectiva.
“Talvez seja uma boa altura para reforçar, de forma objectiva, a aposta no sector agrícola. Apesar do sector se manter em actividade, por ser considerado essencial, há ainda muito por fazer”, recorda Domingos.
Belarmino Jelembi, actual director-geral do Fundo de Apoio Social (FAS), acredita, também, que o sucesso das medidas “dependem em boa medida do nível de articulação dos programas em várias dimensões, sobretudo ao nível local”.
O jurista defende que o financiamento às cooperativas e à agricultura familiar deve estar associado a uma forte componente de organização e capacitação técnica dos agricultores nacionais.
Caso isso aconteça, será uma forma de criar ou incentivar o surgimento de um mercado de trabalho e de investimento específico para os técnicos agrícolas, agrónomos, contabilistas e consultores de pequena dimensão.
É ainda uma oportunidade para o país construir uma visão mais abrangente e integrada do sector primário da economia. Os impactos positivos ultrapassam a dimensão do acesso à terra e ao crédito. E podem facilitar o desenvolvimento de uma verdadeira economia rural.
“Vou dar um exemplo concreto: se o fomento das cooperativas incluir verbas para a assistência técnica e fomento organizacional, isto pode gerar um grande impacto na economia agrícola. Não nos podemos esquecer que o investimento na agricultura familiar é uma das vias para melhorar a distribuição da riqueza em Angola”.
USD 100 milhões
Com o país em Estado de Emergência, as empresas estão de portas fechadas e desligaram as máquinas registadoras. A facturação está praticamente a zero em diversos sectores económicos.
O cenário terá um efeito directo, ainda por contabilizar, num mercado de trabalho com poucas oportunidades. Quando a economia voltar a funcionar, nem todas as empresas vão poder manter o mesmo número de trabalhadores.
Segundo Precioso Domingos, os incentivos e linhas de crédito do Governo totalizam cerca de 100 milhões de dólares ou 0,15 por cento do Produto Interno Bruto (PIB, indicador que se refere à produção total de riqueza no país).
O economista defende que a intervenção pública deverá ter dois momentos distintos: durante a pandemia (mais focado no apoio às empresas e famílias durante o confinamento) e após a pandemia (para reanimar o tecido produtivo).
Noutras latitudes, as medidas de apoio à economia e aos trabalhadores representam cerca de 10 por cento do PIB.
Mesmo os países com economias mais liberais (onde a intervenção estatal costuma ser mal recebida) têm vindo a anunciar um aumento exponencial dos gastos públicos para conter os efeitos do confinamento forçado e da falta de actividade económica.
“Mas Angola está a recorrer ao Parlamento para diminuir despesas”, lembra Precioso Domingos, em referência à necessidade de rectificar nos próximos meses, em baixa, o Orçamento Geral do Estado de 2020.
Como o país está a implementar um programa com o apoio do FMI, é quase obrigatório manter as contas públicas sustentáveis. O que significa não recorrer a novos empréstimos.
“Estamos numa encruzilhada. Os fundos disponibilizados pelo Governo são insignificantes e acabam por ser uma medida simbólica. São também insuficientes para acudir as famílias. Se calhar, devíamos apoiar mais as empresas, reduzindo os impostos ou através de outros incentivos fiscais”, sugere o investigador do CEIC.