TV Zimbo revisita filme “Sambizanga”
Na quinta-feira à noite a TV Zimbo deu a ver aos seus telespectadores o filme de Sarah Maldoror, “Sambizanga”, realizado em 1972. Muita coisa há a dizer sobre este filme, baseado no romance de Luandino Vieira “A Vida Verdadeira de Domingos Xavier”, escrit
O argumento de “Sambizanga”, assinado por Mário Pinto de Andrade, que já traduzira o romance de Luandino para francês, e o jornalista e escritor francês Maurice Pons, segue as linhas gerais da acção do romance.
A trama é dividida em três linhas narrativas que não se cruzam: a tortura e morte do tractorista Domingos Xavier, acusado de pertencer a um grupo nacionalista, anti-colonial (uma referência ao MPLA), a busca da esposa Maria pelo companheiro em diferentes prisões de Luanda e a organização clandestina que tenta identificar o preso para salvá-lo.
A primeira linha narrativa apresenta ao espectador a brutalidade da polícia política colonial (PIDE) e a resistência de Domingos Xavier, que se recusa a denunciar os seus companheiros; a trajectória de Maria em busca da localização do marido, do Dondo a Luanda, é marcada pelo descaso das autoridades oficiais e pela solidariedade dos homens e mulheres pobres dos povoados; já o registo das acções da organização clandestina enfatizam as palavras de ordem dos nacionalistas e a rede de contactos clandestinos. Por fim, Domingos Xavier morre sob tortura, a esposa Maria desaba aos prantos, sendo consolada por outras mulheres, ao mesmo tempo que os membros da célula clandestina do MPLA, liderados por Mussunda, celebram a rectidão de caráter de Xavier, por não os ter denunciado, e entendem que a melhor maneira de o homenagear era dando continuidade à festa abrilhantada pelos Ngola Ritmo. No romance, esse final, aliás toda a narrativa de Luandino Vieira, possui uma enorme carga poética e um apelo à luta que calou bem fundo nas consciências dos leitores imbuídos de fervor revolucionário, tanto antes da independência como depois.
Repercussões do filme
Segundo o pesquisador brasileiro Alexsandro de Sousa Silva, “acostumados com filmografias didácticas produzidas por cineastas engajados(as) do ‘terceiro mundo’, críticos de cinema e militantes políticos refurevolucionários taram a beleza da atriz principal, Elisa Andrade (...) e a ‘ambiguidade política’ de ‘Sambizanga’, que não privilegiou a organização da guerrilha contra o colonialismo, o que foi visto como um ‘defeito’ da factura política da obra. Outras leituras enfatizaram o processo de ‘conscientização revolucionária’ da personagem Maria, que, no entanto, desaparece de cena após a confirmação da morte do companheiro”.
Luandino Vieira, em carta a Mário Pinto de Andrade, em 1973, elogia o filme, baseado na repercussão que teve nos meios especializados (então estava preso no Tarrafal):
“A profunda compreensão desse fenómeno de ‘paciência’ revolucionária é - seio - um pouco difícil para as esquerdas europeias que têm sempre tendência a ver nos do dito 3º mundo essa agitação e acção intempestiva e heróica (o herói a morrer de metralhadora na mão é o único que concebem) de que só têm já a nostalgia. (...) Por isso a minha grande alegria por ler as declarações de Sara, a sua coragem de ir contra o clichê que (ainda) nos querem impor da realidade que nós conhecemos” (Vieira apud Piçarra, 2017, p. 25).
Rodado no Congo-Brazzaville
A longa-metragem “Sambizanga” foi realizada no Congo-Brazzaville, com o governo dando suporte às filmagens, cedendo carros, camiões, helicópteros, canteiros de obra, prisão, etc.
Jacques Poitrenaud interpretou o papel de torturador. Sarah Maldoror recrutou actores e actrizes amadores do Congo e exilados(as) de Angola, muitos(as) dos(as) quais falaram em idiomas locais, como o lingala e o lari. Elisa Andrade, a economista ligada ao PAIGC que vivia na Argélia, encarnou a esposa Maria. Militantes do MPLA encenaram os seus próprios papéis políticos, como Manuel Videira (le chef de brigade), Tala Ngongo (Miguel) e Lopes Rodrigues (Mussunda). O pequeno Adelino Nelumba, interpretando o personagem Zito, era órfão de guerra. Também do MPLA, Domingos Oliveira, que encarnou Domingos Xavier, era de facto tractorista no Norte de Angola, antes de passar a viver no Congo. A equipa técnica do filme era, predominantemente, francesa. Aliás, da França veio parte do orçamento para a realização da obra. A trilha musical, que tem um papel narrativo de grande importância no filme, foi creditada ao grupo vocal Les Ombres, comandado pela voz de Ana Wilson, além de canções do grupo musical Ngola Ritmos.
A divulgação da película apostou na exploração da imagem de Domingos Xavier sacrificado, apesar do maior protagonismo que as mulheres, sobretudo Maria, têm no filme, que ganhou, em 1972, o prémio Tanit de Ouro no IV Festival de Cartago e outra premiação no IV Festival de Ouagadoudou. No entanto, em Portugal, o filme foi censurado, tendo a estreia sido adiada para Outubro de 1974, uma vez que as autoridades argumentaram que pretendiam “impedir manobras da reacção e por constituir propaganda de um dos movimentos emancipalistas, ainda em guerra”.
Em Angola, o filme sofreu uma série de retaliações, conforme entrevista de Luandino Vieira à revista Cine Cubano. Chegaram a ocorrer, entre Maio e Junho de 1975, em Luanda, agressões entre espectadores que assistiram ao filme. Diante do ocorrido, afirmou o escritor,“decidimos que o filme fica reservado para mais tarde, quando depois de algum tempo se possa esclarecer ao espectador, pela própria dinâmica do proceso e a educação cinematográfica” [tradução livre do espanhol] (Vieira apud Lopez Pego, 1979, p. 163). A película fora exibida em Angola em círculos restritos de projecção, como encontros de movimentos sociais e de militantes do MPLA, sendo proibido nas salas de cinema.