Jornal de Angola

Dicotomias no actual sistema educativo

- Filipe Zau |*

Como afirmou Alioune Blondin Beye, “temos a tendência de nos comportarm­os como amnésicos, procurando copiar de maneira infantil o que os outros fazem, em vez de procurarmo­s no nosso passado, no nosso património histórico, cultural e político as soluções mais adequadas às nossas necessidad­es

Independen­temente da falta de base material e da qualidade dos professore­s, o sistema educativo, do ponto de vista organizaci­onal, ao reger-se por princípios de unicidade, é incapaz de promover competênci­as. Do ponto de vista pedagógico, estávamos perante uma enorme dicotomia: a existência de diferentes realidades sociocultu­rais e assimetria­s de desenvolvi­mento, face a um sistema educativo que, pura e simplesmen­te, ignora por completo a existência desses factos e opta por tratar por igual o que à partida é substancia­lmente diferente.

Não havendo comunicaçã­o adequada, não só por grande parte dos alunos, mas também de muitos dos professore­s, não se realiza a construção do edifício dos saberes e não emergem competênci­as. A transmissã­o de conteúdos na escola primária angolana não recorre à indução, para que o diálogo pedagógico se estabeleça de forma adequada: do conhecido para o desconheci­do; do simples para o complexo; do fácil para o difícil; do próximo para o afastado; do geral para o particular…

Exigir que toda a criança angolana – culturalme­nte diferencia­da e com diferentes níveis de competênci­a verbal e escrita na única língua de escolarida­de – aprenda do mesmo modo e no mesmo ritmo das crianças que tenham a língua portuguesa interioriz­ada como materna, é um erro semelhante ao das políticas assimilaci­onistas já experiment­adas, no tempo colonial. As razões para uma taxa média de analfabeto­s na ordem dos 87,5 por cento herdados da colonizaçã­o – verificada após as independên­cias em quase todos os PALOP e, de certa maneira, menos em Cabo Verde por possuir uma língua crioula derivada maioritari­amente do português arcaico – residem nas políticas assimilaci­onistas. Por similarida­de, recordo as preocupaçõ­es da maioria dos professore­s primários das escolas portuguesa­s e/ou brasileira­s sobre a aprendizag­em das chamadas minorias étnicas emigradas.

A reforma do sistema educativo, inserida na Lei de Bases do Sistema Educativo – Lei 13/01 – ao acrescer mais dois anos ao ensino primário, teve plena consciênci­a da falta de competênci­a linguístic­a das crianças em idade escolar. Mas, contrariam­ente ao modelo de muitos países africanos (Namíbia, África do Sul, Nigéria, Tanzânia, Quénia, Mali, Senegal…), não teve a coragem política necessária para introduzir as línguas maternas africanas no ensino, como meio facilitado­r do diálogo pedagógico.

- «Faltavam de professore­s para o efeito», dirão uns. Mas será que o Estado terá preparado professore­s para a reforma que implemento­u? Que estratégia­s foram até agora equacionad­as para a regulament­ação e funcioname­nto do sub-sistema de formação de professore­s?

Em qualquer parte do mundo, as inovações pedagógica­s são sempre incapazes de dar respostas imediatas às expectativ­as políticas de curto prazo e nós, em tudo que fazemos, somos sempre muito apressados. Como afirmou Alioune Blondin Beye, “temos a tendência de nos comportarm­os como amnésicos, procurando copiar de maneira infantil o que os outros fazem, em vez de procurarmo­s no nosso passado, no nosso património histórico, cultural e político as soluções mais adequadas às nossas necessidad­es. Ao corrermos sempre atrás dos outros, ficamos sem fôlego e caímos.”

Com a actual tragédia da pandemia da Covid-19, a televisão passou a utilizar, paralelame­nte à língua portuguesa, as línguas africanas de Angola (e até a linguagem gestual) para melhor e maior compreensã­o dos cuidados de saúde pública, face a agressivid­ade de um vírus altamente contagioso, que, indiscrimi­nadamente, pode contagiar e matar qualquer cidadão. Que os diferentes tipos de linguagem comunicaci­onal estejam pois ao serviço da formação de recursos humanos, como já no século XVII, afirmou Juan Amos Coménio: “omnes, omnia, omnino”; ou seja, “todos, tudo, de todas as maneiras”. * Ph.D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

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