Mikhail Gorbatchov pede um mundo mais unido no pós-pandemia
No artigo publicado esta semana, começa por escrever que nos primeiros meses deste ano, vimos, mais uma vez, o quão frágil é o nosso mundo e como é grande o perigo de globalmente resvalarmos para o caos
O ex-líder da ex-URSS quebrou o silêncio para dizer que a pandemia da Covid19 é uma ameaça comum e que nenhum país pode lidar com ela sozinho
Mikhail Gorbatchov aceitou o convite da Time para escrever nestes tempos de pandemia, quebrando a relativa clausura e discrição mediática em que vive, e apelou a uma nova consciência e a uma nova civilização.
No artigo publicado esta semana, começa por escrever que nos primeiros meses deste ano, vimos, mais uma vez, o quão frágil é o nosso mundo e como é grande o perigo de globalmente resvalarmos para o caos. Considera que a pandemia da Covid-19 está a pôr à prova todos os países, é uma ameaça comum e nenhum país pode lidar com ela sozinho. Hoje, o desafio imediato é derrotar este “novo cruel inimigo”, mas, acrescenta, que ainda hoje é também necessário começar a pensar a vida no pós-pandemia.
Muitos são os que dizem que o mundo nunca mais será o mesmo. O ex-líder da ex-URSS, protagonista de uma abertura política que a História regista como ‘glasnost’, concorda com esta ideia, sendo que questiona: “Mas como será”? E, como resposta, adianta que depende das lições que aprendermos.
Recorda a forma como em meados da década de 1980 se abordou a ameaça nuclear. O avanço ocorreu quando se entendeu que um inimigo comum era uma ameaça para todos. Dito de outro modo, e nas palavras de Gorbatchov, os líderes da União Soviética e dos EUA perceberam que uma guerra nuclear nunca seria vencida, logo, não podia ser travada. Depois veio o encontro de Reykjavik e os primeiros tratados que eliminaram as armas nucleares. Sendo que numa altura em que 85 por cento do arsenal nuclear global foi destruído, a ameaça ainda não terminou.No entanto, prossegue Gorbatchov,
há desafios globais que se tornaram mais urgentes: pobreza e desigualdade, degradação do meio ambiente, terra e oceanos esgotados, crise migratória. E a culminar, a mais sombria das ameaças: doenças e epidemias num mundo mais interligado do que nunca e que se espalham a uma velocidade sem precedentes.
A resposta a este novo desafio não pode ser puramente nacional, embora sejam os governos que suportam o peso de fazer as escolhas mais difíceis, as decisões terão de ser tomadas por toda a comunidade mundial.
Até agora, considera Gorbatchov, o mundo tem falhado no desenvolvimento e implementação de estratégias e objectivos comuns para toda a humanidade. A persecução dos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio adoptados pelas Nações Unidas, em 2000, tem sido extremamente desigual. Vemos, por estes dias, que as consequências da pandemia atingem os pobres de uma forma particularmente difícil, agravando o problema da desigualdade.
É urgente, continua no seu artigo o ex-Presidente russo, repensar todo o conceito de segurança. O fim da Guerra Fria foi visto, principalmente, em termos militares, ainda assim, de lá para cá, muito se tem falado de armas, mísseis e ataques aéreos. Ainda este ano, o mundo esteve à beira de confrontos envolvendo as grandes potências no Irão, no Iraque ou na Síria. Mesmo que todos os participantes tenham recuado, uma coisa parece clara: não é com armas e com guerra que se resolvem os problemas globais. “A guerra é um sinal de derrota e um fracasso da política”, escreve Gorbatchov.
Hoje por hoje, o objectivo primordial deve ser a segurança das pessoas, que passa por comida, água e um ambiente limpo, e cuidados de saúde. Para se alcançar este bem-estar é preciso desenvolver estratégias, prepará-las, planeá-las e criar reservas. Mas tudo isto está condenado ao fracasso se os governos continuarem a desperdiçar dinheiro alimentando a corrida ao armamento. É preciso desmilitarizar os assuntos mundiais, defende Gorbatchov, desde a política internacional ao pensamento político. E pede uma diminuição nos gastos militares de 10% a 15%, como primeiro passo em direcção a uma nova consciência, a uma nova civilização.