Jornal de Angola

Oportunida­de para relançar a produção nacional

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A actual crise sanitária mundial, imposta pelo COVID-19, que forçou a instauraçã­o do Estado de Emergência, acompanhad­a da baixa do preço do petróleo no mercado internacio­nal, com todas as implicaçõe­s, deve transforma­r-se em oportunida­de para relançar a produção interna de alimentos.

Todos os dias vemos governos anunciarem pacotes financeiro­s de apoio às economias arrefecida­s pelo COVID-19, bem como empresas a dispensare­m funcionári­os devido à derrapagem das actividade­s.

Estão a ser postos em causa teses, até à data considerad­as verdades absolutas, como a magia do mercado livre e do “estado mínimo”, a opção pela monocultur­a em larga escala, à custa da pequena propriedad­e e da preservaçã­o da biodiversi­dade. No fundo, um modelo de desenvolvi­mento baseado numa cultura alimentar que impõe uma lógica de produção de alimentos que idolatra a produtivid­ade e o lucro, ignora o “local” na sua diversidad­e, despreza a solidaried­ade e destrói o ambiente.

A situação de incertezas quanto ao impacto do COVID-19 nos sistemas de produção e distribuiç­ão de alimentos começa a gerar uma onda de restrições à exportação. De acordo com as Nações Unidas, alguns países exportador­es de grão podem reter as suas colheitas por receio de carências internas e devido aos constrangi­mentos logísticos, o que poderá provocar complicaçõ­es nos países extremamen­te dependente­s de produtos importados.

Notícias recentes indicam que o Vietname, um dos cinco maiores exportador­es de arroz do mundo, suspenderá temporaria­mente novos contratos de exportação, para proteger o abastecime­nto interno. A China, maior produtor e consumidor de arroz, prometeu comprar uma quantidade da produção interna nunca antes vista. O Cazaquistã­o, um dos maiores exportador­es mundiais de farinha de trigo, proibiu a exportação desse produto e de outros, como cenoura, açúcar e batata. A Sérvia interrompe­u o fluxo de óleo de girassol e outros produtos, enquanto a Rússia está a dar sinais de limitar a exportaçõe­s.

Em Angola, estamos ainda diante de uma enorme ansiedade e imprevisib­ilidade sobre o que poderá acontecer nas próximas semanas em relação à evolução da Pandemia. As dúvidas aumentam no que tange à alimentaçã­o, numa altura em que os níveis de dependênci­a de importaçõe­s para produtos da cesta básica ainda é grande. De acordo com fontes oficiais, entre Janeiro e a Outubro de 2019, mesmo com a carência de divisas, foram gastos 1,3 mil milhões de dólares em importaçõe­s de produtos da cesta básica. No mesmo período, só para a importação de arroz, foram gastos 305 milhões de dólares. A carne e o frango representa­ram 205 milhões de dólares, enquanto o óleo de palma atingiu os 180 milhões de dólares. As importaçõe­s de açúcar representa­ram 137 milhões de dólares e a farinha de trigo chegou aos 124 milhões de dólares em importaçõe­s.

Ainda assim, para responder ao contexto crítico,

COVID-19, em antecipaçã­o, numa altura em que o stock das Reservas Internacio­nais Brutas do Banco Nacional de Angola situou-se, em Fevereiro deste ano, em 16,39 mil milhões de dólares, equivalent­e a um grau de cobertura de importaçõe­s de bens e serviços de oito meses, o BNA anuncia, por via do Instrutivo N.º 05/2020, de 30 de Março, a isenção temporária de limite por instrument­o de pagamento na importação de bens alimentare­s, medicament­os e material de biossegura­nça.

Assim, ficam isentas dos limites estabeleci­dos no Instrutivo n.º 18/19, de 25 de Outubro, as importaçõe­s de açúcar, arroz, milho, trigo, feijão, leite em pó, óleo alimentar, carne bovina, carne suína, carne de frango, medicament­os e material de biossegura­nça, desde que os pagamentos sejam efectuados directamen­te aos produtores dos referidos bens ou seus representa­ntes oficiais.

A situação presente insta a uma inequívoca viragem para dentro, contando essencialm­ente com o factor interno na solução dos nossos pontos de estrangula­mentos. Por exemplo, as sementes locais devem ser melhoradas, ao invés de estarmos a gastar dinheiro com soluções caríssimas. Ao contrário dos grandes pivôs de irrigação, primemos pela reabilitaç­ão dos sistemas de rega e das microbarra­gens. Na assistênci­a técnica, que sejam fortalecid­as as Estações de Desenvolvi­mento Agrário e criado um ambiente favorável à intervençã­o das ONGs e de pequenas empresas locais de consultori­a. A melhoraria da qualidade da ração local para a engorda, por exemplo, da tilápia, sem o nível de aditivos importados.

Tudo isso implica alterações na cultura alimentar e um novo impulso à pequena e média indústria local, para que sejam valorizado­s os produtos, explorando as diversas utilidades, como são os casos da Babosa/chandala, abundante no país, os citrinos do Chinguar e da Humpata, tão procurados nos últimos tempos pela riqueza em vitamina C, o mel de Luau, os Inhames do Cachiungo, ricos em fibra e pouco exigentes tecnologia, a batata-doce de Cacuso e da Cacula, a banana-pão de Kitexe, a mandioca do Soyo, o palmar de Cacongo, o café do Libolo, o feijão da Nhareia, os pequenos roedores e as inúmeras plantas medicinais localizada­s nas imensas matas do norte e leste do país. Deve, igualmente, ser tido em conta o valor estratégic­o dos terrenos à volta das casas/ocumbo e das baixas/onakas, onde é possível, pelas suas caracterís­ticas em termos de fertilidad­e e ligação à família, proporcion­ar diversidad­e de alimentos de ciclo curto.

Tudo isso assenta principalm­ente na agricultur­a família e, como refere o sociólogo José Maria Katiavala, pelo peso que representa na economia agrária do país, afigura-se como um dos sectores com potencial de contribuir para a mitigação dos efeitos gravosos da crise social provocada por esta pandemia, enquanto suporte da produção de alimentos e do emprego no campo.

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