Hospitais sem ordens para rejeitar pacientes
Directora nacional da Saúde diz não existir qualquer circular do Ministério de tutela que veta o atendimento a pacientes menos graves e aconselha a população a denunciar as unidades sanitárias ou técnicos que rejeitem prestar assistência aos doentes
A directora nacional de Saúde Pública, Helga Freitas, garante que não existe qualquer circular do Ministério de tutela que veta o atendimento a pacientes menos graves devido à Covid-19. A responsável lançou um apelo à denúncia das unidades ou técnicos hospitalares que se recusem a prestar assistência aos cidadãos.
Mariano Novais sentia um batimento anormal do coração. A situação, que já leva alguns dias, preocupa-o ainda mais por verificar que tem edemas nas pernas e dores constantes na coluna.
Residente no Kilamba Kiaxi, o senhor, na casa dos 40 anos, dado o seu estado de saúde, dirige-se ao Hospital Geral de Luanda (HGL), onde lhe foi negada a assistência, inicialmente, por, segundo conta, o pessoal em serviço alegar que só pode atender casos graves.
Incrédulo, Mariano insiste na busca da assistência, pois, teme o pior, caso volte a casa sem consulta médica. Mas, esse esforço para nada vale. A solução é procurar por uma clínica privada, onde faz uma série de exames.
Os resultados da avaliação clínica na unidade privada revelam que o paciente está com a pressão arterial alta (160/130), cálculo renal (pedra nos rins), infecções nos rins e urinária.
Depois de avaliado, por escassez de recursos financeiros para dar prosseguimento ao acompanhamento na clínica, Mariano volta ao Hospital Geral de Luanda, onde, depois de apresentar os resultados dos exames feitos, é aconselhado a uma consulta de cardiologia e outra de nefrologia.
"O médico disse-me que as pernas inflamadas têm a ver com problemas do coração, por isso, tenho que marcar a consulta de cardiologia urgente, por eu ser já hipertenso", realça o paciente, num tom de desalento.
A razão do desalento de Mariano tem uma explicação. Os grandes hospitais, que dispõem de especialistas para atender o seu caso, têm as consultas externas suspensas, em função das medidas de prevenção contra a Covid-19.
Enquanto durar essa situação, o paciente tem de se submeter à medicação que faz, há quase duas semanas. "Realmente, estou a sentirme melhor, embora preocupado com esse problema do coração. Eu sou hipertenso e preciso de melhor acompanhamento", desabafa.
Como Mariano, as reclamações de falta de atendimento nos hospitais são muitas. É o caso de dona Elisa que viu negada a assistência à filha. "Eu chorei quando, na Maria Pia, quase me mandaram voltar com a miúda, que tinha enfiado no ouvido uma semente de limão", recorda a moradora do Cassequel.
Graças à intervenção de uma ex-vizinha, funcionária do hospital, é que se abre uma excepção ao caso da filha, por se tratar de um problema de otorrinolaringologia e não de medicina. "Não fosse isso, nós íamos voltar sem atendimento", diz, para interrogar se a única doença que o país tem é a Covid-19.
Em resposta, a directora nacional de Saúde Pública, Helga Freitas, chamou ontem a atenção para os hospitais atenderem os pacientes, por a assistência sanitária constituir um direito dos cidadãos.
Na conversa que mantém com o Jornal de Angola, por telefone, a responsável nacional garante que "não existe nenhuma orientação para as unidades hospitalares negarem o atendimento aos doentes, não importa o tipo de enfermidade".
Capricho ou má-fé
Helga Freitas afirma que a nível do Sistema Nacional de Saúde não existe qualquer circular do Ministério de tutela que veta o atendimento a pacientes menos graves. "As nossas circulares ou orientações são públicas e a população tem de ter conhecimento delas", salienta.
Em função da inexistência dessa circular, a directora nacional de Saúde Pública considera que as supostas orientações para não atendimento a pacientes não graves são falsas.
Helga Freitas apela, igualmente, a população a denunciar as unidades ou técnicos que rejeitem prestar assistência aos doentes. Apesar dessa exortação, a directora nacional de Saúde Pública acredita que "essa situação é mais um capricho ou máfé de um ou outro trabalhador e não propriamente um problema do sistema".
Para as denúncias, a médica aconselha, em primeira instância, os pacientes lesados a acorreram aos guichés ou gabinetes do utente. Caso não sejam satisfeitas as reivindicações, podem dirigir-se às direcções dos hospitais ou à Inspecção de Saúde.
Só urgências funcionais
Sem discordar da directora nacional de Saúde Pública, o director-geral do Hospital Geral de Luanda, Carlos Zeca, explica que a unidade só está a entender pacientes nos cinco bancos de urgência, designadamente medicina, ortopedia, maternidade, pediatria e cirurgia.
Neste momento, e acreditando que seja a explicação que se pode dar a Mariano, salientou que as consultas externas estão suspensas, daí as dificuldades registadas para o atendimento.
O director-geral do HGL avança que, embora haja essa limitação, a unidade sanitária atende qualquer tipo de doente e de patologia, mesmo as que, supostamente, podem ser menos graves.
E a provar isso, Carlos Zeca revela que, entre as primeiras horas de anteontem e as de ontem, o HGL registou um total de 311 pacientes, sendo que boa parte deles sem algum estado de gravidade.
Por isso, o médico chama a atenção aos pacientes para irem ao hospital sempre que não estiverem bem. "Se um hipertenso ou diabético estiver com descompensação tem de vir à procura dos nossos serviços e será recebido", apela.
O director-geral revela ainda que os serviços de maternidade, no mesmo período em avaliação, ajudaram a trazer ao mundo 33 bebés, dos quais dez por meio de cesariana.