Nem só do pão vive o Homem
Os provérbios, independentemente das origens, da língua em que são ditos ou escritos, são fontes de ensinamento e alerta, alguns dos quais vieram à memória de muitos de nós neste tempo de restrições que podem salvar vidas.
Entre tantos, que podíamos evocar, refiro o que lembra que “nem só do pão vive o Homem”, verdade incontestável, mesmo que outras urgências se lhes sobreponham, como comida, água, desinfectantes, medicamentos. Mas quantos de nós, no distanciamento social que estamos obrigados a cumprir, para nosso próprio bem, nos queixamos de cansaço mental, da rádio, televisão, jornais preenchidos dias a fio, como é normal, pela anormalidade da situação, com o “assunto do dia”. A saturação de muitos vem por terem perdido, ou nunca terem tido, o hábito de leitura de um bom livro?
Argumentarão alguns que agora já podem ser lidos graças às novas tecnologias. Sem dúvida, o recurso à Internet pode compensar, jamais, todavia, satisfazer na plenitude. É como falar, servindonos do mesmo meio, com aqueles de quem sentimos mais saudades, mesmo que os vejamos. Falta o abraço, beijo, carícia que os olhos exprimem, mas mais ampliam a saudade.
O livro também se afaga, quando o folheamos, protege, ao revesti-lo de sobrecapa, despedimo-nos dele na hora de lhe colocarmos, cuidadosamente, um marcador, quando interrompemos a conversa, como que a dizerlhe, “desculpa, tenho de ir comprar pão, mas não me esqueço de ti, espera por mim, que volto, descansa também tu na estante, não te trago um companheiro novo, porque, em Luanda, as livrarias, mesmo sem a ameaça do coronavírus, quanto mais agora, escondem-te, não te limpam o pó, misturam-te com imitações de ti, que nada ensinam, nem abrem horizontes”.
Em muitas cidades, até vilas, de países fortemente atingidos pelo coronavírus, o recolhimento em casa despertou o engenho de livreiros, com vendas pela Internet, empregados que aparecem à porta dos estabelecimentos, quando ouvem a campainha, sem deixarem, como é evidente, entrar o cliente, mas atendem-no, fazem-lhe sugestões. E vão ao domicílio, como alguns restaurantes, o que lhes permite atenuar inesperadas quebras de receitas e descobrir novos caminhos de negociar, provavelmente a manter depois de debelados perigos da pandemia.
Alguns “livreiros” de Luanda hão-de fechar portas de vez, lamentar-se e pedir ajudas estatais, sem terem mexido uma palha para as justificar.