Nova escala de prioridades para Angola
Projectando
mentalmente a dinâmica da Angola pós-Pandemia da Covid-19 (é obrigatório fazê-lo com a devida antecedência), não poderíamos deixar de equacionar um reordenamento das prioridades no investimento económico e na real valorização daqueles que sempre deveriam estar no topo da hierarquia, por serem de facto os mais importantes.
Falamos dos camponeses, estes seres esquecidos, na nossa realidade actual. Durante quase meio século de Independência de Angola, esta classe, embora se dissesse o contrário, foi sempre o parente pobre, olhado de soslaio por economistas, juristas, engenheiros, arquitectos e afins.
Apesar de estarmos numa sociedade onde a Justiça esteve manietada, por décadas, pela estrutura governamental, o jurista sempre se destinguiu como o senhor importante, engravatado e bem pago. O facto de o sistema económico e financeiro ser dos menos fiáveis, nunca limitou a sobranceria dos economistas, mesmo fazendo projecções que, na generalidade, não se cumpriam. De igual modo, uma indústria moribunda (intencionalmente ou não) e um crescimento arquitectónico do país aleatório, assente sobretudo em decisões dos políticos, nunca limitaram a “banga” dos senhores engenheiros nem dos arquitectos.
Longe de qualquer menosprezo das valências que estas classes de profissionais aportam, a verdade é que, se tivermos necessidade de prolongar o Estado de Emergência, não são eles quem vai colocar comida à mesa dos angolanos. Milhares de anos depois, a evolução humana continua a reconhecer que, antes de tudo, o homem precisa de se alimentar. Ou seja, as necessidades básicas para a subsistência da espécie continuam a ser as mesmas. E, nesta perspectiva, as contribuições das classes profissionais acima referidas são de certa forma acessórias.
Não faltaram, na História recente de Angola, oportunidades à governação de perceber claramente esta realidade. Em 1975, quando se afastou os portugueses - e, já agora, foram destruídos de forma selvagem, muitos empreendimentos -, não foram os debates que alimentaram os angolanos, quando a cadeia alimentar ficou cortada. Idem em 1992, com a guerra civil a impedir o acesso ao pouco que se produzia internamente.
No ínteirim das crises, com o petróleo a produzir novos ricos em catadupa e a (quase) eternizar a miséria na esmagadora maioria dos angolanos, foi muito mais confortável (e rentável para alguns) importar tudo e reduzir cada vez mais a importância daqueles que nos podem garantir a subsistência como Nação.
Ouvir do ministro do Comércio que, num curto espaço de tempo, o país gastou 450 milhões de dólares para comprar alimentos, deve levar-nos todos a repensar o futuro. Porque, em princípio, dificilmente o petróleo nos pode garantir, no amanhã imediato, desafogo financeiro, para nos darmos a este luxo. E a terra, este espaço solo enorme de que Angola se pode orgulhar, oferece a possibilidade de produzir quase tudo o que, ironicamente, compramos.
A diferença agora é que a dimensão da Pandemia da Covid-19 é gigantesca. O seu impacto sobre a vida humanas é colossal. O choque para as economias ameaça ser fatal, mesmo para nações mais desenvolvidas. E, como sempre, para os países do Terceiro Mundo, as consequências serão mais penosas. Urge então reprogramar com urgência as mentes, para perscrutarem o básico e que esteve sempre à mão de semear: dar prioridade à produção e escoamento de produtos nacionais e revitalizar a indústria local.
Tal como a Segunda Guerra Mundial potenciou, para os países em conflito, um considerável avanço industrial, a luta contra a Covid-19, pelos contornos que assume, terá que catapultar o país para uma gestão muito mais inteligente dos recursos, colocando de lado as perspectivas imediatistas ou eleitoralistas, a troco de estratégias realistas, ainda que penosas, em certa medida.
Porque está em causa nada mais do que a sobrevivência e a dignidade do país.