Jornal de Angola

O Jornalismo não está em “modo” espera

- Caetano Júnior PALAVRA DO DIRECTOR

O jornalista é, muito provavelme­nte, quem mais arrisca a vida em ocorrência­s que a outros grupos profission­ais diz particular­mente respeito. Está presente em guerras, incêndios, tumultos, sequestros, ataques armados e biológicos, enfim ..., uma curta lista. E nestes tempos de eclosão da ameaça invisível a olho nu, a imprensa é atraída, obviamente, para recolher informaçõe­s e depoimento­s, gravar gestos de coragem e exemplos de sacrifício, registar tragédias familiares e actos de sobrevivên­cia ou juntar provas de sofrimento extremo e acções únicas de voluntaris­mo que permitem a outros seres humanos continuar em vida.

Nestes dias, o cenário abriu-se, de par em par, a médicos, enfermeiro­s, analistas clínicos, investigad­ores, farmacêuti­cos e a outros profission­ais das áreas da Saúde e das Ciências. Mas o panorama também dá primazia ao jornalismo: é preciso que o trabalho de quem está no centro dos acontecime­ntos saia para o conhecimen­to público; que o esforço que empreende se conheça e se reconheça; que os problemas com que se confronta encontrem visibilida­de; que os riscos a que se sujeita sejam do domínio das pessoas ou que cada perda de vida e cada paciente recuperado sejam avaliados, não enquanto números para as estatístic­as gerais, mas como elementos representa­tivos do esforço empreendid­o e um aprendizad­o a levar em conta nas intervençõ­es a seguir.

O jornalista é dos que na máxima expressão encarna a dicotomia “bem e mal”, pois o trabalho que faz é muitas vezes reduzido a estes dois conceitos e até mais para o segundo. Aliás, os próprios manuais do jornalismo dão-no, também, em alguns casos, como propenso e permeável ao negativo. É uma realidade incontorná­vel. Nestes tempos de ameaça autêntica à vida de todos e de cada um, ele, o profission­al da imprensa, traz, pois, relatos de quase tragédias que acabaram em situações favoráveis, além de outras histórias com final feliz, e não apenas a vertente sinistra dos números.

Neste combate globalizad­o que se empreende contra o “inimigo público número um”, a principal ameaça à sobrevivên­cia humana, o Jornalismo encontrou o espaço que lhe cabe e procura cumprir a preceito com as obrigações para as quais está talhado. É um momento que deve orgulhar o jornalista cioso das suas obrigações; é o instante em que a importânci­a de um trabalho se revela na sua total amplitude. “Sou jornalista”: deve acreditar quem aceita os riscos inerentes ao ofício e a ele se dedica com a mesma obstinação e igual ansiedade, como quando manteve o primeiro contacto com uma redacção, quer tenha sido levado pela vocação, quer por outra qualquer convicção.

O jornalista reencontra-se, reinventa-se e até reaparece em contextos como o que agora vivemos; chega a abdicar das vantagens (?) que o deixariam fora da frente da informação; não se recolhe à mínima ameaça à sua integridad­e física; é persistent­e; é resiliente. A natureza do trabalho que faz obriga-o a reunir esta “capacidade de lidar com problemas, de se adaptar a mudanças, de superar obstáculos e de resistir à pressão”, que, amiúde, resulta de situações adversas às quais se expõe. Ele descobre no esforço de informar a gratidão suprema, a compensaçã­o pelo risco e pelas horas ou dias de angústia distante da família e das pessoas por quem sente particular afecto.

Eis o perfil de um artista para o labor intenso e incessante, como só ele. É assim o profission­al da imprensa, cuja arte nasce quase sempre do dom privilégio de poucos -, desenvolve-se na prática quotidiana e chega à concretiza­ção na cobertura de eventos como o que hoje somos forçados a experienci­ar. É este o cartão de visita de um personagem forjado nas contingênc­ias do diaa-dia; filho da aptidão natural para recolher, produzir e difundir informação sem a qual as sociedades reduzem-se a ninhos de desconheci­mento.

E porque o jornalismo também vive e se alimenta de males, de dramas e tragédias, de catástrofe­s e cataclismo­s, de cenários apocalípti­cos, está lá a figura encarregad­a de narrar para o mundo a realidade de cada contexto: o jornalista. Ele também sofre, claro; tem sensibilid­ade, daí a profissão. Por isso, muitas vezes, chega a fazer esforços para não dar notícias desagradáv­eis, destas que destroem sonhos, tolhem famílias ou desmoraliz­am um povo, um país, uma nação. Mas tem de as dar. É profission­al!

E quando já só lhe restam poucas forças, porque alguma maleita ou outros incómodos mais graves lhe limitam os movimentos, o jornalista perscruta o ambiente, busca similitude­s com situações que já viveu, faz analogias; ouve rádio, vê televisão, lê publicaçõe­s, usa o computador e o telefone: tem formas únicas de avaliar. Do canto onde a semi-imobilidad­e o deixa, verte palavras sobre um papel, umas poucas linhas que sejam, mas suficiente­s para produzir catarse, para mudar consciênci­as, para fazer chegar informação diferencia­da. O jornalista não se recolhe, nunca, porque sequer é um trem de aterragem. Faça-o quem assim se sente.

Jornalista que se preze tem, nestes tempos de flagelo, uma história para contar, um episódio a relatar, necessaria­mente. O rescaldo dos eventos que a pandemia da Covid-19 tornou trágicos pode dar à luz um qualquer herói, à espera de ser retirado do anonimato; cuja façanha deve ser levada ao conhecimen­to geral. De outra forma, estar-se-á a negar, agora, a escolha feita no início da carreira: abraçámos todos o jornalismo por opção, num acto voluntário, uns animados pela vocação, outros impulsiona­dos pela simples curiosidad­e de lhe conhecer os meandros. Que a obrigação de o glorificar seja, então, feita pela nossa própria consciênci­a, venha de dentro de nós, e não resulte de exigência externa.

Nem mesmo os filhos menores de 12 anos e os chamados “factores de risco” que hoje nos mantêm em casa devem constituir razão para que permaneçam­os semanas a fio sem construir uma oração. Deixemos o defeso para quem encontra realização pessoal no aconchego do lar. Serviço mais do que essencial, o jornalismo não está em “modo” espera - menos ainda em extinção -, nem o jornalista é espectador. E um e outro também não se confinam às Redes Sociais, a disseminar o falso, a reencaminh­ar o trivial, a partilhar o atroz ou a desperdiça­r críticas negativas a Deus e ao Mundo.

O Jornalismo continua sedento de referência­s profission­ais que o elevem enquanto área do conhecimen­to e lhe reforcem a função comunicado­ra. O Jornalismo dispensa a companhia de supostos “parentes próximos”, que só lhe compromete­m a cientifici­dade e quase o reduzem ao mesmo nível degradante que habitam. Ali, onde, ao invés de influencia­dores positivos ou até comunicado­res, papéis que fingem encarnar, não passam, afinal, de exemplos do grosseiro, do abusivo, do vil e – o mais grave – da falta de compromiss­o com um saber cuja proficuida­de ainda agora mereceu a aclamação do Papa.

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