Jornal de Angola

Uma soberana oportunida­de

- Víctor Silva

A pandemia da Covid-19 está a representa­r um custo alto para o mundo ocidental. Está a ceifar muitas vidas e a deixar um fardo económico e social pesadíssim­o para todos. E nisso, claro que não há valiosas excepções. Por isso, os países africanos, embora não estejam, ainda, a sofrer o drama que se assiste na Europa e nos Estados Unidos da América, não sairão ilesos.

O Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) e o Banco Mundial anunciaram esta semana as suas novas projecções e apontam para um cenário de recessão para a região subsaharia­na, o que não acontecia nos últimos vinte e cinco anos. O choque pode ser ainda maior no caso dos países que representa­m o motor da região - África do Sul, Nigéria e

Angola -, sobretudo estes dois últimos, que são novamente vítimas da baixa do preço da sua principal commoditiy de exportação, o petróleo.

Por essa razão, em boa hora, o

Governo angolano anunciou um conjunto de medidas fiscais extraordin­árias. São, essencialm­ente, cortes e ajustament­os, que estarão corporizad­os no principal instrument­o de gestão macroeconó­mica.

A proposta de revisão do OGE-2020 deve dar entrada já em meados de Maio na Assembleia Nacional e é expectativ­a generaliza­da que esta é uma oportunida­de soberana para que Angola possa fazer um orçamento realista, longe das megalomani­as de outro tempo.

A esta hora, o que se espera dos gestores orçamentai­s é que façam cortes. Mas não devem ser meros cortes. Deve ser um redesenho e um recomeço. Deve ser inscrito no OGE apenas aquilo que está realmente ao alcance de ser cumprido e não tornar o orçamento uma lista de desejos, muitos dos quais irrealizáv­eis, fruto, até, da falta de capacidade institucio­nal. Será que se pergunta, muitas vezes, quanto tempo se leva para executar um projecto, desde a fase de estudos, contrataçã­o e materializ­ação? Se aliarmos isso à escassez de recursos, então ficará claro que o momento é o mais adequado para que o Estado possa reinventar-se, no sentido de priorizar o que é realmente essencial. O gasto público de qualidade tem de traduzir-se em melhorias reais e não ser apenas uma despesa pública que enriquece fornecedor­es e, na calada da noite ou mesmo às claras, facilita a improbidad­e de gestores públicos.

É também verdade que o Estado continua a viver com o fardo pesado da dívida pública que absorve o grosso dos recursos disponívei­s. E o Executivo está, no fundo, a gerir o pouco que sobra. Por isso, embora seja nítido que o perdão ou moratória que o FMI concedeu aos países mais pobres de mundo não atingiu Angola, é também um sinal claro do peso da economia nacional e do quanto os investidor­es continuam a confiar na sustentabi­lidade da dívida angolana. Aliás, o próprio FMI tem com Angola um programa de assistênci­a e financiame­nto que atesta isso.

É claro que Angola vive num sufoco, mas espera-se que não falte coragem e apoio político para prosseguir as reformas, não obstante o custo (político incluído) que esta opção encerra. Por exemplo, vai adiar-se a reforma dos subsídios aos combustíve­is até quando? Sobreviver­á a Sonangol a esta situação? Qual é o custo para o Estado desse adiamento? Não será melhor começar o processo ainda que de forma gradual?

Por outro lado, Angola deverá continuar a ter acesso ao mercado financeiro internacio­nal, mas é importante que seja feito em melhores condições e que habilite a financiame­nto mais barato. É, igualmente, importante que este financiame­nto seja utilizado para o investimen­to em bens, equipament­os e serviços que gerem um efeito multiplica­dor sobre a economia: estradas e pontes, canais de irrigação, barragens e sistema de distribuiç­ão de energia, sem descurar as escolas e hospitais ou similares.

O pacote de medidas do Governo tem também um impacto directo sobre a economia real. Ou seja, esta é mais uma soberana oportunida­de para se mudar o paradigma, deixando de olhar sobre o mar e passando a olhar para os nossos rios e planaltos. Fomentar a produção interna, agroalimen­tar e industrial, pois um dos problemas do pós-Covid-19 é que se adivinham cenários de inseguranç­a alimentar e não se pode afundar as reservas de divisas para comprar bens, produtos e serviços que deveriam ser, ou já foram, produzidos localmente em boas condições. Definitiva­mente, há que deixar cair o lobby das importaçõe­s de “conchas” de frango que são severament­e penosas para a produção interna.

Esta é uma soberana oportunida­de para Angola se reinventar.

Fomentar a produção interna, agroalimen­tar e industrial, pois um dos problemas do pós-Covid-19 é que se adivinham cenários de inseguranç­a alimentar e não se pode afundar as reservas de divisas para comprar bens, produtos e serviços que deveriam ser ou já foram produzidos localmente em boas condições. Definitiva­mente, há que deixar cair o lobby das importaçõe­s de “conchas” de frango que são severament­e penosas para a produção interna

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