Depoimento de Óscar Gil em plano cinematográfico
Óscar Gil, um dos mais prestigiados realizadores angolanos, fez o seguinte depoimento sobre a realizadora, “Tive a oportunidade de conhecer a Sarah Maldoror, admirar e guardá-la para sempre no meu coração, por ocasião do Festival Internacional de Cinema de Luanda (FIC), em 2008, na mesma altura em que foi homenageada, um tributo bem merecido, sobretudo porque foi feito em vida . “Descobrir o que está por trás da nuvem” é um filme que não tem um happyend , ou seja, um final feliz , como todos os amantes do cinema gostam que terminem os filmes. Este nosso filme tem um final trágico e dramático , porque a protagonista, a primeira grande cineasta africana, actriz, encenadora, activista e feminista, Sarah Maldoror, sai de cena.
Apresento um único take, ou seja , um plano de sequências sobre a vida e obra de Sara Maldoror. Estamos em Paris, 1956, numa altura de grandes convulsões sociais por toda a África e Sarah Maldoror, numa acção corajosa, criou uma companhia de teatro com actores negros e afro-caribenhos, a que deu o nome “Legriots” (contadores de histórias). Esta companhia encenou a peça , “Os negros”, em 1961, considerado um acto de coragem da realizadora. Note-se que à época o cinema era dominado por homens, e, mesmo assim, ela decidiu estudar cinema em Moscovo, um sinal da sua determinação, se considerarmos que o cinema era dominado por homens.
Activista do anti-colonialismo e panafricanismo, Sarah Maldoror viu no cinema uma ferramenta para dar visibilidade à participação das mulheres na luta anti-colonial e dar a conhecer a literatura dos autores africanos, através do cinema . Ela foi a primeira mulher em África a rodar uma longa-metragem, ou seja, o cinema militante que sempre praticou, daí que seja justo considerá-la um dos pilares da luta contra o colonialismo.
Sarah Maldoror rodou uma longa metragem sobre a luta anti-colonial , “Desfusilspour Banta”, em 1971, nas matas da Guiné-Bissau, e, na sequência, todo o material foi confiscado pelo governo argelino , porque o filme dava destaque às mulheres guerrilheiras , o que não agradou às autoridades argelinas, tendo sido expulsa da Argélia , regressou a Paris. Para além da ficção , ela dedicou-se ao cinema documental , constando no seu acervo mais de quarenta filmes.
Na ocasião da recepção da medalha honoríficada Ordem Nacional de Mérito, mereceu do Ministro da Cultura francês, o seguinte elogio, “Você é uma rebelde, uma lutadora contra as injustiças, é uma humanista convicta que ao longo da sua carreira não deixou de informar e mostrar as realidades mais difíceis, de forma realística e poética através da lente da sua câmara”.
A sua visão sobre as memórias da escravidão e do colonialismo é para todos nós um legado de valor incalculável. Pessoas desta dimensão não morrem, ficam eternizadas pelas suas obras , portanto, eu como membro da Associação Nacional dos Profissionais de Cinema e Audiovisuais (APROCIMA), e como realizador e produtor, curvo-me perante esta figura que nós podemos considerar a mãe do cinema africano”.