Dicotomias no actual sistema educativo
Como afirmou Alioune Blondin Beye, “temos a tendência de nos comportarmos como amnésicos, procurando copiar de maneira infantil o que os outros fazem, em vez de procurarmos no nosso passado, no nosso património histórico, cultural e político as soluções mais adequadas às nossas necessidades
Independentemente da falta de base material e da qualidade dos professores, o sistema educativo, do ponto de vista organizacional, ao reger-se por princípios de unicidade, é incapaz de promover competências. Do ponto de vista pedagógico, estávamos perante uma enorme dicotomia: a existência de diferentes realidades socioculturais e assimetrias de desenvolvimento, face a um sistema educativo que, pura e simplesmente, ignora por completo a existência desses factos e opta por tratar por igual o que à partida é substancialmente diferente.
Não havendo comunicação adequada, não só por grande parte dos alunos, mas também de muitos dos professores, não se realiza a construção do edifício dos saberes e não emergem competências. A transmissão de conteúdos na escola primária angolana não recorre à indução, para que o diálogo pedagógico se estabeleça de forma adequada: do conhecido para o desconhecido; do simples para o complexo; do fácil para o difícil; do próximo para o afastado; do geral para o particular…
Exigir que toda a criança angolana – culturalmente diferenciada e com diferentes níveis de competência verbal e escrita na única língua de escolaridade – aprenda do mesmo modo e no mesmo ritmo das crianças que tenham a língua portuguesa interiorizada como materna, é um erro semelhante ao das políticas assimilacionistas já experimentadas, no tempo colonial. As razões para uma taxa média de analfabetos na ordem dos 87,5 por cento herdados da colonização – verificada após as independências em quase todos os PALOP e, de certa maneira, menos em Cabo Verde por possuir uma língua crioula derivada maioritariamente do português arcaico – residem nas políticas assimilacionistas. Por similaridade, recordo as preocupações da maioria dos professores primários das escolas portuguesas e/ou brasileiras sobre a aprendizagem das chamadas minorias étnicas emigradas.
A reforma do sistema educativo, inserida na Lei de Bases do Sistema Educativo – Lei 13/01 – ao acrescer mais dois anos ao ensino primário, teve plena consciência da falta de competência linguística das crianças em idade escolar. Mas, contrariamente ao modelo de muitos países africanos (Namíbia, África do Sul, Nigéria, Tanzânia, Quénia, Mali, Senegal…), não teve a coragem política necessária para introduzir as línguas maternas africanas no ensino, como meio facilitador do diálogo pedagógico.
- «Faltavam de professores para o efeito», dirão uns. Mas será que o Estado terá preparado professores para a reforma que implementou? Que estratégias foram até agora equacionadas para a regulamentação e funcionamento do sub-sistema de formação de professores?
Em qualquer parte do mundo, as inovações pedagógicas são sempre incapazes de dar respostas imediatas às expectativas políticas de curto prazo e nós, em tudo que fazemos, somos sempre muito apressados. Como afirmou Alioune Blondin Beye, “temos a tendência de nos comportarmos como amnésicos, procurando copiar de maneira infantil o que os outros fazem, em vez de procurarmos no nosso passado, no nosso património histórico, cultural e político as soluções mais adequadas às nossas necessidades. Ao corrermos sempre atrás dos outros, ficamos sem fôlego e caímos.”
Com a actual tragédia da pandemia da Covid-19, a televisão passou a utilizar, paralelamente à língua portuguesa, as línguas africanas de Angola (e até a linguagem gestual) para melhor e maior compreensão dos cuidados de saúde pública, face a agressividade de um vírus altamente contagioso, que, indiscriminadamente, pode contagiar e matar qualquer cidadão. Que os diferentes tipos de linguagem comunicacional estejam pois ao serviço da formação de recursos humanos, como já no século XVII, afirmou Juan Amos Coménio: “omnes, omnia, omnino”; ou seja, “todos, tudo, de todas as maneiras”. * Ph.D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais