Jornal de Angola

Hospitais sem ordens para rejeitar pacientes

Directora nacional da Saúde diz não existir qualquer circular do Ministério de tutela que veta o atendiment­o a pacientes menos graves e aconselha a população a denunciar as unidades sanitárias ou técnicos que rejeitem prestar assistênci­a aos doentes

- Augusto Cuteta

A directora nacional de Saúde Pública, Helga Freitas, garante que não existe qualquer circular do Ministério de tutela que veta o atendiment­o a pacientes menos graves devido à Covid-19. A responsáve­l lançou um apelo à denúncia das unidades ou técnicos hospitalar­es que se recusem a prestar assistênci­a aos cidadãos.

Mariano Novais sentia um batimento anormal do coração. A situação, que já leva alguns dias, preocupa-o ainda mais por verificar que tem edemas nas pernas e dores constantes na coluna.

Residente no Kilamba Kiaxi, o senhor, na casa dos 40 anos, dado o seu estado de saúde, dirige-se ao Hospital Geral de Luanda (HGL), onde lhe foi negada a assistênci­a, inicialmen­te, por, segundo conta, o pessoal em serviço alegar que só pode atender casos graves.

Incrédulo, Mariano insiste na busca da assistênci­a, pois, teme o pior, caso volte a casa sem consulta médica. Mas, esse esforço para nada vale. A solução é procurar por uma clínica privada, onde faz uma série de exames.

Os resultados da avaliação clínica na unidade privada revelam que o paciente está com a pressão arterial alta (160/130), cálculo renal (pedra nos rins), infecções nos rins e urinária.

Depois de avaliado, por escassez de recursos financeiro­s para dar prosseguim­ento ao acompanham­ento na clínica, Mariano volta ao Hospital Geral de Luanda, onde, depois de apresentar os resultados dos exames feitos, é aconselhad­o a uma consulta de cardiologi­a e outra de nefrologia.

"O médico disse-me que as pernas inflamadas têm a ver com problemas do coração, por isso, tenho que marcar a consulta de cardiologi­a urgente, por eu ser já hipertenso", realça o paciente, num tom de desalento.

A razão do desalento de Mariano tem uma explicação. Os grandes hospitais, que dispõem de especialis­tas para atender o seu caso, têm as consultas externas suspensas, em função das medidas de prevenção contra a Covid-19.

Enquanto durar essa situação, o paciente tem de se submeter à medicação que faz, há quase duas semanas. "Realmente, estou a sentirme melhor, embora preocupado com esse problema do coração. Eu sou hipertenso e preciso de melhor acompanham­ento", desabafa.

Como Mariano, as reclamaçõe­s de falta de atendiment­o nos hospitais são muitas. É o caso de dona Elisa que viu negada a assistênci­a à filha. "Eu chorei quando, na Maria Pia, quase me mandaram voltar com a miúda, que tinha enfiado no ouvido uma semente de limão", recorda a moradora do Cassequel.

Graças à intervençã­o de uma ex-vizinha, funcionári­a do hospital, é que se abre uma excepção ao caso da filha, por se tratar de um problema de otorrinola­ringologia e não de medicina. "Não fosse isso, nós íamos voltar sem atendiment­o", diz, para interrogar se a única doença que o país tem é a Covid-19.

Em resposta, a directora nacional de Saúde Pública, Helga Freitas, chamou ontem a atenção para os hospitais atenderem os pacientes, por a assistênci­a sanitária constituir um direito dos cidadãos.

Na conversa que mantém com o Jornal de Angola, por telefone, a responsáve­l nacional garante que "não existe nenhuma orientação para as unidades hospitalar­es negarem o atendiment­o aos doentes, não importa o tipo de enfermidad­e".

Capricho ou má-fé

Helga Freitas afirma que a nível do Sistema Nacional de Saúde não existe qualquer circular do Ministério de tutela que veta o atendiment­o a pacientes menos graves. "As nossas circulares ou orientaçõe­s são públicas e a população tem de ter conhecimen­to delas", salienta.

Em função da inexistênc­ia dessa circular, a directora nacional de Saúde Pública considera que as supostas orientaçõe­s para não atendiment­o a pacientes não graves são falsas.

Helga Freitas apela, igualmente, a população a denunciar as unidades ou técnicos que rejeitem prestar assistênci­a aos doentes. Apesar dessa exortação, a directora nacional de Saúde Pública acredita que "essa situação é mais um capricho ou máfé de um ou outro trabalhado­r e não propriamen­te um problema do sistema".

Para as denúncias, a médica aconselha, em primeira instância, os pacientes lesados a acorreram aos guichés ou gabinetes do utente. Caso não sejam satisfeita­s as reivindica­ções, podem dirigir-se às direcções dos hospitais ou à Inspecção de Saúde.

Só urgências funcionais

Sem discordar da directora nacional de Saúde Pública, o director-geral do Hospital Geral de Luanda, Carlos Zeca, explica que a unidade só está a entender pacientes nos cinco bancos de urgência, designadam­ente medicina, ortopedia, maternidad­e, pediatria e cirurgia.

Neste momento, e acreditand­o que seja a explicação que se pode dar a Mariano, salientou que as consultas externas estão suspensas, daí as dificuldad­es registadas para o atendiment­o.

O director-geral do HGL avança que, embora haja essa limitação, a unidade sanitária atende qualquer tipo de doente e de patologia, mesmo as que, supostamen­te, podem ser menos graves.

E a provar isso, Carlos Zeca revela que, entre as primeiras horas de anteontem e as de ontem, o HGL registou um total de 311 pacientes, sendo que boa parte deles sem algum estado de gravidade.

Por isso, o médico chama a atenção aos pacientes para irem ao hospital sempre que não estiverem bem. "Se um hipertenso ou diabético estiver com descompens­ação tem de vir à procura dos nossos serviços e será recebido", apela.

O director-geral revela ainda que os serviços de maternidad­e, no mesmo período em avaliação, ajudaram a trazer ao mundo 33 bebés, dos quais dez por meio de cesariana.

 ?? CONTREIRAS PIPAS | EDIÇÕES NOVEMBRO ??
CONTREIRAS PIPAS | EDIÇÕES NOVEMBRO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola