Falta de água expõe moradores a perigos
O abastecimento de água na zona do Rocha Pinto, Distrito Urbano da Samba, município de Luanda, continua a ser um problema para os munícipes, numa altura em que é quase obrigatório lavar as mãos para combater o COVID-19. Nesta procura incessante, o perigo
Manuel José estava à espera de seu ajudante, que foi comprar um carburador novo para substituir o que avariou na moto de três rodas. Eram 6h30 da manhã, depois de encher o reservatório no bairro Prenda, na zona da Sagrada Esperança, uma pequena elevação que fica no sentido da Samba, nas proximidades do prédio Café, à Avenida 21 de Janeiro, fez com que a moto começasse a perder a força até parar definitivamente.
Restava ao seu proprietário reparar a avaria. Assim perdia os primeiros clientes do dia, talvez por isto, o surpreendemos a olhar atentamente para o reservatório de água que a moto carrega. Atrás da mesma o triângulo sinalizava o seu estado técnico. O que impedia Manuel de andar a vender a água pelo bairro Rocha Pinto.
De 52 anos de idade, Manuel José vive do negócio de água, desde que perdeu o emprego na Odebrecht onde era pedreiro. Com o dinheiro da indemnização comprou uma moto “vovô e eu” que se tornou no único meio de sustento à sua família.
“É desta forma que consigo sustentar os meus filhos. Todos os dias vendo água no Rocha Pinto, onde sempre falta água. A população sofre com este problema há muitos anos”, afirma Manuel.
Na mesma via em que a moto de Manuel José avariou, em pouco tempo, registámos a circulação de seis motos idênticas. Tinham os reservatórios atestados de água e tomavam a direcção do Rocha Pinto. Com certeza iam vender o precioso líquido. Manuel disse que lá, cada bidão de 20 litros custa 100 Kwanzas.
Nova tubagem não dá água ao Rocha
Os bairro Rocha Pinto e Prenda estão separados, apenas, por uma estrada. Contam os moradores que durante a construção da nova via que forma a divisória, a empresa Odebrecht danificou uma canalização antiga, que foi substituída por outra, nova. Mas, até hoje continua fechada.
Paulo Cristóvão não entende como é que do outro lado da estrada, no bairro Sagrada Esperança, as casas têm água, sai pelas torneiras em dias alternados, e no Rocha Pinto não, embora tenha beneficiado igualmente do programa das 700 mil ligações.
“Tendo em conta que uma das principais medidas para travar o COVID- 19 é mantermos a higiene constante das mão, lavando com água e sabão, a falta de água nos deixa preocupados e não temos alternativas para irmos procurála”, reclamou Paulo Cristóvão.
O jovem disse que na parte de cima do bairro Rocha Pinto é abastecida de água normalmente, mas na parte de baixo nunca saiu, tanto é assim que as torneiras e tubagem estão a ser danificadas por alguns moradores. “É neste momento que ainda não existem muitos casos da pandemia que as medidas de higienização devem ser reforçadas”, apela Paulo Cristóvão.
Na avenida 21 de Janeiro, desde a pedonal que fica na direcção do campo de futebol do Interclube até a paragem de táxi do triângulo, o cenário é assustador. Inúmeros moradores com bidões amarelos, na cabeça ou nas mãos, atravessam perigosamente de um lado para o outro. A estrada é muito movimentada. Ainda assim, há outras pessoas a pular os enormes separadores, tudo para conseguirem água potável. Até crianças arriscam as vidas. A situação já é encarada como normal.
“A situação é muito difícil e crítica”, desabafa dona Maria, moradora do bairro Rocha Pinto. Conta que, quase todos os dias, acorda às cinco horas da manhã para acarretar água do outro lado da estrada à sua casa, uma distância de 500 metros, correndo o risco de ser atropelada. “Já vi pessoas a morrer, tentando atravessar a estrada. O que me preocupa mais são as crianças e adolescentes, a quem, muitos pais, delegam a responsabilidade de levar água para casa, sob pena de haver uma desgraça”.
Maria garantiu que a falta de água por ali, é um problema que já se arrasta há algum tempo, mas que, até ao momento, não vê outra saída, se não fazer o sacrifício diário. ““Há vários anos que foram montadas as torneiras, mas, infelizmente, nunca vimos a correr água. Percorremos longas distâncias e também compramos água a preços muito altos”, deplorou.
Em plena pandemia do Coronavírus, a senhora Maria lamenta o facto de existir muitas pessoas oportunistas a facturar. “Nem todos têm dinheiro para comprar água diariamente”, salienta a mulher que diz não entender como é que o seu bairro vive sem este indispensável líquido há anos. “Pelo que vejo, as autoridades nada fazem para dar solução ao nosso problema”,critica. Na zona da Paviterra, antigo parque e na praça do campo, ao lado do Morro da Luz, registam-se as mesmas cenas. Os moradores são obrigados a percorrer longas distâncias se não puderem pagar por preços muito mais elevados ditados pelos motoqueiros, os vendedores de água.
Apesar de ter sido oficialmente anunciado que estão na periferia cisternas da Empresa Provincial de Águas de Luanda (EPAL) a distribuir água, de modo gratuito, os moradores do Rocha Pinto continuam a clamar por dias melhores. Para eles, agudiza-se a carência do precioso líquido, o que lhes obriga a comprá-lo a preços exorbitantes. A EPAL, acreditam, parece não ter um horizonte temporal para solucionar definitivamente o problema.