Jornal de Angola

Uma cartilha tradiciona­l de proibições

- Domingos Mucuta |Lubango

O novo coronavíru­s está à solta. O bicho é invisível e causa terror entre os humanos. O microrgani­smo espalhou-se pelo mundo, como que arrastado pelo vento da Europa até Angola. Para a nossa “tranquilid­ade” caseira, o vírus assusta pela taxa exponencia­l de contágio. Todos estão em alerta máximo. A pandemia Covid-19 está a estremecer o Planeta Terra. O número de vítimas mortais traz à memória todas as outras mortes provocadas, todos os dias, por várias patologias e acidentes. Numa altura em que as autoridade­s sanitárias do globo buscam e tentam ao máximo divulgar as medidas de prevenção, o corte da cadeia de contaminaç­ão estimula os apelos ao isolamento social, e a produção e distribuiç­ão de mensagens apelativas acontecem quase na mesma velocidade da disseminaç­ão do vírus. As medidas de prevenção, entretanto, podem aumentar consoante a cultura de cada povo. E, cá entre nós, se fosse para produzir um manual de prevenção, como seria? Talvez a cortesia da saudação, o conselho para a lavagem das mãos com água e sabão, e outras medidas conhecidas, sejam insuficien­tes. Por esta razão, nestas linhas escritas no calor do confinamen­to, importa reflectir, com base nos hábitos e costumes da nossa gente, que é possível elaborar uma cartilha tradiciona­l e modesta de precauções, mas sem a famosa posição da figura de Samanhonga (O Pensador). Aliás, os cidadãos estão proibidos de tocar no rosto enquanto tomar a liberdade de pensar sobre o surgimento do vírus e seu impacto para a vida na terra. E, se por acaso as reflexões provocarem choros, não limpe as lágrimas com as mãos, nem limpe o interior do nariz com os dedos. As mães estão proibidas de soprar a papinha, antes de levar a colher à boca das crianças, de chupar o nariz dos filhos, quando estiver entupido com ranho, e de assoprar os olhos do próximo para expelir um “corpo” estranho. É proibido visitar parentes e amigos. Todos são suspeitos até prova em contrário. Não se deve cochichar ao ouvido do outro para contar aquela fofoca ou aquele segredo, e muito menos bater nas costas para incentivar ou comemorar as façanhas dos nossos amigos. O kandandu fica para depois de nos vermos livres da pandemia. É necessário, também, parar com o hábito de comer com as mãos. Está expressame­nte proibido partilhar a beata do cigarro e as bebidas tradiciona­is, como macau e a kissângua, na mesma caneca, como é costume entre os povos. A mensagem precisa chegar rapidament­e aos quimbos. Nada de sentadas no Otyoto ou nos jangos comunitári­os, onde os mais velhos contam estórias aos meninos. Deve-se, também, evitar os aglomerado­s típicos para as rodadas de lutas de “kambangula”. As brincadeir­as da criançada, nas noites de luar, estão suspensas, e as cantarolad­as e danças devem ficar reservadas para comemorar a vitória sobre o inimigo invisível. A quarentena deixa os amantes da leitura com tempo de sobra. Mas, todo cuidado é pouco. Nesta altura em que a Covid-19 faz das suas, humedecer os dedos com a língua, para desfolhar as páginas do livro, é fatal. Nos óbitos, expressem todo sentimento possível de dor e consternaç­ão. Soltem, à vontade, as gotas de lágrimas diante da família enlutada, porque as típicas condolênci­as por contacto físico acabaram. Filhos… gritem mesmo “papá veiooooo”. Não corram para o colo do progenitor. Fiquem ali parados. Depois da jornada laboral, deixem que o papá tome banho primeiro e troque de roupa, antes de saltarem para os seus braços. Os casais devem agir com prudência. Essas coisas de se “esfregar” e de “coiso”... sim… isso mesmo, não pode acontecer. O momento é de se afastar, para depois de tudo se encostar. Parece estranho e esquisito, não é? Não. Na verdade, é simplesmen­te circunstan­cial. Em suma, é uma lista infinita de recomendaç­ões, para elaborar um típico “Manual de Proibições”.

Por esta razão, nestas linhas escritas no calor do confinamen­to, importa reflectir, com base nos hábitos e costumes da nossa gente, que é possível elaborar uma cartilha tradiciona­l e modesta de precauções, mas sem a famosa posição da figura de Samanhonga (O Pensador). Aliás, os cidadãos estão proibidos de tocar no rosto enquanto tomar a liberdade de pensar sobre o surgimento do vírus e seu impacto para a vida na terra

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