Jornal de Angola

As paragens (temporária­s) do tempo

- crónicas do tempo Apusindo Nhari |*

Partilhamo­s hoje, no mundo inteiro, uma sensação antes não experiment­ada pela maioria dos humanos vivos. Talvez apenas os habitantes do planeta que têm mais de 75 anos de idade, ainda se recordem de um momento da sua vida em que o tempo lhes tenha parecido estar, como agora nos parece: “parado”...

Só as pandemias e as guerras “mundiais” levaram e podem levar a humanidade a estar privada da sua liberdade de movimentos: a ter de se recolher, de se refugiar, de se confinar. Em tempo de guerra são as balas e os estilhaços, a mando dos generais e dos políticos, que alvejam os corpos dos humanos e os matam. Muitos nem podem fugir, estão na linha de frente, no combate. Em tempo de pandemia são os micróbios que, no desempenho da sua função natural, penetram no corpo dos humanos e os matam. Os médicos, enfermeiro­s e técnicos de saúde não podem fugir, estão nos serviços de urgência e nas UTI, e a dimensão dos danos só depende da maior ou menor ferocidade da contaminaç­ão.

Quando as guerras duram muito tempo e envolvem um grande número de países e exércitos (a 'Segunda Guerra Mundial', por exemplo, afectou toda a Europa e partes dos continente­s americano, asiático, africano e a Oceania; e durou 5 anos) as populações são privadas de movimentos e as consequênc­ias económicas da paralisaçã­o e do “ficar em casa” põem seriamente em causa a vida social nos anos que se seguem. Quando as pandemias graves se espalham por muitos países, as populações recorrem ao isolamento social para se proteger e evitar a contaminaç­ão, com consequênc­ias sociais e económicas semelhante­s. Durante esses momentos, as populações e os países sentemse como se o tempo tivesse parado. Teme-se que não haja um amanhã ou, pelo menos, apreende-se o que esse amanhã possa vir a ser. O medo e a ansiedade dominam a vida durante esses momentos da História.

Quando terminam esses terríveis eventos, a vida social, a maneira de estar e a consciênci­a colectiva da humanidade mudam profundame­nte. Mesmo que a maioria da população do planeta sobreviva não lhes resta outra alternativ­a senão a de encontrar uma nova forma de viver.

Mas a amplitude das crises do século passado e mesmo as anteriores, só mais tarde puderam ser avaliadas: vistas agora “de longe”, sob o prisma da História, foram “apenas” paragens temporária­s do tempo. Nessas alturas, ainda que a sensação que pudessem ter os afectados fosse de “globalidad­e”, na verdade essas “paragens” estavam circunscri­tas geografica­mente.

A “paragem do tempo” que vivemos hoje resulta da expansão da epidemia da CoViD-19 em apenas 3 meses e pode ser considerad­a “mais global” (o que não quer dizer que vá ser “mais mortal”), pois atingiu já a maioria esmagadora dos países do mundo. Nascida na China em finais de 2019, foi graças à velocidade a que correm as notícias no mundo moderno, que foi possível seguir a sua evolução. Segundos após o instante em que, desde Wuhan, foi enviado o texto escrito no ecrã de um telemóvel ligado à internet a avisar que tinha aparecido um vírus altamente contagiant­e, podia ser lido em Londres, Rio de Janeiro ou Luanda. Alastrou-se pelos cinco continente­s rapidament­e e as diferentes formas de afrontá-la foram sendo partilhada­s no mundo inteiro em tempo real, independen­temente das distâncias, das culturas, e dos sistemas político-económicos. Tornada pandemia, a CoViD-19 afecta por agora mais severament­e algumas regiões do planeta (América do Norte e Europa), mas também se espalhou e assusta todas as demais... A intensa mobilidade planetária facilita o itinerário mundial que este vírus coronário decidiu percorrer.

Dentro da “paragem” em que vivemos hoje, experiment­amos uma sensação antes nunca vivida por todos aqueles que nascemos depois de 1945: socialment­e, colectivam­ente, submetemo-nos a regras que todos devem cumprir. Temos consciênci­a de que participam­os numa guerra sanitária contra um inimigo que a ciência conhece, mas não domina. Sabemos que fora do espaço da “nossa” paragem nacional, as cidades e aldeias dos países vizinhos, do continente e do mundo também estão “paradas”. Um sentimento completame­nte novo, real, de globalidad­e: fazemos diariament­e as contas do número dos nossos irmãos humanos que tombam mundo afora. Todos, os que vivemos e nos assustamos, que lemos e escrevemos conversas e ideias, sentimento­s e prognóstic­os, confinados e imobilizad­os dentro do espaço definido pelas nossas fronteiras fechadas, sentimo-nos parte dessa “paragem” mundial do tempo.

No nosso país, vivemos um momento angustiant­e em que ainda não foi possível perceber se seremos severament­e atacados pela CoViD-19 ou se seremos mais poupados do que em outras regiões do mundo. Diante do fraquíssim­o nível actual de contágio conhecido colocámo-nos por enquanto em “pré-paragem” preventiva, da qual ansiamos sair sem os danos humanos que receamos. E se nos chegar a “paragem propriamen­te dita” - que nas preces de cada um dos angolanos se pede que não aconteça - enfrentá-la-emos o melhor que soubermos, com os meios que temos.

Esta pandemia que vive a humanidade no entrar da segunda década do Século XXI agudiza a consciênci­a das desigualda­des de recursos e de capacidade­s de uns e de outros, classes sociais e países, mas demonstra que o sentimento de susto e de medo dos homens e das mulheres é idêntico em todo o mundo. Obriga-nos a mudar de hábitos, mas, lá está, a História vai amanhã contar que foi, esta também, e “apenas”, uma paragem temporária do tempo.

Esta pandemia que vive a humanidade no entrar da segunda década do Século XXI agudiza a consciênci­a das desigualda­des de recursos e de capacidade­s de uns e de outros, classes sociais e países, mas demonstra que o sentimento de susto e de medo dos homens e das mulheres é idêntico em todo o mundo

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