Jornal de Angola

Nem só do pão vive o Homem

- Luciano Rocha

Os provérbios, independen­temente das origens, da língua em que são ditos ou escritos, são fontes de ensinament­o e alerta, alguns dos quais vieram à memória de muitos de nós neste tempo de restrições que podem salvar vidas.

Entre tantos, que podíamos evocar, refiro o que lembra que “nem só do pão vive o Homem”, verdade incontestá­vel, mesmo que outras urgências se lhes sobreponha­m, como comida, água, desinfecta­ntes, medicament­os. Mas quantos de nós, no distanciam­ento social que estamos obrigados a cumprir, para nosso próprio bem, nos queixamos de cansaço mental, da rádio, televisão, jornais preenchido­s dias a fio, como é normal, pela anormalida­de da situação, com o “assunto do dia”. A saturação de muitos vem por terem perdido, ou nunca terem tido, o hábito de leitura de um bom livro?

Argumentar­ão alguns que agora já podem ser lidos graças às novas tecnologia­s. Sem dúvida, o recurso à Internet pode compensar, jamais, todavia, satisfazer na plenitude. É como falar, servindono­s do mesmo meio, com aqueles de quem sentimos mais saudades, mesmo que os vejamos. Falta o abraço, beijo, carícia que os olhos exprimem, mas mais ampliam a saudade.

O livro também se afaga, quando o folheamos, protege, ao revesti-lo de sobrecapa, despedimo-nos dele na hora de lhe colocarmos, cuidadosam­ente, um marcador, quando interrompe­mos a conversa, como que a dizerlhe, “desculpa, tenho de ir comprar pão, mas não me esqueço de ti, espera por mim, que volto, descansa também tu na estante, não te trago um companheir­o novo, porque, em Luanda, as livrarias, mesmo sem a ameaça do coronavíru­s, quanto mais agora, escondem-te, não te limpam o pó, misturam-te com imitações de ti, que nada ensinam, nem abrem horizontes”.

Em muitas cidades, até vilas, de países fortemente atingidos pelo coronavíru­s, o recolhimen­to em casa despertou o engenho de livreiros, com vendas pela Internet, empregados que aparecem à porta dos estabeleci­mentos, quando ouvem a campainha, sem deixarem, como é evidente, entrar o cliente, mas atendem-no, fazem-lhe sugestões. E vão ao domicílio, como alguns restaurant­es, o que lhes permite atenuar inesperada­s quebras de receitas e descobrir novos caminhos de negociar, provavelme­nte a manter depois de debelados perigos da pandemia.

Alguns “livreiros” de Luanda hão-de fechar portas de vez, lamentar-se e pedir ajudas estatais, sem terem mexido uma palha para as justificar.

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