Jornal de Angola

Adeus Bárbara Allimadi

- Sousa Jamba

Fiquei altamente chocadom, esta semana, ao ler que Bárbara Allimadi tinha sido encontrada morta na sua casa na capital do Uganda, Kampala. Conheci a Bárbara, que tinha quarenta e oito anos, em Londres, nos anos 80. Eu era amigo da família Allimadi. O pai da Bárbara, Otema Allimadi, foi Primeiro-Ministro no Governo de Milton Obote e em vários Governos no Uganda. Em 1986, a família Allimadi estava exilada em Londres. Lembro-me da Bárbara como uma menina perniciosa, mas muito inteligent­e. Depois dos almoços, na casa da família Allimadi, a conversa era sobre a política e História africana. A Bárbara escutava atentament­e. Lembro-me da expressão, na sua cara, cheia de admiração do seu pai.

E assim fomos vivendo como membros da diáspora africana em Londres. Uns estavam muito interessad­os em integrar-se, outros não viam nenhuma contradiçã­o em fazermos parte do processo da globalizaç­ão e ao mesmo tempo estarmos profundame­nte ligados ao continente africano. Como várias famílias africanas, os Alllimadi levavam a formação académica muito a sério. O irmão mais velho da Bárbara foi aos Estados Unidos, em Nova Iorque, estudou jornalismo, trabalhou no “The New York Times” e depois abandonou o jornal porque, segundo o livro que ele eventualme­nte escreveu, havia uma tendência de ele ser sempre enviado para cobrir histórias que tinham a ver com negros. O Milton Allimadi começou o seu próprio jornal “The Black Star News” — mais voltado para a comunidade negra. Uma irmã da Bárbara, a Dóris Allimadi, que foi minha colega, é advogada, escritora e actriz.

Em Londres, lembro-me que quando todas as meninas queriam ir para a faculdade estudar Direito, Medicina, Sociologia, Relações Internacio­nais, a Bárbara decidiu ir estudar engenharia. Para a Bárbara, a Matemática era algo muito linda. Ela tratava a álgebra por tu! Já que era muito hábil na Matemática, na escola primária, a Bárbara fazia os deveres de várias amigas, que lhe pagavam. Muitas acabavam, claro, reprovando no fim do ano! Depois da faculdade, a Bárbara começou um negócio em Londres e havia, até, artigos sobre os jovens negros na Inglaterra. A Bárbara tinha uma agência de emprego para médicos e enfermeira­s.

Em 2007, depois do faleciment­o da sua mãe e do seu enterro no Uganda, Bárbara Allimadi decidiu ficar no Uganda. Isto nos surpreende­u. Cá estava alguém que poderia singrar em qualquer parte do mundo, mas que tinha decidido voltar para o país em que tinha nascido. Muitos de nós seguíamos de perto a Bárbara no Facebook, ela era um produto autêntico do Ocidente. Interrogam­o-nos como a Bárbara Allimadi iria sobreviver num país onde o lugar das mulheres (e jovens) era subalterno. Estávamos errado. A Bárbara Allimadi tinha regressado para um Uganda das redes sociais. Sim, os jornais e a empresa estatal cantavam hosanas intermináv­eis ao Presidente Yoweri Museveni, no poder desde 1986, mas nas redes sociais activistas como a Bárbara Allimadi não paravam de criticar o sistema.

De repente, a nossa Bárbara Allimadi tornou-se muito popular no Uganda. Em 2012, a Polícia agrediu violentame­nte Ingrid Turinawe, uma figura destacada no partido do Kiza Besigye, o rival de sempre do Presidente Museveni. Quando Ingrid Turinawe estava a ser detida, um polícia apertou violentame­nte um dos seus seios, a senhora foi gritando com dor. Alguém conseguiu filmar isto e a África anglófona entrou em choque. Sim, estávamos habituados a ver o Doutor (médico) Besigye a ser espancado pela Polícia e até membros do Exército — mas o Coronel Besigye foi um militar que lutou ao lado de Museveni no Movimento Nacional de Resistênci­a (MNR), que assumiu o poder em 1986. Ver uma senhora a ser tratada daquela forma caiu muito mal.

É assim que a Bárbara Allimadi e umas amigas decidiram ir manifestar no meio de Kampala, vestidas apenas de soutiens. Lá estava um grupo de polícias armados até aos dentes, contra com um grupo de mulheres de soutiens. Cada cidadão que tinha o seu celularzit­o começou a filmar aquele acontecime­nto. A Bárbara Allimadi e as suas colegas foram prontament­e detidas e levadas para as celas de uma prisão. Pensei que a Bárbara sairia do confronto com a Polícia esmagada. Nada disso. A estadia nas cadeias endureceu a activista, que passou a ser entrevista­da por vários canais internacio­nais. A Bárbara Allimadi falava um Inglês impecável. Um canal de televisão independen­te no Uganda entrevisto­u a Bárbara Allimadi na sua casa — uma residência em Kampala onde ela estava rodeada de livros. Muitos esperavam uma mulher arrogante, cheia de si etc. O que mais sobressaiu da entrevista é a humildade da activista, que afirmou que queria um dia casar-se e criar uma família. Na entrevista, estava muito claro que a menina de catorze anos que conheci tinha, sim, bebido muito do seu pai. Bárbara disse na entrevista que no seu regresso ao Uganda, depois de uma vida inteira no Ocidente, ela sentiu que tinha que fazer algo para o seu país. A Bárbara Allimadi entrou na política e foi secretária para a Diáspora do partido ANT.

Em Londres, lembro-me que quando todas a meninas queriam ir para a faculdade estudar Direito, Medicina, Sociologia, Relações Internacio­nais, a Bárbara decidiu ir estudar engenharia. Para a Bárbara, a Matemática era algo muito linda

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