JAYR FERNANDES
Coronavírus: e a protecção legal da mulher grávida?
Tendo o coronavírus se convertido numa grave e violenta calamidade pública mundial, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras Organizações Internacionais advertiram os Estados afectados e os em vias de afectação para adoptarem medidas urgentes com vista a salvaguardar a vida e a saúde da população em geral, com especial atenção para os grupos de grande risco e vulnerabilidade.
Os especialistas explicam que os idosos, diabéticos, hipertensos e quem tem insuficiência cardíaca, renal ou doença respiratória crónica podem ficar mais expostos e ter complicações decorrentes da Covid-19, pelo que recomendam a adopção pelos Estados de medidas para proteger e diminuir a exposição de contágio dos cidadãos nessa situação.
No nosso país, o Presidente da República declarou o Estado de Emergência (DP n.º 81/20, de 25.03), com a duração de 15 dias, a partir do dia 27 de Março até ao dia 11 de Abril, podendo ser prorrogado nos termos da lei, e, consequentemente, aprovou um conjunto de medidas concretas de excepção a vigorar durante o período de vigência do Estado de Emergência (DP n.º 82/20, de 26.03 de Março), estabelecendo entre elas a protecção especial dos cidadãos particularmente vulneráveis à infecção por Covid-19.
Assim, no alinhamento da posição defendida pelos especialistas, o artigo 12.º, n.º 1 do DP n.º 82/20 definiu como particularmente vulneráveis à infecção por Covid-19, e sujeitos a protecção especial, os cidadãos com idade igual ou superior a 60 anos, os portadores de doenças crónicas consideradas de risco, designadamente, os imuno-comprometidos, os doentes renais, os hipertensos, os diabéticos, os doentes cardiovasculares, os portadores de doença respiratória crónica, os doentes oncológicos, e incluiu nesse grupo as mulheres grávidas, (o que nos pareceu muito bem, como enunciaremos abaixo), e por forma a protegê-los da exposição e complicações decorrentes da Covid-19, dispensou-os da actividade laboral presencial (n.º 2).
Durante o período inicial de vigência do Estado de Emergência, o Estado angolano empenhou-se destemida e afincadamente na adopção e execução de medidas sanitárias, e não só, para prevenir e proteger a população do risco de contágio comunitário, mas findo aquele período ainda persiste o risco de propagação da pandemia no nosso país, pelo que o Presidente da República decidiu – e muito bem -, prorrogar o Estado de Emergência por mais 15 dias, com início no dia 11 de Abril (DP n.º 97/20, de 9 de Abril), e também definiu “novas” medidas concretas de excepção a vigorar durante esse período de prorrogação, as quais são, no geral, a recondução das medidas adoptadas pelo DP n.º 82/20, com algumas alterações.
Nas alterações introduzidas pelo DP n.º 97/20, verifica-se, no seu artigo 14.º, que a mulher grávida foi excluída/retirada do grupo de risco sujeito à protecção especial. Tal situação gerou questionamentos por parte de alguns empregadores e trabalhadoras, designadamente, se as mulheres grávidas detentoras de vínculo laboral com entidade, pública ou privada, não abrangida pela obrigação de encerramento, podem ser obrigadas ou não a prestar trabalho presencial.
Ora, sem qualquer desmerecimento das razões que estão/estiveram na base dessa alteração, e que desconhecemos, não alinhamos com o legislador na exclusão da mulher grávida do grupo de risco e não lhe conferir protecção especial nessas circunstâncias.
Isto porque, sendo certo que a gravidez não é uma doença e trabalhar durante a gravidez não representa um risco por si só, também é dado como certo que durante a gravidez há riscos particulares para a saúde da mulher e filho/a, que podem implicar a necessidade de uma protecção especial no local de trabalho, associados ao ambiente de trabalho.
É que, apesar dos dados disponíveis sobre o impacto do vírus serem limitados, e os médicos afirmarem que as mulheres grávidas não parecem ser mais susceptíveis às consequências do coronavírus do que a população em geral, designadamente, aumento do risco de aborto ou passar o vírus para o bebé durante a gravidez, os médicos alertam também que as mulheres grávidas têm um maior risco de susceptibilidade a infecções, a doenças graves e mortalidade associadas às outras infecções respiratórias devido às mudanças fisiológicas que ocorrem durante a gravidez, incluindo o aumento da frequência cardíaca e o consumo do oxigénio, diminuição da capacidade pulmonar e uma mudança da imunidade, o que faz aumentar o risco de doenças mais graves em mulheres grávidas em comparação com as não grávidas.
Assim sendo, pugnamos que perante qualquer calamidade pública de natureza sanitária as mulheres grávidas devem ser consideradas uma população de risco para estratégias focadas em prevenção e administração do contágio, devendo merecer protecção legal especial.
Nessa medida, o nosso entendimento é de que não está completamente afastada a hipótese de a mulher grávida beneficiar do regime previsto no artigo 14.º do DP n.º 97/20, uma vez que essa norma não faz uma enunciação taxativa dos cidadãos particularmente vulneráveis e merecedores de protecção especial. A taxatividade de um preceito legal tem de resultar inequivocamente da lei e, em regra, essa manifestação é feita através do advérbio “só” ou “apenas”. No caso em apreço, se o legislador pretendesse atribuir taxatividade a norma em questão teria dito, por exemplo, “só são considerados particularmente vulneráveis os cidadãos que se encontrem nas seguintes condições”. O advérbio “nomeadamente” usado no preceito parece-nos ter natureza exemplificativa, significando, por exemplo, “entre outros”, “com destaque para”.
Por outro lado, em defesa do que defendemos arriscamos a tese de que o Estado de Emergência em vigor não suspende ou restringe a aplicação de todas as normas da Lei Geral do Trabalho, no caso as relativas às condições específicas aplicáveis à mulher. Nesse domínio, o artigo 243.º, n.º 1 da LGT, determina que é proibida a ocupação de mulheres em trabalhos que impliquem riscos efectivos ou potencial para a sua função genética.
Concluímos assim que, sendo o coronavírus uma doença altamente infecciosa de natureza respiratória aguda grave, a mulher grávida deve, por conta do maior risco de susceptibilidade a infecções durante a gravidez, ainda que por mera cautela, ser tratada como sendo particularmente vulnerável à infecção por Covid-19, com direito à protecção especial nos termos e para efeitos do disposto no artigo 14.º do DP n.º 97/20, mesmo não estando expressamente previsto na norma legal em apreço, pois achamos que o momento é de muita responsabilidade, acima de tudo.
Concluímos assim que, sendo o coronavírus uma doença altamente infecciosa de natureza respiratória aguda grave, a mulher grávida deve, por conta do maior risco de susceptibilidade a infecções durante a gravidez, ainda que por mera cautela, ser tratada como sendo particularmente vulnerável à infecção por Covid-19, com direito à protecção especial nos termos e para efeitos do disposto no artigo 14.º do DP nº 97/20